quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A Conceição Tavares de Munique


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Tava sentindo falta dos memes? Pois aqui está um, rs. O experiente diplomata alemão Christoph Heusgen, que presidiu a Conferência de Segurança de Munique (MSC), a encerrou em 16 de fevereiro de 2025 com um discurso preocupado com a desordem que se formou após a tentativa de resolver muitos conflitos recentes pela pura e simples força militar: Ucrânia, Palestina, Congo Kinshasa, Sudão... Dias antes, o Barbudinho Aloprado, vice-ditador do Trampestão, meteu o louco dizendo que seu principado não ajudaria mais na segurança europeia, e que a península mais ocidental da Ásia deveria se virar no futuro. Ele não citou a invasão do Cabeça de Rola à Ucrânia, defendeu abertamente certo partido em eleição estrangeira em que não deveria se meter e deixou o público boquiaberto.

Talvez pensando nesse papelão, Heusgen, que até outro dia eu nem fazia ideia de quem se tratava, fez outro papelão e caiu em prantos ao terminar o discurso de encerramento. Nos comentários em alguns canais do YouTube, ele virou alvo de piadas como o “símbolo” do que a Europa estaria se tornando: um clube de senhorinhas fracas cercado por potências autocráticas. Momento comparável, talvez só em 2007, quando no mesmo evento o cleptocrata praticamente anunciou o pandemônio bélico em que ia transformar a vizinhança... Infelizmente, não há muitas versões abreviadas sem aquele monte de aberrações gráficas de cada veículo de mídia, mas na transmissão completa do terceiro e último dia pela DW News em inglês, consegui achar o referido trecho, e com a vantagem de não ter sido dublado em outro idioma. Este reel legendado pelo Channel 4 News britânico me ajudou a corrigir a transcrição da fala.

Fiquei sabendo do incidente pela Belsat, TV belarussa exilada que também transmite em russo (e pela qual basicamente substituí a aguada Dozhd – trocadilho involuntário, rs), e fui correndo procurar. Não pude deixar de fazer um paralelo com o famoso dia em que a economista dilmista Conceição Tavares chorou (ou pelo menos quase) na TV durante a implementação do Plano Cruzado. Quem chora por último, chora melhor, afinal, ele foi um fracasso, assim como tudo e todos que vêm da famigerada “escola econômica da Unicamp”. Com a autorização dos respectivos empresários (rs), também vieram completar a turma de marmanjos chorões o Pica-Pau com um de seus famosos bordões e Beth Carvalho com o samba Vou festejar:


Está claro que nossa ordem internacional baseada em regras está sob pressão. Acredito firmemente que este mundo mais multipolar precisa ser baseado em um único conjunto de normas e princípios, na Carta da ONU e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa ordem é fácil de avariar, é fácil de destruir, mas é muito mais difícil de reconstruir. Então, vamos nos ater a esses valores, não vamos reinventá-los, mas focar em fortalecer sua aplicação consistente.

Permitam-me concluir, e isso se torna difícil...


It is clear that our rules-based international order is under pressure. It is my strong belief that this more multipolar world needs to based on a single set of norms and principles, on the UN Charter and the Universal Declaration of Human Rights. This order is easy to disrupt, it is easy to destroy, but it is much harder to rebuild. So let us stick to these values, let us not reinvent them, but focus on strengthening their consistent application.

Let me conclude, and this becomes difficult...



terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Votos de Nicolas Sarkozy pra 2009


Endereço curto: fishuk.cc/voeux2009

Desde a primeira posse de Emmanuel Macron, em 2017, os registros no site oficial do Elysée começaram a ficar muito bagunçados, e alguns discursos sumiram, outros ficaram mais difíceis de encontrar, não foi constituído um acervo de vídeos históricos etc. Por isso, fiquei dependente do que pude encontrar pelo Google ou no YouTube.

Curiosamente, os europeus pareciam gostar nos anos 2000 muito mais do Dailymotion ou do Vimeo do que do próprio YouTube, portanto, foi muito mais fácil achar os discursos de Sarkozy, como estes votos pra 2009, na primeira plataforma. Além disso, até hoje não entendo por que nenhum vídeo do presidente François Hollande foi publicado no YouTube oficial, enquanto o Dailymotion oficial é o mais completo de todos. Além disso, conforme as datas dos vídeos, há um “buraco” no YouTube entre 28 de janeiro de 2011 e 15 (“Ao vivo”) ou 18 (“Vídeos”) de janeiro de 2019...

O ano de referência sempre é o próximo, ao qual cada presidente está desejando votos, e não o que está acabando, quando o discurso é gravado e lançado. Uso o Google Tradutor pra obter os textos mais rapidamente, mas revisando e confrontando manualmente com os originais. Pra França, a fonte desses textos, como é o caso dos votos pra 2009, está sendo um site de informações políticas, econômicas e sociais chamado “Vie publique”, ligado ao gabinete do primeiro-ministro, mas infelizmente pouco divulgado.



Meus caros compatriotas,

O ano de 2008 está terminando. Ele foi rude.

Por essa razão, quero recordar primeiramente aqueles em quem a vida deu um duro golpe, os que perderam seus empregos sem terem culpa alguma por isso, os que são vítimas de injustiça, os que devem enfrentar a ausência de um ente querido.

Quero recordar nossos soldados que neste exato momento estão arriscando suas vidas por nossa segurança e pela paz. Quero recordar as famílias deles, que vivenciam dolorosamente essa separação. E mais ainda os que choram a perda de um filho, um marido, um noivo, um pai.

Para todos os franceses, este ano foi difícil. A crise econômica e financeira mundial acrescentou sua cota de dor e sofrimento. Cada um de vocês sofre suas consequências.

Face a essa crise, estou ciente de minha responsabilidade. Assumirei essa responsabilidade para que todos os que dela precisam sejam protegidos pelo Estado e para que nosso país saia mais forte dessa provação.

Desde que as dificuldades surgiram, sempre lhes disse a verdade e agi. Era meu dever.

Teria seria pior se, nessa situação, cada país tivesse tomado decisões sem se preocupar com os outros. As iniciativas que tomei em nome da presidência francesa da União Europeia para coordenar a ação de todos os europeus e reunir os chefes de Estado das vinte maiores potências mundiais em Washington permitiram evitar que o mundo recaísse na propensão do “cada um por si”, o que teria sido fatal. O imobilismo, igualmente, seria um erro.

Prometi que as mesmas causas não produziriam mais os mesmos efeitos. A França exigiu mudanças para moralizar o capitalismo, promover o empreendedor em detrimento do especulador, punir os excessos inaceitáveis que com razão escandalizaram vocês e devolver à dimensão humana seu devido lugar na economia. Teremos resultados na próxima cúpula em Londres, em 2 de abril.

Em um momento de crise como o mundo não via há muito tempo, tentei mudar a Europa. Sempre estive convencido de que a Europa não deve sofrer, mas agir e proteger. Com a resposta comum à crise financeira, a resolução da crise georgiana, a criação da União para o Mediterrâneo e o acordo sobre o clima e a energia, agora ficou provado que é possível. Foi apenas um primeiro passo. Devemos continuar, pois continuo convencido de que o mundo precisa de uma Europa forte, independente e imaginativa.

As dificuldades que nos aguardam em 2009 serão grandes. Tenho plena consciência disso. Estou mais decidido do que nunca a enfrentá-las, com preocupação pela justiça, com obsessão por obter resultados. Após preservar as economias de todos graças ao plano de resgate dos bancos, agora são os empregos de todos que devem ser salvos. Contribuirá para isso o plano de recuperação massiva, que foi decidido, com investimento de 26 bilhões de euros. É um esforço considerável. Medidas foram tomadas para salvar nossa indústria automobilística, em troca do compromisso dos fabricantes de não realocarem mais sua produção. Outras iniciativas serão tomadas com o fundo soberano que criamos para preservar nosso tecido industrial.

Seremos pragmáticos, atentos, reativos e, se precisarmos fazer mais, faremos, mas sem perder o sangue frio.

Temos meios, meus caros compatriotas, de enfrentar as dificuldades, desde que sejamos solidários uns com os outros. Não deixarei os mais fracos lutarem sozinhos nas piores dificuldades. Em tempos de provação, a solidariedade deve entrar em ação sem desencorajar o trabalho. Por essa razão, desejei a criação do RSA [auxílio desemprego sob condição de buscar trabalho ou realizar alguma atividade], que será aplicado pela primeira vez em 2009. A partir de agora, todo francês que retornar ao trabalho será encorajado, valorizado e recompensado.

Para sairmos dessa, todos deverão fazer esforços. Pois dessa crise nascerá um mundo novo para o qual devemos nos preparar trabalhando mais, investindo mais, continuando as reformas que não há como parar por serem vitais para nosso futuro.

Durante o ano de 2009, mudaremos os hospitais, cujo pessoal é admiravelmente dedicado e qualificado, a formação profissional indispensável para que todos tenham oportunidade de emprego, nossa organização territorial tornada inextricável por tanto conservadorismo, a pesquisa que condiciona nossa competitividade.

Penso também na reforma do ensino médio, necessária para evitar o fracasso de tantos de nossos jovens no ensino superior e a injustiça que faz tantos filhos e filhas de famílias modestas não terem as mesmas oportunidades do que os outros. Pedi que fosse dedicado tempo à consulta, porque reservar um tempo para refletirmos juntos não significa perder tempo com a reforma, mas ganhar.

Por fim, penso na reforma de nosso processo penal, tão importante para proteger melhor nossas liberdades individuais, cuja necessidade tão óbvia se evidenciou diversas vezes no ano que passou.

Meus caros compatriotas, realizarei todas essas reformas com o primeiro-ministro François Fillon e o governo, não por sistematismo, mas porque são a condição que permitirá à França conquistar seu lugar nesse novo mundo em construção. Assim, nos tornaremos mais competitivos, mais inovadores. E, ao mesmo tempo, preservaremos os valores que nos tornam únicos: o trabalho, o esforço, o mérito, a laicidade e a solidariedade, sem a qual nenhum esforço é aceitável.

