domingo, 27 de dezembro de 2015

Um dia, Stalin elogiou Trotsky (1918)


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Introdução (Erick Fishuk)

As palavras voam, mas os escritos ficam, já dizia Michel Temer. Se o seminário onde estudou o jovem Ioseb Dzhugashvili fosse de confissão romana, talvez ele tivesse aprendido esse ditado latino e jamais se entregado a arroubos elogiosos a colegas revolucionários que no futuro poderiam lhe dar as costas. O agora Iosif Stalin não imaginava que sua aprovação do comando militar de Leon Trotsky na Revolução de Outubro se eternizaria no periódico Pravda e seria desenterrada por futuros historiadores xeretas.

Em novembro de 1918, celebrando o aniversário da vitória bolchevique, o georgiano deixou à posteridade um relato fresco muito interessante sobre o desgaste final do Governo Provisório sucedâneo ao tsarismo e a luta armada que levou os comunistas ao poder. Até aí tudo bem. O texto só se tornaria estranho quase 100 anos depois por conta de seu reconhecimento, certamente sincero e sem dúvida justo, do papel do ex-menchevique ucraniano no êxito da revolta, sendo que ao longo dos anos 1920 os dois protagonistas travariam uma luta encarniçada pelo poder definitivo após a morte de Vladimir Lenin. Essa rixa gerou o primeiro grande racha do mundo comunista e acostumou o mundo a ver Stalin e Trotsky como antípodas desde sempre.

Dialética é enxergar as coisas além de suas aparências, em suas relações internas complexas e quase sempre contraditórias. Um mundo dividido em polos estanques é modelo do empirismo cego, e não por acaso chamado de “dialética” na língua cifrada do marxismo-leninismo triunfante na URSS. A informação que Hélène Carrère D’Encausse oferece nas páginas 123 e 124 de seu livro L’URSS de la Révolution à la mort de Staline, 1917-1953 (Paris, Seuil, 1993), de que em 1918 Stalin teria ressaltado o papel de Trotsky na Revolução de Outubro em artigo do Pravda, me fez parar a leitura e ir logo vasculhar a rede. Bastaram alguns minutos para descobrir que o artigo não somente existia, mas também havia sido adulterado para entrar nas Obras completas do líder. Os escritos ficam, e se ficam, o bicho come.

Em 6 de novembro de 1918, o jornal Pravda publicou em sua edição 241 o artigo de Stalin “Октябрьский переворот” (Oktiabrski perevorot), cujo título já faz pensar: a palavra perevorot, por exemplo, pode ser traduzida como “reviravolta”, “revolução” (na ciência, por exemplo), “golpe” (de Estado ou militar, por exemplo) ou “mudança” (política, por exemplo). Ora, Outubro foi um golpe ou uma revolução? No corpo do texto das duas versões a palavra só aparece uma vez, onde foi cômodo traduzir por “revolução”; mas notavelmente, apenas na segunda versão aparece duas vezes a expressão Oktiabrskoie vosstanie (Insurreição de Outubro), com direito a inicial maiúscula. Parece que no calor dos inícios Stalin ainda não tinha decidido criar a memória da “Grande Revolução Socialista de Outubro”, nem quis fazê-lo tão explicitamente a posteriori nos anos 1940. Assim, eu daria à tradução o título flexível e alusivo de “Revolução em outubro”.

Em essência, julguei que as alterações menores no texto das Obras completas estavam para trazer maior precisão, facilitando o entendimento, e mesmo o parágrafo que mudou de lugar corrige algo que realmente estava errado: o Governo Provisório só capitulou em definitivo entre a madrugada e a manhã de 26 de outubro (8 de novembro), e não na manhã de 25 de novembro. Porém, um novo parágrafo inicial abala o conjunto, provocando a impressão de inevitabilidade da revolta (ou golpe, ou revolução?) ante fatores relacionados à crueza da “reação”, consoante ao relato da Grande Revolução já canonizado. Mais chocante ainda é o último parágrafo dividido em dois: três figuras fundadoras desaparecem, enquanto o soviete e as tropas de Petrogrado sob a liderança de Trotsky perdem sua importância. Agora, é ler para crer.

Coloquei abaixo, completa, apenas a primeira versão, que contém minhas notas explicativas e uma das notas que aparecem nas Obras completas. Em seguida, adicionei os parágrafos modificados, separados do texto, com a outra nota das Obras completas, deixando para explicar as alterações menores nas próprias notas. A primeira versão em russo pode ser lida nesta página publicada pelo site contestador “Skepsis”, mas ela não indica todas as alterações. A segunda versão em russo foi publicada no tomo 4 das Obras completas (Moscou, OGIZ/Gospolitizdat, 1947), pp. 152-154, e também pode ser lida na rede. Na Wikipédia em russo também há um exemplar da primeira versão, com diferenças na paragrafação.

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Já no fim de setembro o Comitê Central (CC) bolchevique decidiu mobilizar todas as forças do partido para organizar uma insurreição vitoriosa. Para isso, o CC resolveu formar um Comitê Militar Revolucionário em Petrogrado, (1) conseguir que a guarnição dessa capital aí ficasse e convocar o Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Esse congresso podia ser o único herdeiro do poder. Sem dúvida a conquista prévia dos Sovietes (2) de Moscou e Petrogrado, os mais influentes na retaguarda e no front, estava no plano geral de organização insurrecional.