Por fim, a França continuará a atuar na África, na Ásia e, claro, no Oriente Médio, para onde irei na segunda-feira, porque é a vocação da França buscar os caminhos da paz em todos os lugares, assim como é sua vocação atuar pelos direitos humanos.

Meus caros compatriotas,

A crise nos obriga a mudar de forma mais rápida e profunda. A crise é um teste, e também um desafio. Quero assumir esse desafio com vocês. Podem contar comigo.

Temos atributos consideráveis. Há no povo francês, quando unido, bastante energia, inteligência e coragem para que tenhamos juntos confiança no futuro.

Sairemos dessa crise mais fortes.

Do fundo do coração, faço a cada um de vocês meus melhores votos para 2009.

Viva a República, e viva a França!



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Votos de Nicolas Sarkozy pra 2008


Endereço curto: fishuk.cc/voeux2008

Estou começando hoje um projeto que acalentei durante anos, desde os tempos do Pan-Eslavo Brasil no YouTube. Nas próximas semanas, vou lançar todos os dias os discursos traduzidos de Ano Novo, mas ainda não publicados aqui, dos presidentes franceses e russos, após ter programado os conteúdos durante os fins de semana. Infelizmente, a única diferença é que os vídeos não vão ser legendados, aparecendo apenas no final da página tal como surgiram inicialmente.

Por enquanto, vou me limitar aos da França a partir de 2008, quando assumiu Nicolas Sarkozy, e da Rússia a partir de 2001, o segundo de Vladimir Putin, já que o primeiro da virada do 2000, feito em conjunto com o demissionário Boris Ieltsin, publiquei no fim do ano passado, devido a sua importância histórica. Futuramente, se encontrar os textos e os respectivos vídeos, posso traduzir também de presidentes anteriores ou mesmo estender minha coleção a outros países.

Com essa iniciativa, recupero uma “pegada” mais histórico-documental, talvez a mais estimada pelo público da página e que era a preferida (depois das canções, acredito, rs) da audiência do finado Pan-Eslavo Brasil. Ocasionalmente, posso interromper a sequência com outros artigos informativos, sobretudo traduzidos, mas vou evitar a publicação de “humor” duvidoso, notas aleatórias e memes de baixa qualidade. Ao final, com a tradução de todos os discursos encontrados, vou lançar a página unificada, pra ficar disponível à consulta de todos os pesquisadores e interessados em história contemporânea.

Desde a primeira posse de Emmanuel Macron, em 2017, os registros no site oficial do Elysée começaram a ficar muito bagunçados, e alguns discursos sumiram, outros ficaram mais difíceis de encontrar, não foi constituído um acervo de vídeos históricos etc. Por isso, fiquei dependente do que pude encontrar pelo Google ou no YouTube. Curiosamente, os europeus pareciam gostar nos anos 2000 muito mais do Dailymotion ou do Vimeo do que do próprio YouTube, portanto, foi muito mais fácil achar os discursos de Sarkozy, como os votos pra 2008, na primeira plataforma. Há também um backup no YouTube, de resolução igualmente baixa. Além disso, até hoje não entendo por que nenhum vídeo do presidente François Hollande foi publicado no YouTube oficial, enquanto o Dailymotion oficial é o mais completo de todos. Além disso, conforme as datas dos vídeos, há um “buraco” no YouTube entre 28 de janeiro de 2011 e 15 (“Ao vivo”) ou 18 (“Vídeos”) de janeiro de 2019...

Dito isso, reitero que o ano de referência sempre vai ser o próximo, ao qual cada presidente está desejando votos, e não o que está acabando, quando o discurso é gravado e lançado. Estou usando o Google Tradutor pra obter os textos mais rapidamente, mas revisando e confrontando manualmente com os originais. Pra França, a fonte desses textos, como é o caso dos votos pra 2008, está sendo um site de informações políticas, econômicas e sociais chamado “Vie publique”, ligado ao gabinete do primeiro-ministro, mas infelizmente pouco divulgado.



Francesas, franceses, meus caros compatriotas,

Neste 31 de dezembro, ao final de um ano tão cheio para nosso país, é com gratidão pela confiança que vocês me demonstraram e consciente dos deveres que ela me impõe que me dirijo a vocês.

Esta noite, tenho um pensamento para cada um de vocês.

Penso em vocês que estão se preparando para celebrar o Ano Novo com a família, com os amigos, esquecendo as preocupações do dia a dia.

Penso em vocês que são obrigados a trabalhar esta noite a serviço dos outros e em vocês, soldados franceses em operações longe de seus lares e que arriscam suas vidas para defender nossos valores.

Penso também em vocês que estão sozinhos e para quem esta noite sem ninguém com quem conversar será uma noite de solidão como todas as outras.

Penso em vocês, a quem a vida pôs à prova e a quem a tristeza ou a dor afastou da celebração.

Quero dirigir a cada um de vocês uma mensagem de esperança, uma mensagem de fé na vida e no futuro. Gostaria de convencer até mesmo aquele que duvida de que a desgraça não é inevitável.

Em meio às alegrias e tristezas que a existência reserva para cada um de nós, podemos, por meio do esforço de todos, construir uma sociedade onde a vida será mais fácil, onde o futuro poderá ser encarado com maior confiança.

Essa é a tarefa que vocês me confiaram ao me elegerem Presidente da República em maio passado. Uma tarefa imensa, considerando o quanto a França ficou atrasada no caminhar do mundo.

Sei quão grande é a expectativa que vocês têm de uma mudança profunda após anos de esforços e sacrifícios que a maioria de vocês sente ter feito em vão.

Sei dos medos que muitos de vocês sentem quanto ao futuro de seus filhos. Sei da angústia que toma conta de vocês quando temem perder o emprego ou receiam que o aumento do custo de vida não lhes permita mais, mesmo trabalhando duro, proporcionar uma vida decente para sua família.

Sei de sua exasperação quando querem empreender ou quando querem trabalhar mais e têm a sensação de que tudo é feito para impedi-los.

Pois bem, nem tudo pode ser resolvido em um dia! Mas acreditem, minha determinação é inabalável. Apesar dos obstáculos, apesar das dificuldades, realizarei tudo o que prometi. Farei tudo simplesmente porque é do interesse da França.

Desde que vocês me escolheram para presidir os destinos de nosso país, eu quis pôr em marcha todo o possível para manter a promessa que lhes fiz de lhes devolver o orgulho de ser franceses, de lhes dar o sentimento de que, em nosso velho país, tudo poderia se tornar possível.

Nos últimos oito meses, com François Fillon e todo o governo, empreendi muitas mudanças profundas.

A quem acha que as coisas não aconteceram rápido o suficiente, quero dizer que fiz tudo o que julguei possível fazer, levando em conta a exigência de diálogo social e negociação. Não acredito na brutalidade como método de governo. Acredito que meu papel é convencer e reunir, e não ofender e dividir. É nisso que tenho me esforçado, com respeito por todos.

A quem acha que a mudança foi muito rápida, quero dizer que não devemos perder de vista o fato de nosso país ter esperado demais e de o tempo estar se esgotando, se quisermos continuar sendo donos de nosso destino.

Eu quis que todos encarassem suas responsabilidades. Tomei as minhas. Posso ter cometido erros. Mas durante oito meses, agi apenas com a preocupação de defender os interesses da França, e não houve um dia em que não repetisse a mim mesmo o compromisso que assumi com cada um de vocês: “Não os enganarei, não os trairei.”

Eu lhes devo a verdade. Sempre a direi a vocês. Não me permitirei nenhuma hipocrisia. Coloquei todo meu coração e toda minha energia em ser o presidente de todos os franceses, e não apenas daqueles que sempre compartilharam minhas convicções. Foi por isso que eu desejava a abertura, foi por isso que eu a fiz isso com homens e mulheres de valor. Eu não pedi que eles se renegassem. Simplesmente lhes propus que servissem a seu país. Eles aceitaram. Sou grato a eles por isso.

É com o mesmo espírito de abertura, com a mesma vontade de cumprir minhas promessas, que abordo este novo ano em que, apesar de uma conjuntura internacional freada pela crise financeira, deverão se fazer sentir os primeiros resultados da ação empreendida.

Estou bem ciente de que ainda há muito por fazer para que as medidas implementadas resultem em melhorias visíveis nas vidas diárias de vocês, assim atendendo a todas as expectativas que vocês expressaram ou restabelecendo à França sua posição e papel no mundo.

Neste final de 2007, está se concluindo uma primeira etapa no caminho da mudança. É a da emergência: emergência em superar as velhas divisões partidárias. Emergência no choque fiscal e social para restaurar a confiança e apoiar a atividade e que permitiu a nossa economia resistir à desaceleração conjuntural melhor do que outras. Emergência no poder de compra. Emergência na autonomia universitária. Emergência em reformar os regimes especiais, em liberar e reabilitar o trabalho. Emergência no serviço básico. Emergência na modernização do Estado, finalmente iniciada, emergência nas reformas esperadas há 20 ou 30 anos. Emergência em que a França sirva de exemplo em questões de meio-ambiente, qualidade de vida e desenvolvimento sustentável. Emergência no tratado simplificado para desbloquear a Europa, a Europa em que nunca deixei de pensar como indispensável. Emergência em que a França volte a falar com todos para poder desempenhar o papel que deve ser o seu a serviço da paz e do equilíbrio do mundo, a serviço dos que sofrem, das crianças e mulheres martirizadas, dos perseguidos, dos que esperam no fundo de suas prisões que a França fale e aja por eles.

Com 2008, começa uma segunda etapa: a de uma política que toca ainda mais no essencial, em nosso modo de ser na sociedade e no mundo, em nossa cultura, em nossa identidade, em nossos valores, em nossa relação com os outros, ou seja, fundamentalmente, em tudo o que forma uma civilização.

Por muito tempo, a política foi reduzida à gestão, permanecendo distante das verdadeiras causas de nossos males, que muitas vezes são mais profundos. Estou convencido de que, nos tempos em que vivemos, precisamos do que chamo de uma política de civilização.

Não resolveremos nada se não construirmos a escola e a cidade do século 21, se não colocarmos no cerne da política a preocupação com a integração, com a diversidade, com a justiça, com os direitos humanos e com o meio-ambiente, se não redescobrirmos o gosto pela aventura e pelo risco, o senso de responsabilidade simultâneo ao de respeito e solidariedade, ou se não nos comprometermos a moralizar o capitalismo financeiro. Não se trata de fazer discursos – tantos desses já feitos –, mas de agir para obter resultados.

Então, que a França mostre o caminho! É o que desde sempre todos os povos do mundo esperam dela.

É o que faremos a partir de 1.º de julho, quando a França assumir a presidência da União Europeia. É o que queremos fazer com a União para o Mediterrâneo, que é um grande sonho de civilização. É o que queremos fazer no mundo todo para devolver a esperança aos que não têm mais nenhuma. É o que, naturalmente, superando nossas dúvidas e angústias, devemos fazer primeiro pela própria França.

Nosso velho mundo precisa de uma nova Renascença. Pois bem, que a França seja a alma dessa Renascença! Esse é meu maior desejo para o próximo ano.

Desejo do fundo do coração que seja um ano de felicidade e sucesso para a França, para cada um de vocês e para todos aqueles que lhes são queridos.

Meus caros compatriotas,

Viva a República! Viva a França!



domingo, 16 de fevereiro de 2025

Tortura ruSSa na Ucrânia ocupada


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ATENÇÃO: Este conteúdo pode ser perturbador a quem tem alta sensibilidade psicológica, sobretudo se a pessoa estiver envolvida com a agressão russa em algum grau. Portanto, recomendo cautela na leitura ou pensar duas vezes antes de seguir em frente!

Esta entrevista, cuja tradução apresento abaixo, foi publicada em 10 de fevereiro de 2025 no site em russo da Voice of America, feita por Víktor Vladímirov com Ievgénia Chírikova, empresária, política e ativista (inicialmente ambiental) russa exilada na Estônia. Sua equipe, cujas redes sociais também recomendo olhar, produziu um filme sobre as torturas infligidas pelos ocupantes russos aos cidadãos ucranianos, todos, sem distinção de idade, gênero ou ligação com o exército. Pior, sobre como essas torturas não são mero “desvio” de militares excepcionalmente doentes, mas uma política sistemática ordenada pelos escalões superiores!

O texto é tão revelador que vou me abster de maiores apresentações, mas ele vem numa semana em que várias outras investigações, em especial uma conduzida pelo Wall Street Journal, dissecaram o sistema de torturas nas “novas regiões” roubadas. Isso porque, quem já lida com Rússia há algum tempo, sabe que o sistema carcerário é muito mais bem estruturado do que o brasileiro, porém, a crueldade sistemática dos agentes não tem paralelo com a dos países capitalistas desenvolvidos. Vamos também imaginar um interlocutor doentiamente anti-EUA que nos diga coisas como: “Mas você usou a Voice of America, do governo ianque, como fonte! Mas os israelenses fazem o mesmo com os palestinos! Mas foi a OTAN quem impeliu Zelensky a começar a guerra!”

Primeiro, quem ataca a fonte devia primeiramente trazer argumentos contrários ao que ela apresenta. Pelo contrário, eles não vêm, e vários outros boatos, entre os quais o “genocídio dos russos” e os “biolaboratórios”, foram desmentidos, e ainda assim são recorrentes entre os pró-Putin. Segundo, ninguém está negando outros crimes contra a humanidade que acontecem ao redor do mundo, mas apenas trazendo especificamente mais um à lista infeliz de exações que não para de crescer. Aliás, é interessante como a pressa em desmentir não passa, na verdade, de uma apologia do crime, mesmo que a pessoa pareça “interessada” em outros conflitos pelo mundo. Afinal, não é uma opressão igual? E terceiro, se a guerra fosse mesmo contra a OTAN, o que justificaria a instalação de um regime de terror contra civis, amplamente documentado, tão ruim ou pior do que o já existente na Rússia? Não seria melhor poupar os esforços pra desbaratar o imperialismo malvadão, cujos agentes parecem estar encarnados em velhinhos aposentados ou profissionais autônomos empobrecidos?...

Em todo caso, se o problema é o “dinheiro” do Cumpade Uoxto (que Trampe e Ilomasque, aliás, os chuchus de Moscou e Pequim, querem cortar de vez), seguem outros links em inglês de agências russas e ucranianas independentes, baseadas em fontes diferentes ou mais ou menos na mesma investigação do WSJ: Babel.ua, Meduza, VOA de novo, FREEDOM, The Moscow Times e Ukrainska pravda. Fica a seu critério persistir ou não na injustificada indignação seletiva...



Após o início da agressão em larga escala desencadeada pelo Kremlin contra a Ucrânia, a direção do Serviço Penitenciário Federal (FSIN) da Federação Russa deu instruções a seus subordinados pra usar tortura e violência contra prisioneiros ucranianos, escreve The Wall Street Journal em sua investigação. Pra isso, a publicação se baseia no depoimento de três ex-funcionários do FSIN que fugiram da Rússia, incluindo um profissional da área médica, que prestou depoimento aos investigadores do Tribunal Penal Internacional.

Em novembro de 2024, a Comissão Internacional Independente de Investigação sobre a Ucrânia publicou um documento alegando que autoridades e militares russos usaram repetidamente e continuam usando a tortura contra militares e civis ucranianos em todas as províncias da Ucrânia que estão ou estiveram sob controle russo.

O fato do terror ser amplamente empregado contra a população local nos territórios ocupados da Ucrânia é conhecido há muito tempo – pelos depoimentos das vítimas e de seus familiares, pelas redes sociais e por informações de organizações de direitos humanos. Cidadãos ucranianos pacíficos são detidos sem qualquer fundamento, meramente por suspeita dos serviços especiais e, às vezes, por denúncias, e enviados a centros de detenção, onde são submetidos a torturas e abusos altamente sensíveis.

De acordo com dados incompletos de ativistas ucranianos de direitos humanos, o número desses prisioneiros ultrapassou sete mil pessoas, mas não é possível estabelecer um número exato. Nas prisões russas eles não têm nenhum direito e praticamente não há informações sobre eles. O destino de muitos é completamente desconhecido. Pessoas desaparecem sem deixar vestígios.

É disso que fala, em particular, o documentário Úzniki (Prisioneiros), lançado pela equipe do projeto Activatica. No dia 13 de fevereiro, o filme vai ser exibido e discutido no parlamento finlandês; em 20 de fevereiro, na prefeitura de Paris; e em 11 de abril, na Universidade George Washington (EUA).

O Serviço Russo da Voz da América conversou com Ievgenia Chirikova, coordenadora do portal Activatica.org, sobre o filme Prisioneiros e o sistema de terror em massa construído pelas autoridades russas nos territórios ocupados da Ucrânia.

Viktor Vladimirov – Os críticos avaliam que Prisioneiros pode ser classificado como um “filme de terror”, mas sem qualquer mistura de ficção. Imagino que ainda não seja o fim?

Ievgenia Chirikova – Sim, continuamos trabalhando sobre o tema dos prisioneiros civis ucranianos e do terror reinante nos territórios da Ucrânia ocupados pela Rússia. Estamos conduzindo investigações, verificando os fatos que chegaram até nós e dos quais se conclui que um verdadeiro sistema de terror contra a população local foi construído nas terras tomadas pelo exército russo. Parece que as forças de segurança estão agindo de acordo com um esquema testado na Chechênia. A tarefa de nossa equipe é fazer um filme como prova. Temos evidências diretas e depoimentos de parentes cujos entes queridos foram sequestrados sob diferentes circunstâncias e são mantidos em centros de detenção sob condições de tortura, ou mesmo foram mortos em execuções extrajudiciais. Também trabalhamos juntamente com ativistas de direitos humanos russos e, naturalmente, ucranianos que estão seriamente se ocupando desse problema.

Vladimirov – Há alguma estatística aproximada que indique a dimensão da tragédia?

Chirikova – São milhares de pessoas. Enquanto produzíamos o primeiro filme Prisioneiros, os ativistas de direitos humanos da Hromadske Svoboda nos deram um número aproximado de sete mil pessoas que naquele momento se encontravam detidas no território da Rússia. E ninguém sabe quantos deles estavam e estão em campos de concentração nos territórios ocupados. Porque a comunidade de direitos humanos, naturalmente, não pode trabalhar lá. Também não se sabe quantas pessoas morreram na prisão, como, por exemplo, aconteceu com uma das protagonistas de nosso filme, Tetiána Plachkóva, que foi sequestrada em Melitópol junto com seu marido Oléh. Estávamos preparando Tetiana pra conversa, mas após ser espancada na prisão, foi levada em coma pro hospital de Melitopol, onde morreu. E não está totalmente claro o que aconteceu com Oleh, que desapareceu sem deixar vestígios. O ucraniano Iván Kozlóv, especialista em TI, foi detido durante a filtragem e torturado a ponto de tentar se suicidar... E a lista é muito longa. Infelizmente, é impossível dar um número exato de prisioneiros civis, mas só se sabe que está crescendo constantemente.

Vladimirov – Nesse contexto, que esperanças estão associadas a um potencial fim da guerra?

Chirikova – Os ativistas de direitos humanos temem que os olhos da comunidade internacional se fechem pro fato que está ocorrendo um verdadeiro terror nos territórios ocupados. Há o perigo de que o cessar-fogo legalize uma situação em que os ucranianos podem continuar sendo torturados e mortos impunemente, enviados à prisão sem qualquer motivo, e processos criminais podem ser forjados contra eles. Basicamente, está ocorrendo atualmente na Ucrânia uma limpeza étnica. Eu chamaria isso de genocídio. Coisas absolutamente monstruosas estão acontecendo lá, então é assustador que tão pouco seja dito sobre isso. Precisamos gritar sobre isso aos quatro ventos!

Vladimirov – E quão familiarizado está o público ocidental com seu filme?