Via Operária, (3) o órgão central do partido, obedecendo às instruções do CC, começou a conclamar abertamente à insurreição, preparando os operários e camponeses para a batalha decisiva.

A primeira rixa (4) com o Governo Provisório ocorreu por terem fechado o (5) Via Operária. Por ordem desse governo o jornal foi fechado, e por ordem do Comitê Militar Revolucionário ele foi aberto pelo caminho da revolução. (6) Tipografias foram fechadas, comissários do Governo Provisório foram demitidos. Foi em 24 de outubro.

Em 24 de outubro, (7) em toda uma série de repartições públicas centrais, comissários do Comitê Militar Revolucionário expulsaram pela força representantes do Governo Provisório, o que fez essas repartições caírem nas mãos do comitê e todo o aparato do governo se desorganizar. Ao longo do dia (24 de outubro) toda a guarnição, todos os regimentos (8) se aliaram decididos ao Comitê Militar Revolucionário – exceto apenas algumas escolas de cadetes e a divisão blindada. A conduta do Governo Provisório revelava indecisão: somente à noite ele decidiu ocupar as pontes com batalhões de choque, tendo conseguido elevar algumas delas. Em resposta, o Comitê Militar Revolucionário movimentou guardas-vermelhos do bairro Vyborg (9) e marinheiros que, tendo liquidado e dispersado os batalhões de choque, ocuparam as mesmas pontes. Neste momento começou a insurreição aberta: toda uma série de regimentos (10) foi deslocada com a missão de cercar todo o entorno do espaço onde ficam o estado-maior e o Palácio de Inverno. O Governo Provisório estava reunido no palácio. A união da divisão blindada ao Comitê Militar Revolucionário (na alta madrugada de 24 de outubro) acelerou o bom êxito da insurreição.

Em 25 de outubro, de manhã cedo, após o bombardeio do Palácio de Inverno e do estado-maior, após o tiroteio entre tropas dos sovietes e cadetes diante do palácio, o Governo Provisório capitulou.

Em 25 de outubro se abriu o Congresso dos Sovietes, ao qual o Comitê Militar Revolucionário transmitiu o poder conquistado.

Quem animou a revolução do começo ao fim foi o CC do partido, chefiado pelo camarada Lenin. Vladimir Ilich vivia então em Petrogrado, num apartamento secreto no bairro Vyborg. Na noite de 24 de outubro ele foi chamado para o comando geral do movimento no Instituto Smolny. (11) Todo o trabalho prático para organizar a insurreição se deu sob a liderança direta do camarada Trotsky, presidente do Soviete de Petrogrado. Pode-se dizer com segurança que pela rápida união da guarnição ao Soviete e pela hábil realização dos trabalhos do Comitê Militar Revolucionário, o partido deve antes de tudo e principalmente ao camarada Trotsky. Os camaradas Antonov (12) e Podvoiski (13) foram os principais ajudantes do camarada Trotsky.

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A segunda versão tinha ainda o subtítulo “24 e 25 de outubro de 1917 em Petrogrado”, e antes do primeiro parágrafo original foi adicionado este:

Eis os acontecimentos mais importantes que precipitaram a Insurreição de Outubro: a intenção do Governo Provisório, após ceder Riga, de ceder também Petrogrado, a preparação do governo Kerenski para se transferir a Moscou, a decisão dos comandantes do velho exército de enviar toda a guarnição de Petrogrado ao front, deixando a capital indefesa, e finalmente o trabalho febril do congresso negro, (14) chefiado por Rodzianko (15) em Moscou, para organizar a contrarrevolução. Tudo isso, somado à crescente ruína econômica e à indisposição do front a continuar na guerra, determinou a inevitabilidade de uma rápida e áspera insurreição organizada como única saída à situação criada.

Os dois parágrafos que começam com “Em 25 de outubro” tiveram a ordem invertida, e a redação do primeiro (que se tornou segundo) passou a ser esta, poucas alterações:

Em 26 de outubro, de manhã cedo, após o bombardeio do Palácio de Inverno e do estado-maior pelo cruzador Aurora, após o tiroteio entre tropas dos sovietes e cadetes diante do palácio, o Governo Provisório capitulou.

Agora, o fatídico último parágrafo que virou dois:

Quem animou a revolução do começo ao fim foi o CC do partido, chefiado pelo camarada Lenin. Vladimir Ilich vivia então em Petrogrado, num apartamento secreto no bairro Vyborg. Na noite de 24 de outubro ele foi chamado para o comando geral do movimento no Instituto Smolny.

Papel destacado na Insurreição de Outubro tiveram os marinheiros do Báltico e os guardas-vermelhos do bairro Vyborg. Ante a excepcional coragem dessa gente, a guarnição de Petrogrado se limitou principalmente a dar apoio moral e, em parte, militar aos combatentes de vanguarda.

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Notas do tradutor
(Clique no número para voltar ao texto)

(1) Em russo, “Piter”, até hoje um nome informal de São Petersburgo (Petrogrado, de 1914 a 1924).

(2) Na segunda versão: “Sovietes de Deputados”.

(3) [Nota 34 das Obras de Stalin, pp. 421-422] “Via Operária” (Rabochi Put) – Órgão central impresso do partido bolchevique, lançado após o Pravda ter sido fechado pelo Governo Provisório durante as Jornadas de Julho de 1917. Publicado de 3 de setembro a 26 de outubro de 1917, Via Operária tinha como redator-chefe I. V. Stalin.

(4) Na segunda versão: “A primeira rixa aberta”.