Chirikova – Nós o promovemos na medida do possível. E aqui estou, muito grata a meus companheiros: Irina Vesikko, ativista antiguerra da Finlândia que está organizando o evento, no parlamento finlandês, em que trechos do filme vão ser exibidos; Ólga Prokópieva, da Russie-Libertés, que está organizando a exibição e o debate do filme na prefeitura de Paris; a Polina Sommer, que está exibindo (pela segunda vez já) o filme em Zurique; Lake Misick, ativista americana antiguerra que está preparando uma exibição de Prisioneiros no Instituto Washington. Acreditamos ser muito importante organizar o debate público mais amplo e onipresente possível sobre o filme. E apelo a todos: por favor, nos ajudem com isso, vamos envolver os políticos e outras pessoas nessa questão! Vai ser o primeiro passo pra deter o terror.

Vladimirov – Em sua opinião, qual é a razão do que está acontecendo nas terras ucranianas ocupadas?

Chirikova – Tentamos entender por nós mesmos qual seria a lógica por trás disso. No início pensamos que o regime de Putin queria criar algum tipo de fundo de troca. Só que as forças de segurança não estão apenas capturando pessoas que demonstram algum tipo de atividade, tentam resgatar seus entes queridos ou simplesmente fornecem ajuda voluntária pela entrega de água ou comida. Não, podem ser pessoas comuns cuja casa, por exemplo, chamou a atenção dos militares russos. Há muitas histórias assim. Como resultado, homens, mulheres e até adolescentes inocentes acabam na prisão pelos motivos egoístas de alguém. E entendemos que essa é justamente uma política que se resume a intimidar, “aterrorizar” as pessoas, pra que todos tenham medo e não se exprimam. É uma prática genocida visando escravizar o povo ucraniano. Simplesmente não consigo chamar isso de outro nome. As analogias mais terríveis vêm à mente: a mesma coisa aconteceu na Alemanha nazista e na URSS. É por isso que enxergo a Rússia de Putin como um mal mundial. Não é apenas uma guerra de agressão, mas uma verdadeira guerra da tirania contra o mundo normal. É preciso a interromper imediatamente, o que só sé pode fazer limpando as terras ucranianas dos ocupantes russos. Não há outro jeito. Sob qualquer outra variante de “trégua”, o terror vai continuar.

Vladimirov – Mas algumas pessoas dizem que essa é uma guerra de Putin. Só que não é ele quem tortura as pessoas. De onde saem tantos sádicos que servem aos interesses das autoridades?

Chirikova – Nós também nos fazemos essa pergunta e tentamos entender quem são essas pessoas desumanas que tomam pra si esse tipo de “trabalho”. Torturar pessoas faz parte de sua jornada de trabalho, um dever de ofício entre pausas pro lanche. E não são mil ou dois mil. Porque as torturas em centros de detenção russos já são um sistema com incentivo óbvio de cima. Ao mesmo tempo, campos de concentração especiais estão sendo criados pra ucranianos, onde as condições são simplesmente insuportáveis. O que descobrimos enquanto conduzíamos nossa investigação é assustador até de relatar. As torturas com eletricidade já são rotina. Descobrimos que os carrascos não são quadros especialmente treinados, mas russos [rossiáne] comuns. Eles entram no sistema e gradualmente se tornam parte dele, se transformando em verdadeiros animais. Aliás, na Alemanha eles também tentaram descobrir como os campos de concentração se tornaram possíveis num país altamente civilizado, e de onde vinham os sádicos que aí trabalhavam. Pesquisas mostram que quando a mais comum das pessoas decide trabalhar em tal sistema, ela vai até o fim, se escusando como lhe convém. É assim que funciona a psique humana. Provavelmente muitos se justificam dizendo que estão seguindo ordens e coisas do tipo... Claro, isso não é uma peculiaridade do povo russo, Deus me livre. É uma peculiaridade do sistema, não importa em que país ele seja implantado. E a derrota do regime de Putin é necessária pra acabar com esse pesadelo. Caso contrário, seus capangas vão tomar mais territórios e, garanto, encontrar alguém pra torturar, tanto entre ucranianos quanto entre pessoas de outras nacionalidades.

Vladimirov – Às vezes parece que os carrascos não se importam com quem é a vítima nem com quem eles torturam, seja ela ucraniana ou russa...

Chirikova – Tudo depende da ordem que são dadas. Basicamente, eles vão torturar quem são ordenados a torturar. Ressalto que, obviamente, a situação dos prisioneiros civis ucranianos, bem como a dos prisioneiros de guerra, é simplesmente escandalosa. Pois os prisioneiros russos ainda têm amigos e parentes por perto, a possibilidade de receber assistência jurídica e o direito a alguns pacotes e visitas, enquanto os ucranianos são simplesmente privados de tudo isso. Além disso, muitas vezes eles se encontram em situações em que ninguém sabe nada sobre seu destino. As pessoas simplesmente desaparecem no nada. E isso, reitero, está acontecendo atualmente na Europa.



sábado, 15 de fevereiro de 2025

A interlíngua NÃO É pan-românica!


Endereço curto: fishuk.cc/iala-romanica

Um canal de curiosidades gerais com pouca identificação, mas razoável número de inscritos, publicou este vídeo short no YouTube sobre a interlíngua, e boa parte de seu conteúdo é basicamente a reprodução de um vídeo de Carlos Valcárcel sobre a compreensão imediata do idioma. Como não tenho canal próprio pra comentar, resolvi lhe escrever um e-mail no endereço que é oferecido, e ainda aguardo a resposta. Dado o interesse que as reflexões podem representar, após ter sido inspirado por este outro vídeo dizendo que o verdadeiro idioma pan-românico é o recém-surgido “neolatino”, e não a “interlíngua da IALA”, resolvi reproduzir a carta aqui, com poucas edições.



Após criar o mundo, Thomas Breinstrup tirou essa foto e não a trocou mais!


Meu nome é Erick, sou historiador e membro da União Brasileira Pró-Interlíngua (UBI) desde 2021, embora eu não pertença à atual diretoria. Encontrei por acaso no Google e assisti a seu short de dez meses atrás sobre a interlíngua, a qual você apresenta muito bem e com o merecimento de meus parabéns. Porém, você não forneceu informações adicionais nem na descrição do vídeo, nem no vídeo em si, e vários visitantes fizeram comentários bastante confusos. Ora acharam que era uma “mistura” de idiomas românicos, ora citaram (com justeza) o esperanto, ora justamente disseram que não encontraram material de aprendizado, o que não se justifica, dada a relativa abundância de materiais em diversos idiomas. Desta forma, resolvi lhe mandar esta cartinha para fazer alguns esclarecimentos, mas em meu nome, e não da UBI. E o faço por aqui porque uso o YouTube com meu perfil do Google, e não com um canal, portanto, não consigo deixar comentários por lá.

Em 2000 (mas com mais fôlego a partir de 2002), comecei a aprender esperanto, e em 2009, a interlíngua, ou “interlíngua da IALA”, como se costuma chamá-la, para não confundir com projetos semelhantes ou com o próprio conceito de “interlíngua” dentro das pesquisas em aprendizagem de idiomas. Agradeço por ter divulgado o trecho de um dos vídeos de nosso amigo Carlos Valcárcel, professor universitário galego e um dos maiores propagandistas atuais da interlíngua! Devido a sua facilidade e à ampla disponibilidade de material, aprendi ambos os idiomas sozinhos... Tais idiomas, por terem sido concebidos segundo um plano determinado, embora possam ocasionalmente evoluir em alguns aspectos, costumam ser chamados “auxlangs“ ou “conlangs“.

O primeiro termo se refere especificamente a idiomas como o esperanto e a interlíngua (ou o volapuque do século 19), que em tese seriam “línguas auxiliares” com o objetivo de facilitar a comunicação internacional sem o intermédio do idioma de um país específico. O segundo se refere apenas à natureza “construída”, independentemente de seu objetivo, como as línguas élficas e o klingon, usados em filmes de ficção. Não gostamos do termo “língua artificial”, muito usado até a década de 2000, porque mesmo nas atuais línguas “naturais” há elementos “artificiais”, criados deliberadamente por elites literárias e acadêmicas. O próprio hebraico moderno, cuja versão antiga era limitada à atividade religiosa, foi “reconstruído” para ser usado como idioma do movimento sionista e, mais tarde, do Estado de Israel.

Além disso, dado que seus criadores um dia saem de cena, as “auxlangs” também criam “vida própria” nas mãos de seus usuários, como é o caso do esperanto, que em quase 130 anos de existência incorporou novas palavras da modernidade. Assim, tanto a UEA (Associação Universal de Esperanto) e, em menor grau, a UMI (União Mundial Pro Interlingua) têm institutos que zelam pela manutenção de alguma unidade linguística e pela incorporação disciplinada de vocabulário novo.

Finalmente, ao contrário do que pensaram alguns internautas, a interlíngua não é nem foi designada para ser uma espécie de “idioma pan-românico”. Tais idiomas são chamados geralmente de “auxlangs zonais” e costumam ser muito mais rigorosos quanto à representatividade de todos os idiomas de um ramo, ou ao menos dos mais representativos, favorecendo, sobretudo, a compreensão imediata em detrimento do aprendizado rápido (o inverso do esperanto). No caso das românicas, já existe o neolatino, embora ainda seja pouco divulgado, e entre as línguas eslavas, o intereslavo já está em processo mais acelerado de codificação e difusão. A interlíngua foi concebida como uma espécie de “língua internacional” da cultura, da ciência e da diplomacia, por isso, tirando seus elementos das línguas nacionais mais utilizadas no Ocidente, e não criando muitos elementos ao acaso (que é o caso do esperanto).

Lembremos que no início da década de 1950, o conceito de “internacional” se limitava às Américas, à Europa Ocidental e alguns pontos ao redor do mundo bastante europeizados. Mesmo assim, se levarmos em conta que, de fato, poucas pessoas de uma comunidade realmente têm contatos internacionais, e que tanto o inglês quanto o espanhol e o francês são extremamente difundidos no mundo todo, a interlíngua ainda tem grande utilidade. Hoje, nem nós acreditamos que “apenas um idioma”, seja nacional ou construído, possa ser a “única língua universal” que transponha a barreira da incompreensão; preferimos pensar em meios que, por exemplo, poupem recursos com tradução e possam estar à livre disposição de qualquer um que se interesse numa “introdução geral” às línguas euro-ocidentais.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Oliver Stuenkel apoia a Ucrânia


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Na maior “cara de pau” (rs), reproduzo aqui uma excelente análise, embora bem panorâmica, que Oliver Stuenkel, especialista teuto-brasileiro em relações internacionais, publicou hoje em seu Instagram sobre a secular política colonialista e racista da Rússia pra com a Ucrânia. Agradeço a meu amigo Gustavo Firmino, que me enviou essa pérola, e aproveito pra fazer um jabá de seu blog de psicologia, Psi da massa, todo dia atualizado com maravilhosas reflexões! Como nada do que cai aqui fica intocado, revi as transliterações (a mais óbvia sendo “Kiev”!), aboli algarismos romanos e fiz poucos adendos. Relembro apenas que, embora o “Holodómor” tenha atingido particularmente a Ucrânia, a fome causada pela coletivização irracional e idiota atingiu toda a URSS no início da década de 1930. Mesmo assim, subscrevo suas observações, e fico feliz com essa lufada de ar fresco no meio de tanto “acadêmico” apoiando o Cabeça de Rola... Se possível, riamos também das kremlinetes se estrebuchando de raiva sem terem entendido o texto:


Ocasionalmente, ouço pessoas defenderem a ideia de que os ucranianos deveriam simplesmente ter aceitado o desejo da Rússia de controlá-los, em vez de resistirem militarmente à invasão, evitando assim a morte de dezenas de milhares de soldados e civis. Esse argumento ignora o fato de que a invasão russa não é apenas uma tentativa de impedir que Kyiv fortaleça seus laços com o Ocidente, mas sim a continuação de séculos de esforços para “russificar” a sociedade ucraniana, suprimir sua língua, cultura e identidade e deslegitimar a existência da Ucrânia como país soberano.

Desde o século 17, Moscou tentou enfraquecer a identidade ucraniana. Em 1720, Pedro 1.º, o Grande, proibiu a impressão de livros em ucraniano. Em 1863, o Decreto [ukáz] de Valúiev restringiu publicações em ucraniano, afirmando que a língua “nunca existiu e nunca existirá”. Em 1876, o Decreto [também um ukaz] de Ems proibiu a importação e publicação de livros em ucraniano e a realização de peças teatrais nesse idioma. Durante o regime soviético, a repressão continuou com a limpeza étnica do Holodómor (1932-33) e a perseguição à intelligentsia ucraniana, conhecida como “Renascença Executada”.

Como Putin disse em 2008 a Bush: “Você não entende, George, a Ucrânia sequer é um país.”

Para a Ucrânia, por outro lado, a guerra é apenas mais uma tentativa de suprimir sua busca por autonomia, uma luta entre império e colônia.

A invasão de 2022 russa teve o efeito contrário ao desejado por Moscou: em vez de enfraquecer a identidade nacional ucraniana, reforçou-a significativamente, assim como o ressentimento contra a Rússia, tornando qualquer tentativa russa de dominação ainda mais difícil e custosa a longo prazo. Mesmo que ocupasse a Ucrânia neste instante, a Rússia enfrentaria um problema recorrente na história dos impérios: o controle de povos resistentes à dominação estrangeira é custoso e, em muitos casos, insustentável.

Essa consequência é reforçada pelas violações sistemáticas de direitos humanos em áreas ucranianas ocupadas pela Rússia. Cargos políticos-chave são reservados para russos, a língua ucraniana é banida e há repressão generalizada contra qualquer forma de resistência cultural ou política. [Adiciono que todo o dito neste parágrafo está amplamente documentado, mas nem nossa mídia liberal sabão em pó divulga, tanto as violações de direitos humanos quanto a supressão da língua ucraniana; já que, como sabemos, nas “áreas russas” não só o russo era/é falado, assim como Kyiv sempre foi/tinha sido uma cidade bilíngue.]


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Abdel Halim Hafez – Sora, sora (final)


Endereço curto: fishuk.cc/sorasora


Esta montagem, publicada por um usuário anônimo do YouTube e intitulada “A Tribute to Gamal Abdel Nasser”, foi um dos primeiros vídeos que, ainda como jovem graduando em História, consegui encontrar na plataforma sobre o presidente do Egito de 1956, quando ele deu um golpe de Estado no antecessor, a 1970, quando faleceu. Pra nossos padrões, Nasser foi praticamente um ditador, mas é difícil conceber outra forma de governo naquela época, naquele lugar e naquelas circunstâncias, tanto mais que até hoje o povo o considera como herói, apesar de sua brutalidade com a oposição (não muito diferente, aliás, da exercida pelo atual presidente Sissi). Durante o breve período de 1958 a 1961, o Egito e a Síria compuseram a chamada República Árabe Unida, dissolvida com um golpe de Estado em Damasco. O Egito manteve o nome e sigla “R.A.U.” até 1971, quando Anwar al-Sadat, sucessor de Nasser, retomou o antigo nome, e por isso, em livros antigos, ainda vemos esse nome ou os dois: “Egito (R.A.U.)”.

Por anos, tentei descobrir de que música se tratava no começo e no final do vídeo, mas só há alguns meses, com o avanço dos recursos do YouTube, observei que o áudio foi vinculado a alguma faixa musical. Trata-se da canção Sora, sora (صورة، صورة), ou Um retrato, um retrato (abaixo, traduzi como “foto”), interpretada pelo célebre músico egípcio Abdel Halim Hafez, apelidado carinhosamente de “Rouxinol Moreno”, e composta em 1966 pelo poeta Salah Jahin (letra) e pelo compositor Kamal al-Tawil (melodia). Transliterações são sempre arbitrárias, mas o “s” de sora (ص) tem uma pronúncia chamada “enfática”, em que a língua também recua consideravelmente dentro da cavidade bucal. Em tese, consoantes com as mesmas características não existem nas línguas europeias (nem mesmo em maltês, uma língua semítica), por isso, é convenção geral colocar um ponto embaixo das letras. Porém, pra não entupir este texto de informação gráfica, apenas transcrevi o “u” original como “o”, que é a pronúncia que ele geralmente toma junto dessas consoantes.

Pro padrão da cultura de massas ocidental, as “canções” de Hafez são longuíssimas, algumas durando sete ou 15 minutos, meia hora ou até mais. De fato, na verdade são verdadeiras peças com orquestra, e por isso são muito bonitas em geral. Também famoso como ator, Hafez (1929-1977) apoiava o regime socializante e pró-URSS de Nasser e compôs e cantou muitas músicas em louvor ao líder e a seus feitos, na mesma trilha da artista Umm Kulthum (1898-1975), sobre quem tanto a NPR (em inglês) quanto a RFI (em francês) recentemente lançaram podcasts. Por isso, além do “culto à personalidade”, muitas letras exalam metáforas e enredos bem bobos. Sora, sora começa: “Todos nós queremos um retrato do povo feliz sob a bandeira vitoriosa.” O “retrato fotografado pelo tempo” traz uma nova imagem (outra tradução possível de sora) do Egito e de seu povo após a “revolução” de 1952 (na verdade, um golpe militar que derrubou o monarca), especialmente dos novos líderes que teriam saído diretamente do seio do povo.

Sora, sora, na verdade, tem passagens com diversos ritmos e arranjos, e a que selecionei é minha preferida, por ter sido usada na referida montagem antiga do YouTube. Por isso, só traduzi o trecho concernente da letra e também cortei a última repetição do refrão. Curiosamente, tempos depois de eu fazer a seleção, tanto o áudio quanto o clipe oficiais foram removidos da plataforma, mesmo após muitos anos no ar. Por isso, o material abaixo atualmente é uma raridade! Segundo o verbete em árabe padrão sobre a canção, o qual traduzi usando o Google, Hafez apresentaria todo mês de julho, a partir de 1961, pelo menos uma canção patriótica comemorando o dia da “revolução” e geralmente aludindo aos princípios socialistas iniciais. Porém, vendo que o regime estava cada vez mais se degenerando em burocratismo e corrupção, o povo começou a enjoar da ideologia, e o próprio “socialismo” não é mencionado em Sora, sora. O próprio músico al-Tawil contaria, anos depois, que fez a melodia de mau humor, pois teria sido impedido de viajar antes que completasse a encomenda.

Na festa do 23 de Julho em 1966, Hafez estreou Sora, sora e interpretou mais duas canções românticas, mas aquela seria a última de tom patriótico que apresentaria em feriados da “revolução”, já que a derrota na Guerra dos Seis Dias (1967) impediria a realização de concertos semelhantes. Após a morte de Nasser, a própria canção caiu na obscuridade e chegou a ser censurada, já que seu nome é aí mencionado várias vezes (vai entender esses militares, né). Em 2002, nos 50 anos da “revolução”, a TV egípcia voltou a transmitir Sora, sora (a Wikipédia não menciona se se trata do clipe), mas tendo cortado a parte que menciona Nasser. E a única que o menciona é exatamente a que prefiro e que trouxe aqui traduzida... Curiosamente, a Wikipédia em árabe egípcio traz apenas os nomes do cantor e dos compositores, além da letra completa (ausente na versão padrão), que inclui o típico uso local de “ى” final sem pontos (idêntico ao chamado “alif maqsora”) no lugar do “ي” (y) padrão. Recoloquei este último onde fosse necessário.

Como texto-base, usei o dado na Wikipédia em árabe egípcio e joguei no Google Tradutor, tendo confrontado o resultado com uma tradução em inglês que achei, atribuída a um perfil assinado apenas como Farah. Quando necessário, procurei palavras isoladas no Wiktionary ou traduzi no próprio Google mesmo, chegando a um resultado que pode não estar literal, mas parece “soar melhor” em português, embora meu árabe ainda seja incipiente. Não procurei evitar as repetições ao trazer as duas letras: muito pelo contrário, diferente do que acontece nas transcrições, sempre reescrevi os versos repetidos ou indiquei quando isso acontecia.