(5) Na segunda versão: “fechado o jornal bolchevique”.

(6) A adição de uma pequena partícula na segunda versão ressalta a ideia de reviravolta súbita, e a frase poderia ser assim retraduzida: “Por ordem desse governo o jornal foi fechado, mas por ordem do Comitê Militar Revolucionário logo foi aberto pelo caminho da revolução.”

(7) Lembrar que até 1.º de fevereiro de 1918 a Rússia usava o calendário juliano, que tinha um atraso de 13 dias em relação ao calendário gregoriano usado em todo o Ocidente.

(8) Na segunda versão: “regimentos em Petrogrado”.

(9) Em russo, “Vyborgskaia storona”. Além de várias outras acepções, a palavra storona também designava naquela época algumas regiões de São Petersburgo.

(10) Na segunda versão: “regimentos nossos”.

(11) Em russo, apenas “Smolny”, subentendendo-se que era o instituo de educação de moças nobres transferido em outubro de 1917 para Novocherkassk, cujo prédio vazio serviu de quartel-general para os bolcheviques insurretos e, até a transferência da capital para Moscou, foi estado-maior e residência do governo bolchevique, inclusive de Lenin. Atualmente pertence à administração regional.

(12) Vladimir Aleksandrovich Antonov-Ovseienko (1883-1938), ex-menchevique, um dos organizadores do assalto ao Palácio de Inverno na Revolução de Outubro ao lado dos bolcheviques, ocupou vários cargos na administração e diplomacia soviéticas. Aliado de Trotsky na oposição, foi cônsul-geral em Barcelona durante a Guerra Civil Espanhola e, mais tarde, preso e fuzilado pelo NKVD.

(13) Nikolai Ilich Podvoiski (1880-1948), bolchevique desde 1903, foi um dos organizadores militares da Revolução de Outubro e primeiro comissário de assuntos militares da Rússia soviética. Proeminente no Partido, presidiu o Sportintern (seção esportiva da Internacional Comunista), atuou em Outubro de Eisenstein no papel de si mesmo e desde 1935 prosseguiu na propaganda do regime.

(14) [Nota 33 das Obras de Stalin, pp. 421-422] Congresso negro – conferência ocorrida em Moscou de 12 a 14 de outubro de 1917 e presidida por Rodzianko. Nela participaram grandes latifundiários, industriais e usineiros, representantes do clero, generais e oficiais. A conferência se deu sob o signo da unificação das forças contrarrevolucionárias no combate ao bolchevismo e à crescente revolução.

(15) Mikhail Vladimirovich Rodzianko (1859-1924), militar e político do Império Russo, um dos fundadores do partido outubrista (grandes proprietários de terra liberais e moderados que pregavam a limitação dos poderes do tsar), tentou defender a manutenção da monarquia e participou do Governo Provisório até outubro de 1917. Após ter estado no Exército Branco, morreu no exílio.



domingo, 20 de dezembro de 2015

Por que se deve aprender russo?


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Por Erick Fishuk

As pessoas aprendem idiomas pelos mais diversos motivos. E por tão diversos motivos certos idiomas se tornam mais úteis ou necessários do que outros. Quem tem vida intelectual ativa sabe o quanto fazem falta até mesmo noções básicas de idiomas menos falados ou conhecidos no Ocidente. E os curiosos, estudiosos e pesquisadores, bem como os fortemente inseridos no mercado de trabalho, por vezes se ressentem da pouca fluência ao falar ou escrever em língua estrangeira. Definitivamente, não é mais o domínio de apenas uma língua estrangeira que garante uma carreira profissional ou acadêmica promissora. E, reconheçamos, na maior parte dos casos não é o domínio do conjunto de quaisquer línguas estrangeiras que nos dá um lugar ao sol no mundo globalizado. O idioma internacional hoje não é inglês ou esperanto, mas o poliglotismo.

Para certos idiomas, ou antes, para certo idioma, a necessidade de seu domínio parece tão óbvia que até parece um contrassenso listar motivos para estudá-lo. Antes, como se tratássemos de casos patológicos, buscamos sanar os bloqueios que levam alguém a não querer estudar inglês ou a ter dificuldades nos estudos. Quanto ao francês, segundo idioma de cultura mais importante no mundo, mas hoje bem menos popular do que há cem anos, razões não faltam para conhecê-lo a fundo, especialmente entre meus colegas historiadores. Porém, os vendedores de livros e donos de escolas, ao menos no Brasil, se esmeram em arrolar os mais variados incentivos para os clientes comprarem seu peixe: ampla literatura, escolas e universidades de prestígio, ponto no currículo, intercâmbio cultural e até mesmo “língua do charme e do glamour”... Também não faltam porquês para dominar espanhol, alemão e italiano, mas para idiomas menos difundidos no mundo ocidental, mesmo os parentes mais ou menos distantes da família indo-europeia comum, o desenrolar e a conclusão das elucubrações em que se lançam escritores e professores chegam a ter uma graça.

Por meio deste texto, que tem caráter muito pessoal e de forma alguma técnico, pretendo listar algumas razões pelas quais acredito que seja importante e interessante a um brasileiro estudar a língua russa atualmente. Não quero causar medo inculcando riscos a correr ou oportunidades a perder na recusa a seu aprendizado, mas quero principalmente estimular quem já tem alguma vontade, mas precisa de um “empurrão”, e se possível apresentar dados novos a quem não está muito por dentro do assunto. Não vou também me preocupar com citação de fontes, pois buscas rápidas confirmam o essencial dos argumentos, mas posso fornecer os textos a quem desejar.

As estatísticas variam, mas em qualquer ranking o russo sempre está entre as dez línguas mais faladas do mundo. Aproximadamente 400 milhões de pessoas têm línguas eslavas como maternas, e mais da metade delas é falante de russo, concentradas na Rússia, Belarus e Cazaquistão, além de comunidades dispersas nos países vizinhos, em outros lugares da Europa e no resto do mundo. Por conta do enorme papel político e econômico desempenhado pela Rússia na Europa Central, Meridional e Oriental durante o século 20, muitas pessoas nos países dessas regiões têm o russo como uma de suas línguas estrangeiras, às vezes mais bem dominado até do que o inglês. Alguns deles são a Ucrânia, Bulgária, República Tcheca, Croácia, Sérvia e Montenegro, onde não raro o russo é ensinado já na escola secundária e cuja língua local tem muita semelhança.

O russo é uma ótima ponte para todas as outras línguas eslavas, ainda que não perfeita. É conhecido o fato de que esses idiomas são bastante parecidos entre si, e a comparação entre palavras básicas, do dia a dia, o revela facilmente. Isso não significa que sejam iguais ou mutuamente compreensíveis à primeira vista, mas o domínio de um deles possibilita uma compreensão razoável, mais do que em outros grupos linguísticos europeus, de um texto escrito em outra língua eslava, por exemplo, apesar das lacunas restantes nas sutilezas e no vocabulário. Porém, não está no entendimento imediato a maior vantagem, mas na facilidade de aprendizado de uma nova língua eslava. Os linguistas discordam que o russo seja um “meio-termo” dentro do grupo, papel que seria mais bem desempenhado pelo eslovaco ou o ucraniano. Mas apesar das diferenças de vocabulário, gramática e influências linguísticas, as terminações de caso, por exemplo, não variam enormemente, e os próprios casos, que indicam a função da palavra na oração, são quase os mesmos, e apenas no russo o “prepositivo” é em geral o “locativo” das outras, as quais costumam ter ainda o caso “vocativo”. O búlgaro e o macedônio são as únicas que não têm declinações de caso, mas o vocabulário búlgaro, pelo menos, é bem parecido com o do russo. Por experiência própria, penso que esta língua sumariza as dificuldades básicas que enfrentará o estudante de qualquer língua eslava, mas sem complicações excessivas na ortografia/pronúncia e na gramática.

O russo é um idioma difícil? Bem, na verdade nenhum idioma é objetivamente difícil, pois diversos fatores influenciam o aprendizado: tempo dedicado aos estudos, qualidade do material disponível (que se amplia quando é escrita na língua materna do iniciado), proximidade com a língua materna daquele que o aprende, dedicação e força de vontade do aluno e do professor, motivações externas à língua em si que levem à procura (gosto pela cultura ou história, frequência a lugares ou pessoas, antepassados, pesquisa acadêmica de um tema relacionado), condições psicofísicas que facilitam ou dificultam a assimilação, entre outros. Nada existe que impeça um brasileiro talentoso de aprender o básico da língua dentro de alguns meses, mesmo que não dedique muitas horas por dia. Isso porque, apesar da primeira impressão, não há enorme abismo entre o russo e o português, já que a escrita é igualmente alfabética (e até com correspondência maior entre grafia e pronúncia), o modo como a língua funciona, com substantivos, adjetivos, verbos, flexões, prefixos, preposições etc., é o mesmo (ao contrário do árabe, por exemplo) e muitas palavras de origem grega, latina, inglesa ou francesa contidas no vocabulário técnico, científico, artístico e cultural encontram cognatos em português. Recursos impressos e digitais hoje à mão também propiciam prática constante e eficaz.

Por suas fronteiras geográficas imensas, a cultura russa é uma das mais ricas do mundo, com influências da Europa Ocidental, Central e Oriental, dos povos do Oriente Médio, do Cáucaso, da Ásia Central e do Extremo Oriente. No século 19 a Rússia produziu literatura, música e ciência que entraram para o panteão da história, e assim continuou no século 20. No caso mais óbvio da literatura, por mais que o tradutor seja profissional e renomado, nada substitui a riqueza e o deleite de ler uma obra na língua “original”, ou “de partida”, como preferem dizer alguns. E a língua russa, em particular, é colorida por ser sintética, flexível e precisa, como atestam os casos, as palavras compostas, o aspecto verbal, a tropa de afixos e o vocabulário múltiplo. Todavia, e eis uma vantagem ao falante não nativo, o russo apresenta relativa uniformidade em toda a área de distribuição, tanto na pronúncia quanto no vocabulário e na gramática, embora os dois primeiros sofram eventuais variações. Atribui-se isso à padronização literária, educacional e midiática promovida pelo regime soviético, cujas reformas linguísticas também visavam a facilitar a alfabetização em massa e o aprendizado por estrangeiros.