Tenho muito orgulho desta publicação, porque ela fecha um grande ciclo que começou lá em 2007, quando eu mal sabia mexer no YouTube e o Pan-Eslavo Brasil só apareceria em 2010, e chega até aqui, com um mundo de inovações tecnológicas tornando o conhecimento sempre mais acessível. Dedico a você:




2x:
Juro por Deus, estamos tão bonitos
Meus caros, digo do fundo do coração
Juro por Deus, estamos tão bonitos
Meus caros, digo do fundo do coração
Nossa revolução é nossa foto, como é bonita
Nossa revolução é nossa foto, como é bonita
Na moldura da organização popular

Nasser, estamos todos a seu redor
Nasser, Nasser, Nasser
Nossos olhos estão todos sobre nele
Nasser, Nasser, Nasser
A vitória o persegue
Nasser, Nasser, Nasser
O povo é seu guia e inspiração
Nasser, estamos todos a seu redor
Nasser, Nasser, Nasser
Nossos olhos estão todos sobre nele
Nasser, Nasser, Nasser
A vitória o persegue
Nasser, Nasser, Nasser
O povo é seu guia e inspiração
Aproximem-se de seus pensamentos e sonhos
Se vocês vivem falando mal dele
Aproximem-se de seus pensamentos e sonhos
Se vocês vivem falando mal dele
Na foto, o discípulo está na frente dele
Líderes vindos do povo, o que vocês disseram?

Nasser, estamos todos a seu redor
Nasser, Nasser, Nasser
Nossos olhos estão todos sobre ele
Nasser, Nasser, Nasser
A vitória o persegue
Nasser, Nasser, Nasser
O povo é seu guia e inspiração
Aproximem-se de seus pensamentos e sonhos
Vocês que vivem falando mal dele
Aproximem-se de seus pensamentos e sonhos
Vocês que vivem falando mal dele
Na foto, o discípulo está na frente dele
Líderes vindos do povo, o que vocês disseram?

Dissemos: Ó, líder, aqui estão nossos corações
Aqui estão nossos dias e nossas noites
Dissemos: Ó, líder, aqui estão nossos corações
Aqui estão nossos dias e nossas noites
No dia do sangue, nós demos sangue
Por que deveríamos poupar nossas noites?
No dia do sangue, nós demos sangue
Por que deveríamos poupar nossas noites?
Dissemos: Ó, líder, aqui estão nossos corações
Aqui estão nossos dias e nossas noites
No dia do sangue, nós demos sangue
Por que deveríamos poupar nossas noites?

4x:
Agora a foto está completa
Com os pioneiros de mãos dadas com Nasser

3x:
O povo e sua pátria, o povo e sua pátria
Seu tempo e seu trabalho, seu tempo e seu trabalho
Sua esperança e seu herói, o mais corajoso

Tire uma foto, ó, tempo
Tire uma foto, ó, tempo
Tire uma foto, ó, tempo

____________________

2x:
حلوين قوي كده وحياه ربي
يا حبايبى بقولها من قلبي
حلوين قوي كده وحياه ربي
يا حبايبى بقولها من قلبي
ثورتنا صورتنا ومااحلاها
ثورتنا صورتنا ومااحلاها
في اطار التنظيم الشـعبي

ناصر واحنا كلنا حواليه
ناصر ناصر ناصر
وعيونا الدنيا عليه
ناصر ناصر ناصر
والنصر بيسعي اليه
ناصر ناصر ناصر
والشعب دليله والهامه
ناصر واحنا كلنا حواليه
ناصر ناصر ناصر
وعيونا الدنيا عليه
ناصر ناصر ناصر
والنصر بيسعي اليه
ناصر ناصر ناصر
والشعب دليله والهامه
قربوا من فكره واحلامه
ياللي عليكم كل كلامه
قربوا من فكره واحلامه
ياللي عليكم كل كلامه
في الصورة طالبكم قدامه
قيادات شعبية قلتم ايه؟

ناصر واحنا كلنا حواليه
ناصر ناصر ناصر
وعيونا الدنيا عليه
ناصر ناصر ناصر
والنصر بيسعي اليه
ناصر ناصر ناصر
والشعب دليله والهامه
قربوا من فكره واحلامه
ياللي عليكم كل كلامه
قربوا من فكره واحلامه
ياللي عليكم كل كلامه
في الصورة طالبكم قدامه
قيادات شعبية قلتم ايه؟

قلنا يا زعمنا قلوبنا اهي
ايامنا اهى ليالينا اهي
قلنا يا زعمنا قلوبنا اهي
ايامنا اهى ليالينا اهي
في يوم الدم، وهبنا الدم
هنبخل بالليالي ليه؟
في يوم الدم، وهبنا الدم
هنبخل بالليالي ليه؟
قلنا يا زعمنا قلوبنا اهي
ايامنا اهى ليالينا اهي
في يوم الدم، وهبنا الدم
هنبخل بالليالي ليه؟

4x:
والصورة اكتملت بالرواد
مع ناصر وايدهم في ايديه

3x:
الشعب ووطنه، الشعب ووطنه
وزمنه وعمله، وزمنه وعمله
وامله بطله ابو الشجعان

صور يا زمان
صور يا زمان
صور يا زمان



sábado, 8 de fevereiro de 2025

Os caçadores de pepecas ruSSas


Endereço curto: fishuk.cc/pepeca-ru


O cartaz da época da 2.ª Guerra Mundial acima, que representa a confraternização entre um camponês ucraniano e um soldado do Exército Vermelho (também há originalmente acima deles uma frase de Stalin traduzida pro ucraniano...), geralmente é interpretado pela mauvadêsa ossidentau como “algo a mais”, por assim dizer. Dessa forma, ele foi meu suporte ideal pra que eu pudesse fazer um trocadilho com o Z comumente usado pelos defensores da agressão putinista à Ucrânia e uma frase popular que reza: “Odín raz, ne pidorás” (literalmente, “Uma vez, não (é) veado” – os termos nas duas línguas são pejorativos). Se refere ao (suposto) fato de que, se vocêfoi “sodomizado” só uma vez, não significa necessariamente que você seja homossexual. Infelizmente, a fita de São Jorge da resistência antinazista foi deturpada com esse fim, mas mesmo assim coloquei também na última palavra, já que no final de ambas o som é o mesmo...

Também é uma forma de criticar aqueles que, embora cultivando a memória da “Grande Guerra Patriótica” (e esquecendo os crimes internos e externos de Stalin de 1939 a 1941), legitimam a invasão em curso, ignoram os efeitos sobre a própria sociedade russa e adotam uma visão de mundo retrógada e reacionária que faria inveja a qualquer fascista da década de 1930. Curioso que muitos “escravocetas” bananeiros tenham essa imagem idealizada da Rússia, não somente das mulheres “loiras, perfeitas e parecendo modelos”, mas também comprem essa visão parcial e idealizada da história e esqueçam os outros povos não eslavos que lá vivem, sobretudo na Sibéria e no Cáucaso. Quem me acompanha desde o Pan-Eslavo Brasil sabe que sempre tentei resgatar os tártaros, chechenos, circassianos etc., tão dignos de serem conhecidos quanto os “rússkie” eslavos. Mais curioso ainda: os “ruscistas” (fascistas russos) gostam de pôr em relevo essa “diversidade de povos” e o “respeito” à mesma diversidade, mas quando acontece alguma coisa envolvendo imigrantes, os inocentes entre estes são os primeiros a apanhar, e os “ruscistas”, os primeiros a bater.

Esses dias tenho mexido um pouco no aplicativo Tandem, pra achar parceiros de prática de idiomas ao redor do mundo. Claro, há vários recursos acessíveis apenas a assinantes (mas há uma semana de teste grátis no começo pra “fazer a festa”!), mas apesar das limitações, na verdade poucas, da conta gratuita, recomendo seu uso. E, sobretudo, se você tiver tempo, ao contrário de mim, de ficar de papo furado na internet com gente desconhecida, desta vez pelo menos com a vantagem de usar outras línguas e conhecer outras culturas, rs. Já usei várias vezes e apaguei a conta por falta de paciência, portanto, não sei até onde vai durar a minha atual. Mesmo assim, com o acesso ao Premium, já fiz alguns experimentos sociológicos interessantes, como colocar o russo como língua materna, o português como língua de aprendizado e ver o que aparecia nas recomendações. Me deparei com esta conta, que desidentifiquei por razões óbvias, mas que comprova a tendência supracitada: a de normalizar qualquer contato com a Rússia num momento em que, além de um genocídio, um culturicídio e, certamente, um ecocídio (barragem de Nova Kakhóvka...), ela está dilapidando sua própria integridade como Estado funcional – a “deliquescência”, no jargão especializado.

Muitos me acusariam de “russofobia”, porque o interesse do rapaz (ele ia levar a família toda?...) seria apenas “na cultura russa”, e não no “regime” ou na “ditadura”. Olha, sinceramente, alguém que está totalmente por fora do caos que a governança moscovita se tornou, e que mesmo assim deseja viver num país que claramente provocou uma guerra não justificável por qualquer outra birra pra com o Ossidentx Mauvadaum, ou é muito burro, ou é cúmplice do putinismo. Ora, cultura russa, excetuada a internet, você encontra em muito lugar com diáspora, não precisa ir se lascar num país empobrecido e que sequer tá recebendo bem estrangeiros, nem mesmo os da Ásia Central.

Grazadeus, não brigo nas redes há anos, mas confesso que umas semanas atrás quase tive uma altercação com um senhor (não especialista, claro, e sob efeito de vinho) de meu bairro, porque estávamos conversando sobre as histórias da URSS e do “começo” da Rússia. Ele começou a defender a agressão militar falando de “neonazismo, OTAN, mísseis apontados” e toda a célebre lorota. Eu fiquei bem perturbado quando percebi que ele tava realmente convencido do que falava, e por isso parei a conversa, e mantivemos nossa relação cordial. Quando expus parte de minha opinião (gente, assisto a TVs russas ou belarussas exiladas todo santo dia!), ele falou que eu não devia ser tão “extremista”, embora eu não saiba por que defender um país agredido seria “extremismo”, apenas porque em tese (e por enquanto!) ele se encontra na órbita de influência dos EUA. O único extremista nesta história é o espião frustrado Vladímir Vladímirovich e toda a cambada de torturadores e ladrões que o rodeia!