O papel da Rússia e da União Soviética na história mundial durante o século 20 é um capítulo à parte, e como estudioso da área, é um terreno em que fico à vontade. Como sabemos, a importância da língua inglesa no mundo contemporâneo se deve à quase total hegemonia econômica, militar, cultural e política dos Estados Unidos após a Segunda Grande Guerra, embora o papel do Reino Unido no funcionamento anterior do mundo em nada fosse desprezível. O único grande contraponto jamais existente a esse poder mundial foi o império soviético, e não foi apenas sua grandeza numérica que para frente projetou a língua russa, mas o significado simbólico de um projeto apoiado na já existente majestade do período tsarista, bem como nas tradições populistas e rebeldes dos camponeses locais, que não pretendeu nada menos do que abolir as desigualdades sociais e libertar os povos coloniais. Nada disso, contudo, teria sido viável se em 1919, logo após a revolução bolchevique, Lenin não tivesse criado a Internacional Comunista, agregação mundial de partidos pró-Moscou que tomou a forma gigante e centralizada sob Stalin, mantida até a extinção em 1943, e forjou a linguagem e subcultura conhecida hoje como comunista, mas compartilhada por grande parte da esquerda revolucionária. Além disso, a Internacional foi uma das primeiras instituições de caráter mundial a fazer vasto emprego de tradutores e intérpretes (inclusive da interpretação simultânea), entre as mais diversas línguas, por conta do amplo tráfego de documentos, valores e pessoas entre Moscou e vários cantos do globo, pela via legal dos congressos e conferências ou pela via ilegal da subversão e espionagem. Assim, a língua russa permite analisar mais de perto o mosaico variado de uma história nacional ainda hoje passiva de polêmicas e aberta a novos números, esperando chegarem novos ratos de arquivo, eterno gatilho de paixões políticas, mas não menos internacional, por ter tentado incendiar a revolução em todo canto e ter legado uma ideologia política cujos frutos continuam a surgir.

A Rússia está ressurgindo com grande força na cena internacional, não importa como avaliemos a atuação de seus protagonistas políticos. Desde Gorbachov e durante toda a era Ieltsin, o produto interno bruto caiu drasticamente, e só voltou a crescer, com fôlego admirável e apesar de turbulências pontuais, sob o mando de Putin. Com Belarus e Cazaquistão, a Rússia forma um amplo bloco econômico, e no país da Ásia Central, também muito rico em recursos minerais, ela lança ainda seus famosos foguetes. Não é algo elogiável o xadrez que as grandes potências jogam nas nações mais pobres, mas a Rússia é o único país que tem sido consequente na oposição aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos e da União Europeia, e dois ou mais polos de poder e influência são melhores do que apenas um, ou dois que são um. A Rússia, junto com o Brasil, faz parte dos BRICS, bloco de interesses que inclui ainda Índia, China e África do Sul, todos eles países emergentes com nível de desenvolvimento similar e, portanto, desejosos de unir forças contra as imposições dos mais ricos. A curiosidade da Rússia pelo Brasil, muito além dos laços econômicos e diplomáticos que só têm se reforçado nos últimos anos, remonta aos tempos soviéticos, e muitos acadêmicos de lá descreveram nossa história e cultura em obras de grande valor, quase sempre com alto teor social e militante. E ainda hoje os russos, e não só eles entre os eslavos, especialmente os jovens que usam as redes sociais, têm se interessado em visitar o Brasil, aprender nossa língua e viajar, trabalhar ou estudar aqui, abrindo possibilidades que devemos explorar imediatamente.

Dizer que aprender novos idiomas reforça a inteligência e flexibiliza o raciocínio ao fornecer novas estruturas para entender o mundo é lugar-comum em qualquer caso. Mas se é assim, talvez línguas muito diferentes da nossa exerçam esse trabalho, com efeitos positivos, de forma ainda mais ampla. Ainda hoje muitos eruditos dizem que aprender latim é uma ótima ginástica para o cérebro, do que não discordo. Mas o russo, além de ser um idioma com uma real comunidade de falantes e infindas veredas de uso, possui dificuldades adicionais que tornam bem mais “puxada” essa ginástica. O gênero neutro e os casos são familiares aos latinistas, mas o uso daqueles com preposições, o alfabeto e fonologia diferentes não são coisas com que se acostuma nas primeiras aulas. Mas que pessoa obstinada e inteligente não gosta de desafios? Filé-mignon não é grátis. Entre os benefícios aplicáveis a qualquer outra língua, está o de ir a outro país e saber pelo menos arranhar a língua local, o que gera o prazer nos falantes que se satisfazem com o interesse por sua cultura, bem como no visitante que experimenta novas formas de se expressar, se comunicar, se virar, enfim, se arriscar. E por falar em riscos, têm se tornado mais conhecidos os casos de jovens brasileiros que decidem ir à Rússia cursar uma universidade, mesmo sem saber o idioma ou conhecer a cultura. Atraem-nos as aulas de russo que as instituições oferecem, mas que não suprem as enormes barreiras de encarar um ensino superior em língua complexamente diferente. Uma boa preparação no Brasil, mesmo que de forma autodidata, reduziria muito o sofrimento. E por fim, talvez a razão mais atraente aos brasileiros: em 2018 tem Copa do Mundo na Rússia!

Espero que terminado o texto, eu tenha conseguido convencer a leitora ou leitor com bons pretextos para que se aventure a aprender o idioma russo, caso surja alguma vontade ou interesse, e especialmente tenha feito refletir se essa vontade é verdadeira ou passageira, se valeria a pena embarcar num plano que só pode ser de longo prazo. Claro que as pessoas são diferentes, e escolhas nem sempre são conscientes ou racionais: o que para mim foi uma ferramenta de ascensão acadêmica, abertura do horizonte das línguas eslavas e até conhecimento parcial de meu passado pode ser para outras um desafio motivado por relacionamento amoroso, jogo eletrônico, programa ou série de televisão, mera fascinação estética (pela língua ou outros símbolos histórico-culturais), amizades profundas ou eventos significativos. Acho apenas que nenhuma língua, tal como um tema de pesquisa científica, deve ser procurada por estar “na moda”, como foi há pouco com o chinês e outrora o japonês. Mas de qualquer jeito, desejo que o esforço, como no meu caso, gere forte prazer intelectual e algum senso de dever cumprido.