Esse que quer viver na Rússia, sinceramente espero que obtenha a nacionalidade o mais rapidamente possível, seja astutamente embrulhado num enrosco qualquer que o obrigue a participar da “operação especial” bem na linha de frente e seja honrado eternamente como um defensor da Pátria na lista dos que viraram adubo de viburno...



Em compensação, também encontrei uma acadêmica ucraniana (que estava sob pseudônimo), ainda residente no próprio país e com uma visão bastante reveladora dos machos que usavam o Tandem e, sobretudo, escolhiam o russo como uma das línguas de aprendizado. Segue abaixo a parte principal de nosso diálogo, trazida sem a autorização dela e, portanto, sem identificação fácil de encontrar. Deixo a vocês a tradução, e apenas contextualizo que no início, perguntei sobre o que ela queria conversar, e que quando ela fala em “disputes”, se refere às brigas que acaba tendo com os tipos:




terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A mãe do caçula de Lukashenka


Endereço curto: fishuk.cc/abelskaia

Certa vez, brinquei com uma amiga belarussa chamando Aliaksandr Lukashenka de “bátska” (algo como “papai”, “painho”, equivalente ao russo “bátko”), que é como o gado dele, seus apoiadores e a propaganda oficial em Belarus o chamam. Ela me respondeu rispidamente, sem perder o afeto: “Ninguém o chama de batska, afinal ele não é pai de ninguém. Aqui, nós o chamamos de dyktátar mesmo.” Sim, “ditador”, como ele mesmo várias vezes assumiu descaradamente ser.

E como todo ditador, incluindo Putin, sua vida privada, especialmente a familiar, é mantida no mais rígido sigilo, sem a preocupação de passar a imagem de “família nuclear cristã tradicional” (embora, ao contrário da Rússia, a religião não seja necessariamente uma coluna da ditadura de Lukashenka) que eles tentam impor ao vulgo. E também como todo ditador, incluindo novamente Putin, e mais uma vez em contraste com a rigidez moral que se pretende passar, as puladas de cerca são recorrentes, sem a mínima necessidade de prestar contas às esposas oficiais.

Caso você não saiba, foi descoberta uma suposta filha do inquilino do Kremlin nascida em 2003, Elizavéta (Liza) Krivonógikh, do sobrenome da mãe, Svetlána, ex-faxineira, formada em Economia e acionista do banco Rossía, não por acaso, administrado por um amigo de Putin. Também conhecida nas redes como Luíza Rózova, estaria vivendo em Paris sob o nome Elizaveta Rudnóva, sobrenome emprestado a mais um próximo do ditador, já falecido. A semelhança visual com o jovem de cara lambida espantou a todos, mas quando sua possível paternidade se tornou pública, ela começou a esconder o rosto, apagar as fotos da cara e, enfim, fechou os perfis. Tire você mesmo as conclusões sobre ambas...






No caso de Lukashenka, a coisa é mais complexa. Oficialmente, ele se casou com a pedagoga Halína Zhauniaróvich (nome de solteira) em 1975 e ela ocupa, portanto, o cargo de primeira-dama de Belarus. Seus dois filhos, Víktar e Dzmítry, têm alguma relação direta ou indireta com a política estatal, sendo Víktar, por exemplo, acusado de colaborar na cruenta repressão às manifestações de 2020. Porém, desde 1994 (ou seja, quando o ditador foi democraticamente eleito e tomou posse), e apesar de jamais se ter anunciado publicamente o divórcio, eles não vivem juntos, e também juntos quase não são vistos em eventos públicos, preferindo o ditador participar deles como se fosse solteiro. Assim como o suserano do Leste...

Porém, há muitos anos, Lukashenka aparece acompanhado de um menino loiro e elegante, posando como “filho”, e atualmente ele está muito alto e bastante atlético, embora também seja discreto nas redes sociais e praticamente não dê entrevistas. Trata-se de Mikalái Lukashenka (em russo, seria “Nikolái”, por isso também é chamado de “Kólia”), nascido em 2004 de uma suposta relação extraconjugal com Irýna Abélskaia, pediatra, endocrinóloga e sua ex-médica pessoal (pensou na semelhança com algum Gaddafi?...) que tinha assumido o posto em 1994. Ela também raramente aparece ao lado de qualquer um dos varões, embora leve igualmente uma vida de luxo, tal como a “oficial” do ditador e a ex de Putin.

Segue abaixo a tradução de três fontes, as quais misturei e privei de repetições, sobre a biografia de Abelskaia, o “aparecimento” de Mikalai e sua relação com Lukashenka, a começar pela própria Wikipédia em russo. Também me vali de um artigo assinado por Anna Konakova pro portal 24SMI e de um artigo (versão em russo) assinado por Katsiaryna Hardzeieva pro portal belarusso de oposição Nasha Niva. Quando achei importante, também adicionei precisões por conta própria, e sempre que possível, transliterei os nomes próprios conforme sua versão em belarusso, e não em russo.



Num dos perfis ativos de Mikalai, esta última atualização antiga na comemoração do Dia da Vitória contra os nazistas recebeu um comentário mais ou menos recente: “O filho é digno do pai e da mãe que tem.” Outro, cujo nome de usuário curiosamente significa em belarusso “A ditadura vai ruir”, responde: “As p*tas vão parar na cadeia.”


De nome completo Irýna Stsiapánauna Abélskaia, nasceu em Brest em 6 de setembro de 1965. Com doutorado em Medicina, de 2001 a 2007, e novamente desde 2009, é médica-chefe do Centro Médico Republicano da Administração Presidencial da República de Belarus. Sua nomeação aos 36 anos pro cargo foi considerada fulgurante, pois esse centro, desde os tempos soviéticos, tratava tradicionalmente de altos funcionários, políticos, artistas, atores e cientistas. Sua mãe, Liudmýla Postoiálko, nascida na província ucraniana de Poltava, foi ministra da Saúde de Belarus de 2002 a 2005, e sua fulgurante ascensão é atribuída por muitos justamente à carreira da filha. No final de 2005, Postoialko deixou o ministério por estar gravemente doente com câncer, mas curiosamente manteve a cadeira no Conselho da República, câmara alta do parlamento, até sua morte, em 2007. Não surpreende que Abelskaia seria eleita pro mesmo conselho em 2024: seus membros são escolhidos indiretamente pelos órgãos locais ou, numa cota de oito membros, nomeados diretamente pelo presidente.

De 1994 a 2001, Abelskaia trabalhou como médica no hospital da direção central de um dos complexos médicos da administração presidencial e, ao mesmo tempo, como médica pessoal de Lukashenka. Com o estabelecimento do cargo de preisdente de Belarus, que substituía o de presidente do antigo Soviete Supremo, decidiram também lhe guarnecer de um médico pessoal, e a Administração Presidencial decidiu (sabe-se lá por que critérios) que o perfil ideal pro cargo seria uma mulher divorciada, mas sem companheiro, com cerca de 30 anos, boa aparência (!) e mãe de uma criança, de preferência menino. Após busca em todas as clínicas da capital Minsk, a escolha recaiu sobre Abelskaia. No outono de 1994, ela foi transferida com urgência pra trabalhar na comissão médica e foi designada pra equipe do departamento de endocrinologia como médica de categoria superior. Ela quase nunca aparecia na clínica, mas desde então começou a acompanhar sempre o futuro ditador por todo lado.

Abelskaia era frequentemente vista ao lado de Lukashenka, mesmo durante viagens internacionais, e aos poucos começou a ser considerada uma das mulheres mais próximas dele. Assim, o administrador da Presidência de Belarus, Iván Tsitsiankóu, embora formalmente superior à médica, recordou que “transmitia através de Irýna Stsiapánauna” as demandas feitas ao presidente. Que ela era responsável não só pela saúde do ditador ficou claro durante sua primeira e única visita oficial à França, em 1996. Violando todos os cânones diplomáticos, Lukashenka ordenou que o ministro do Exterior belarusso fosse tirado de seu quarto pra que Abelskaia se deslocasse pra lá: o quarto ficava ao lado do quarto do próprio Lukashenka. Depois disso, ninguém ficou surpreso quando soube que ela tinha se mudado pra residência presidencial em Drazdý, distrito de elite em Minsk onde vivem funcionários do governo e pessoas intimamente ligadas ao ditador.

Enquanto estava na faculdade, Abelskaia conheceu seu futuro marido, Iauhén Abélski. Logo depois, se casaram e tiveram o filho Dzmitry Abelski. No entanto, logo se divorciaram e sozinha ela criou o filho, que se tornaria oftalmologista. Abelskaia é dona de uma villa em Drazdý. Quanto à religião, ela se declara ortodoxa praticante. Quem a conheceu pessoalmente, afirma que ela permaneceu uma pessoa modesta e tranquila, pra alguém que ascendeu à Administração Presidencial de Belarus.

Em 31 de agosto de 2004, ela teve outro filho, Mikalai: segundo a mídia independente, trata-se do segundo filho ilegítimo de Lukashenka (ver abaixo sobre o primeiro). Os boatos surgiram no final dos anos 2000, até que o ditador apareceu pela primeira vez em público com o menino em abril de 2008, quando ele tinha 3 anos e 7 meses. Lukashenka logo confirmaria que sim, Kolia era seu filho, mas não revelou o nome da mãe, dizendo apenas que trabalhava como médica. Isso deu motivos pra pensar que Abelskaia tinha dado à luz o herdeiro mais jovem do ditador, mas nada jamais foi oficialmente confirmado. Mikalai aparece em eventos com o pai, mas não há fotos do jovem junto com a suposta mãe em fontes oficiais.

Agora um pouco de “trivia”, rs. Pra manter a forma, Abelskaia abriu mão de farinha e doces, além de batatas, o que é considerado impensável pra uma representante da nacionalidade belarussa. Todos os dias, acorda às 5h30min e começa o dia com uma caminhada na companhia de seu cachorro. Ela tenta caminhar pelo menos 5 km e, quando tem tempo livre, anda de bicicleta.