Bragança Paulista, 17 de outubro de 2015

P.S.: Para aguçar ainda mais a curiosidade intelectual, selecionei alguns sites em inglês e português que dão noções básicas da língua russa ou remetem a outras páginas com manuais, gramáticas, dicionários, cultura/turismo e mídia:


Language Resources for Students of Russian

An On-line Interactive Russian Reference Grammar

Learning Russian Language online

Learn Russian For Free

Master Russian – Beginning to Advanced

100 top resources to learn Russian

Só Russo – Língua Russa Online

Russo para brasileiros

Blog Falando Russo – língua e cultura

Guia Básico de Russo e Norueguês



domingo, 13 de dezembro de 2015

Como fazer projetos de pesquisa


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Por Erick Fishuk

Esta pequena lista se origina de anotações que fiz no início de 2013 para minha própria orientação na escrita do projeto de pesquisa visando ao mestrado. Outras pessoas também buscam um guia assim, mas mesmo sendo rico o material sobre o assunto na internet, são muito diferentes as dicas, geralmente aplicáveis a apenas uma área do saber. Decidi, então, compartilhar as anotações, adaptando-as um pouco e sintetizando o que dizem livros, guias, folhetos, artigos ou anotações de aula. Por ser historiador, escrevi concentrado nas ciências humanas, mas os princípios lógicos valem para qualquer pesquisa. Destaco o que foi produzido ou distribuído pelos professores Antônio Joaquim Severino, Silvio Sánchez Gamboa, Silvia Hunold Lara, José Carlos Köche, Robert Barrass, entre outros. É de se lembrar que cada Programa de Pós-Graduação tem suas próprias normas, portanto meu texto deve ser confrontado com elas.

Para quem é de esquerda e estuda ciências humanas, adicionei uma parte especial tratando da metodologia dialética, escorada nas ideias de Silvio Sánchez Gamboa e acrescida de outros aportes.




Partes de um projeto de pesquisa e como redigi-las

Fases de preparação para a construção do plano/projeto:

• Escolha do tema.
• Delimitação do problema.
• Revisão da literatura e documentação bibliográfica.
• Crítica da documentação.
• Construção de esquemas teóricos.
• Construção das hipóteses.

Para a escolha do projeto, contam acima de tudo a qualidade do texto e a adequação às áreas de concentração do respectivo Programa de Pós-Graduação.


Capa

Deve conter: autor, título, local e data.


Folha de rosto

Deve conter: autor, título, instituição, área, orientação, local e data.


Resumo

Equivale em parte à “Apresentação” ou “Introdução” em alguns guias. Consiste numa explicitação breve e objetiva do tema, do objetivo mais geral, da proposta da pesquisa e da relevância para a área escolhida.


Objeto e objetivos (tema e problema)

Deve abordar os seguintes aspectos:

• Apresentação (gênese do problema, como se chegou a ele, motivos de sua escolha).
• O problema em si, bem delimitado no tempo e no espaço (perguntas e pergunta-síntese), incluindo as fontes priorizadas.
• Justificativas (sobretudo relevâncias social e científica).
• Objetivos (pretensa contribuição) gerais (relativos ao diagnóstico de um problema, fenômeno ou objeto) e específicos (relativos às metas ou processos). Utilizar verbos ativos: caracterizar, descrever, analisar, compreender, diagnosticar, medir, dimensionar, tipificar, classificar, comparar, explicitar, revelar, sistematizar, interpretar, relacionar. Evitar objetivos de intervenção pedagógica, administrativa, extensão (contribuir, propiciar, facilitar, possibilitar, favorecer etc.).

A diferença básica entre “objetivos” e “justificativas” é que estas apresentam as razões, sobretudo teóricas, que legitimam cientificamente o projeto, conforme a relevância do problema, e os interesses pessoais ou de equipe, como “iniciação científica”, “aperfeiçoamento”, “titulação acadêmica” etc., enquanto os “objetivos” tratam dos fins teóricos e práticos a serem alcançados com a pesquisa.

Em alguns modelos, aparece aqui também o estado da questão (contraposição e balanço crítico da bibliografia); em outros modelos, ele está no debate bibliográfico.

O tema é mais genérico que o problema, o qual é uma interrogação bem delimitada diante de uma dificuldade. O problema é uma pergunta perante o mistério, a curiosidade, a indagação, a suspeita, a dúvida, ou perante respostas que já temos, mas que podem ser falsas ou admitem a suspeita da sua veracidade ou apresentam indicadores de serem limitadas ou falhas. A pergunta materializa a necessidade vivenciada por pessoas concretas, sendo localizada num lugar e num tempo.

A primeira fase da formulação da pergunta é localizar a “situação-problema” no espaço e no tempo, com suas formas de manifestação, expressão e ocultamento, aparências, e revelações, e sobre a qual se identificam os indicadores ou “sintomas” do problema (contexto empírico) e se pode fazer uma revisão bibliográfica, recuperando registros e antecedentes (contexto teórico). Em seguida, traduz-se essa problemática num corpo de indagações na forma de frases interrogativas, articuladas em torno de uma pergunta síntese ou de uma questão básica; diga-se, questões que se articulam, e não desconexas entre si.


Hipótese(s)

Deve abordar as seguintes fases:

• Tese (hipótese central).
• Hipóteses particulares (“degraus” para a construção total do raciocínio), que jamais devem ser pressupostos ou evidências prévias do quadro teórico.

“Hipóteses”, grosso modo, são respostas provisórias ao problema, e se ramificam especialmente se houver mais de um problema (problema geral e derivados), cada um com sua hipótese. A hipótese é uma proposição afirmativa ‒ enquanto o problema é uma interrogação ‒ formulada em contraposição à teoria já existente, nunca surgindo do nada.

Explicitam-se as hipóteses (respostas esperadas) ou os possíveis resultados da pesquisa que poderão orientar as diversas estratégias da organização das respostas e a coleta e organização de resultados.

No momento do projeto, a fase da construção da pergunta é enfatizada; já a elaboração da resposta é apenas anunciada ou prevista.


Debate bibliográfico

Contém os principais argumentos do debate sobre o tema e o período abordados, o estado da questão e dos conhecimentos a respeito (contraposição e balanço crítico da bibliografia) e o posicionamento da pesquisa nesse debate. Não é um enfileiramento de obras, mas um diálogo entre e com elas. Uma possibilidade é avaliar certos autores conforme a teoria adotada e manter os que seguem os pressupostos da pesquisa.


Quadro teórico (por vezes não é solicitado)

O processo do conhecimento deve articular-se numa teoria ou numa visão de totalidade que jamais é neutra, mas que implica uma visão de mundo. O quadro de referências teóricas fornece as categorias para formular a pergunta e as hipóteses, analisar as respostas e interpretar os resultados, ajudando a localizar o projeto num campo epistemológico específico ou no contexto de uma área do conhecimento. A teoria deve ser logicamente coerente, consistente, compatível com o raciocínio e o problema, servir como diretriz (e não como molde formatador) e não misturar elementos incompatíveis.

As categorias de análise e os referenciais para a interpretação e discussão dos resultados referem-se a campo disciplinar ou interdisciplinar, palavras-chave, conceitos que identificam o fenômeno e as partes que o constituem, campo conceitual, paradigma epistemológico e visões de ciência e de mundo, que constituem o horizonte interpretativo dos resultados.

No projeto, ao contrário da dissertação ou tese final, a referência teórica aparece apenas esboçada ou em linhas gerais, indicando a orientação e as diretrizes da pesquisa.


Metodologia (e técnica) e fontes

Nessa etapa deve-se dizer se a pesquisa é empírica, histórica, teórica, uma combinação delas etc. Listam-se ainda:

• Fontes (bibliográficas, documentais, vivas, observação direta ou participante, experimentais, modelos iconográficos, ciberespaciais ou metafóricos) onde se podem obter informações para a elaboração das respostas pertinentes ao quadro de questões e à pergunta-síntese.
• Instrumentos, materiais e técnicas para coletar, organizar e sistematizar as informações necessárias à construção das respostas (fichas, questionários, entrevistas, diários de campo, gravador, vídeo, tabelas de registro, materiais e instrumentos, equipamentos, protocolos, quadros de medidas e parâmetros, modelos informatizados).
• Técnicas de tratamento de dados e informações (quantitativas ‒ estatísticas, computacionais ‒ ou qualitativas ‒ análise de conteúdo, interpretação e análise do discurso).
• Organização e sistematização de resultados (esquemas, tabelas, índices, fórmulas, teoremas, proposições, silogismos, argumentações).
• Razões do privilégio de algumas fontes, procedimentos em relação à falta de certos documentos, utilidade de rever fontes já pesquisadas por outros.
• Maneiras de relacionar diferentes campos de especialidade (literatura e história, ciência política e história etc.).

Deve-se fazer uma diferenciação: método é a forma ampla do raciocínio, e técnica é um ato mais restrito que operacionaliza os métodos.

Provavelmente também entra aqui, se não em parte separada, a previsão de condição para a realização do projeto (indicadores da viabilidade técnica do projeto).


Cronograma (distribuição da pesquisa no calendário)

Trata-se da organização por trimestre ou semestre, sendo preferível o maior detalhamento possível, mas sem impor muito poucas tarefas ou tarefas demais.


Bibliografia

No projeto, ela ainda é incompleta, podendo abranger somente o que se usou para redigi-lo ou ainda os títulos que se pretende usar. É, portanto, restrita ao essencial, destinada à ampliação e atualização durante a pesquisa. Deve-se separar obras de referência dos livros e artigos.


Dicas de formatação:

• Fonte tamanho 12.
• Margens esquerda e superior de 3 cm, direita e inferior de 2 cm.
• Espaçamento 1,5 entre linhas.
• Confrontar sempre as normas gerais pesquisadas em diversas fontes com as normas de cada instituto, devendo ser do orientador a última palavra sobre a formatação.


>>> Para formatação e estruturação de trabalhos acadêmicos em geral, além de como fazer referências bibliográficas, este site é muito útil, e também aponta os documentos da ABNT a respeito.

>>> Leia também um documento sucinto redigido pelo célebre historiador Ciro Flamarion Cardoso com algumas instruções gerais para a elaboração de projetos de pesquisa, focadas na área de humanidades (formato PDF).


A metodologia/abordagem dialética

Na abordagem dialética de uma visão materialista de mundo, o conhecimento é construído por uma relação dialética entre sujeito e objeto, dentro de um contexto de realidade histórica (cultura) com certas condições materiais históricas, quando se vai primeiramente do todo para as partes e depois das partes para o todo, ora com predomínio do subjetivo, ora do objetivo.

O interesse da pesquisa, dentro da dimensão humana do poder, é o crítico e emancipador, usado para transformar e emancipar, e então a atividade intelectual reflexiva desenvolve a crítica e alimenta a práxis (reflexão-ação) que transforma o real e libera o sujeito dos diferentes condicionantes. O enfoque crítico dialético apreende o fenômeno em seu trajeto histórico e em suas inter-relações com outros fenômenos, compreendendo os processos de transformação, suas contradições e suas potencialidades.

O homem conhece e compreende para suprimir as alienações, as opressões e as misérias e propiciar ações (práxis) emancipadoras. A práxis ‒ reflexão e ação sobre uma realidade buscando sua elevação a maiores níveis de liberdade do indivíduo e da humanidade ‒ se transforma em critério de verdade e de validade científica.

A necessidade de superação das atuais condições da reprodução da vida e da superação das formas de exploração e exclusão social exige uma constante análise epistemológica dos instrumentos, das técnicas, dos métodos, das teorias e das visões de mundo que estão sendo utilizadas ou praticadas nos diversos processos da produção do conhecimento.



domingo, 6 de dezembro de 2015

Гей, соколи! (Ei, falcões!) – Ucrânia


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/sokoly

Linda canção nacional-popular com que travei conhecimento ao conversar com um amigo polonês, é corrente tanto entre poloneses quanto entre ucranianos e se chama Ei, falcões! (Hej, Sokoły! em polonês, Гей, соколи! em ucraniano). Tem várias versões, e trata de um cossaco que deixa para sempre sua amada e sua terra natal.

A origem da canção é incerta, e tem fontes que a consideram uma obra só polonesa, e outras, só ucraniana. Alguns também dizem ser uma canção popular bielo-russa. Mas sua composição é geralmente localizada na primeira metade do século 19, por obra do poeta e compositor ucraíno-polonês Tymko (Tomasz) Padura (1801-1871).

A canção ficou muito popular na Polônia durante a guerra contra os bolcheviques russos e ucranianos em 1920, e foi muito cantada por alguns guerrilheiros poloneses antinazistas na 2.ª Guerra Mundial. A partir dos anos 1990, ela ganhou novo impulso ao entrar no repertório de cantores e na trilha de um filme.

Retirei essas informações da Wikipédia em inglês e ucraniano, bem como a letra de uma das versões em ucraniano que traduzi. O ucraniano Anatoliy Oveka, explicando a terceira estrofe, disse que nas pomynky, um banquete ou reunião em memória de um falecido (em russo, pominki), é comum se beberem os alcoólicos vinho e hidromel. Era um dos desejos do cossaco, que também pediu, ao morrer na guerra, para ser enterrado ao lado de sua amada na Ucrânia.

Um comentário sobre tempos verbais. Sempre que havia imperativo, optei por colocar o plural na terceira pessoa (“vocês”): “Voem por montes...”, “Sirvam hidromel...”, “... me enterrem”. Mas no singular (ver refrão), usei a segunda pessoa (“tu”), porque ela é mais corrente na nossa linguagem falada e porque a forma “toca” ocupa menos espaço na legendagem do que a forma “toque” (“você”, terceira pessoa).

O vídeo sem legendas do qual tirei o áudio para fazer minha própria montagem está nesta página. Depois do vídeo legendado estão a letra em ucraniano e em português. As legendas são uma versão simplificada da tradução que postei aqui, mas não houve alteração de sentido [NOTA - 3/10/2020: Muitos anos depois, descobri que essa gravação é do cantor ucraniano Volodymyr Verminsky, feita em 2005 e cujo áudio oficial só foi lançado automaticamente no YouTube em outubro de 2019]:



1. Гей, десь там, де чорні води,
Сів на коня козак молодий.
Плаче молода дівчина,
Їде козак з України.

Приспів:
Гей! Гей! Гей, соколи!
Оминайте гори, ліси, доли.
Дзвін, дзвін, дзвін, дзвіночку,
Степовий жайвороночку.
Гей! Гей! Гей, соколи!
Оминайте гори, ліси, доли.
Дзвін, дзвін, дзвін, дзвіночку,
Мій степовий дзвін, дзвін, дзвін.

2. Жаль, жаль за милою,
За рідною стороною.
Жаль, жаль серце плаче,
Більше її не побачу.

(Приспів)

3. Меду, вина наливайте
Як загину, поховайте
На далекій Україні
Коло милої дівчини.

(Приспів)

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1. Ei, num lugar onde as águas são negras
Um jovem cossaco partiu a cavalo.
Uma jovem moça está chorando,
O cossaco está partindo da Ucrânia.

Refrão:
Ei! Ei! Ei, falcões!
Voem por montes, matas e vales.
Toca, toca, toca, sinetinha,
Toca, cotovia das estepes.
Ei! Ei! Ei, falcões!
Voem por montes, matas e vales.
Toca, toca, toca, sinetinha,
Minha, das estepes, toca, toca, toca.

2. Saudade, que saudade
Da querida terra natal.
O coração chora de saudade,
Não vou mais vê-la.

(Refrão)

3. Sirvam hidromel e vinho
Quando eu morrer, e me enterrem
Na distante Ucrânia
Ao lado da moça amada.

(Refrão)