  

Infelizmente, como revelou a agência Nexta em abril de 2021, toda essa história também tem um lado triste. Lukashenka e Abelskaia teriam outro filho juntos, mais velho do que Mikalai, mas cujo destino seria totalmente desconhecido do público. Segundo a Nexta, teria sido registrado como Matséi (Matvéi, em russo) Postoiálko, nascido em 30 de novembro de 2002, e sofreria de autismo, retardo mental e microtia (subdesenvolvimento do ouvido externo). Ele foi registrado com o sobrenome de solteira de sua mãe porque o “casal” temia que uma criança deficiente prejudicasse a carreira política de seu pai.

Na época da primeira foto, revelada apenas muitos anos depois, Matsei tinha 10 ou 11 anos, e a segunda foto consegui localizar numa espécie de base de dados russa, não tendo relação, portanto, com a Nexta. Depois, nenhuma outra foto do menino jamais apareceu em qualquer veículo ou plataforma.

Vejam só, aquele que é chamado de “batska” pela propaganda abandonou um filho inválido! Matsei vive atualmente no internato psiconeurológico pra idosos e deficientes n.º 2 na rua Vaupshásava, em Minsk, mas nada faltaria pra seu cuidado, tratamento e alimentação. Porém, quando Lukashenka soube da gravidez de Mikalai, teria chegado a entrar em altercação com Abelskaia, pois tinha medo que o mesmo fenômeno se repetisse. Por isso mesmo, dizem, ele teria demorado anos pra mostrar Kolia ao público, esperando que não demonstrasse problemas em seu desenvolvimento...


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Redes sociais manipulam opinião?


Endereço curto: fishuk.cc/rede-manipula


A imagem acima não é manipulada: eu mesmo encontrei em fontes diferentes e coloquei lado a lado Donald Trump e Saddam Hussein, duas mentalidades autoritárias, segurando um sabre em posição erguida. Sim, Trump fez isso no dia da posse, e quando o inacreditável vídeo apareceu num programa francês, foi a primeira coisa que pensei, e curiosamente um dos participantes teve a mesma ideia. A tradução que fiz desta entrevista em francês foi o ensejo pra que eu pudesse publicar as duas fotos lado a lado.

A entrevista foi publicada no portal da RFI em 17 de janeiro de 2025, como parte do programa Por que a RFI está falando isso?, apresentada pela jornalista Juliette Rengeval, que conversou com Steven Jambot, repórter de mídias digitais da mesma emissora. Eles abordam a sobrevivência dos grandes veículos de informação numa época em que as pessoas parecem só se informar nas redes sociais, geralmente com conteúdo produzido de qualquer jeito e por pessoas não especializadas. Dada a importância do conteúdo, publiquei abaixo tanto a tradução quanto a transcrição do áudio original, cujo trecho separei do resto do podcast e pode também ser ouvido a seguir:


Juliette Rengeval – Nos Estados Unidos, a ascensão de Donald Trump ao poder tem raízes sociais e econômicas, mas foram também as redes sociais que lhe deram a vitória: X, Facebook, Instagram, inicialmente redes para socializar, depois para se informar e que podem transformar numa máquina formidável de manipulação da opinião. Em todo caso, a perspectiva preocupa a União Europeia e os profissionais da imprensa. Olá, Steven Jambot! Toda semana, você analisa em seu programa as notícias sobre a mídia na era digital. Que papel, então, uma mídia tradicional como a nossa pode desempenhar em nossos tempos?

Steven Jambot – Então, pra simplificar, se olharmos, por exemplo, um site de notícias como o da RFI, se olharmos o público do site da RFI, ele se divide de três maneiras, digamos: 60% do tráfego no site da RFI é o que chamamos de “consciência de marca” [brand awareness], ou seja, pessoas acessando a página inicial da RFI ou abrindo o aplicativo da RFI. Então, isso é 60% do público. 30% do público vêm da pesquisa, de mecanismos de busca – Google, em sua grande maioria. E os 10% restantes vêm de redes sociais ou outras fontes de tráfego, como newsletters ou outros. Eis que essa proporção é o tráfego de entrada no site da RFI. Isso é pra dar uma ideia da proporção, pra dizer que sim, as redes sociais estão aí, são hiperpresentes, mas também não representam tudo. Então, se amanhã fosse feita a escolha de não estar mais nesta ou naquela plataforma, bem, também não cortaríamos um braço, já que as pessoas sabem que veículos como a RFI têm ambientes próprios. E o desafio agora é dizer que nem tudo acontece nas redes sociais, que existem também nossos sites, nossos aplicativos, que são ambientes sobre os quais nós, as agências, temos o controle e pelos quais difundimos a você informação de qualidade, produzida com rigor e honestidade, com padrões de ética e conduta profissional que nem todos necessariamente compartilham.

Rengeval – Tem-se a impressão que as redes se tornaram uma máquina formidável de fabricação da opinião e, talvez, nem tanto de difusão de informações que iluminem o mundo. Pra uma empresa como a Rádio França Internacional, pra qual você e eu trabalhamos, é complicado?

Jambot – Digamos que é complicado, porque de fato as redes sociais têm sido uma oportunidade pra muitas pessoas ao redor do mundo: lembramos das “primaveras árabes”, por exemplo, que aconteceram no Facebook. E então, nós, jornalistas, tivemos que utilizar as redes sociais e as utilizávamos como um território de investigação e reportagem, já que antes das redes sociais, era o jornalista quem escrevia o primeiro rascunho da história. Mas com as plataformas sociais, qualquer pessoa com um celular estava em posição de mencionar o presente, tirar fotos, gravar vídeos. E então nós, jornalistas, tivemos que nos apoderar que dessas plataformas pra contar a história, contá-la de outro jeito. E agora percebemos que essas plataformas estão sendo cada vez mais usadas pra espalhar desinformação. Então temos que estar mais vigilantes do que antes.

Rengeval – Como podemos ser mais vigilantes do que antes? Quais são as boas armas pra um jornalista usar nas redes sociais, agora que, seja no X ou no Facebook, vemos que não há mais checagem de fatos [fact-checking], ou que logo não vai haver mais?

Jambot – É sempre uma questão de estar vigilante, de demonstrar bom senso, de se perguntar várias vezes: “Este material, esta foto que estou vendo, o que é? Quem está a divulgando? Existe algo, alguém ou uma ideia por trás?” E também é bom pegar o telefone às vezes só pra fazer ligações, descobrir se é verdade, sim ou não, e ir até o local, encontrar as pessoas pra fazer nosso trabalho, que é a investigação e a reportagem.

Rengeval – Falamos das redes sociais, que são uma fonte de informação pra muitos ouvintes, jovens ou nem tanto. Essa é a principal fonte de informação hoje?

Jambot – Digamos que é uma fonte de informação gratuita para todos: você não paga pra se registrar no Facebook, no Twitter ou no WhatsApp. Portanto, não há custo de entrada, como às vezes acontece quando compramos um jornal e pagamos pra ter acesso a esta ou aquela fonte de informação. Então isso é verdade pra muitas pessoas: a primeira coisa que elas fazem de manhã é pegar o celular e olhar suas contas do Facebook. Elas consomem informações nas redes sociais. Então sim, podemos dizer que eles se informam por essas redes, quer queiram ou, às vezes, não. Elas nem sempre tomam a iniciativa de recorrer à mídia tradicional, assistir à televisão, ouvir rádio e se preocupar em se informar bem com fontes consideradas confiáveis. Mesmo quando não queremos nos informar, as informações chegam até nós e, às vezes por aí mesmo, muita desinformação também.

Rengeval – Você estava falando sobre o custo, mas ouvir a RFI ou acessar o site da RFI é de graça.

Jambot – Sim, de fato, é gratuito, mas nem todo mundo necessariamente toma mais essa atitude. Alguns veículos também precisam se questionar. Então, como jornalistas, sempre nos perguntamos: com quem estou falando e como estou falando com essa pessoa? Então, alguns veículos estão começando a falar diferente, a mudar o formato, o modo como produzem informações, às vezes a maneira como falam no microfone. E é aí que alguns veículos conseguem se superar trabalhando o tom, por exemplo, falando diferente, tentando falar com as pessoas estando mais próximos delas. Tem que soar verdadeiro, e nós, como jornalistas, temos que voltar ao básico: é bom sair e encontrar pessoas, produzir informação de qualidade, deixar falarem as vozes de um lado, as vozes do outro. Por quê? Tentando nivelar nossos ouvintes por cima, dizendo a nós mesmos que todos são inteligentes, não nos pomos a dizer às pessoas como elas devem pensar, mas a lhes dar as chaves pra que possam ter êxito no quê? Em ser cidadãos, pessoas bem informadas e esclarecidas.

Rengeval – Pra ajudar as pessoas que, apesar de tudo, vão continuar nas redes sociais, precisamos da educação midiática, aumentar as ações de checagem de fatos?

Jambot – Olha, pra mim, a educação midiática é realmente fundamental. E em todas as idades, já que sempre costumamos dizer: “Educação midiática, devemos ensinar os jovens a se informarem bem, os estudantes do ensino fundamental e médio e os jovens universitários devem saber aonde ir pra se informarem bem.” E, de fato, estudos mostraram que quem mais espalha desinformação são pessoas de 50, 60 anos, geralmente homens, que espalham tudo e qualquer coisa de seus computadores. Então sim, a educação midiática e informativa é fundamental. O que isso significa? Saber o que é um veículo de qualidade e, portanto, questionar quem é o dono desse veículo. Significa também saber diversificar suas fontes de informação. No mundo de hoje, temos uma infinidade de veículos nos quais podemos encontrar informações de qualidade.

A seguir, a checagem de fatos: você a via por toda parte, de fato, é fundamental fazer checagem de fatos, mas às vezes os jornalistas não podem desperdiçar energia demais querendo checar fatos desinteressantes ou que são justamente informações falsas produzidas de propósito pra fazer os verificadores perderem tempo com esses conteúdos. Então, os jornalistas devem se questionar, saber distinguir quando há um sinal forte, um sinal fraco, se há uma empresa de desinformação enviando conteúdo de desinformação, essencialmente bombas de desinformação. Se dezenas de milhares de postagens são enviadas a um determinado lugar, pode valer a pena dominá-las. Mas é preciso ter cuidado pra não perder de vista que, por vezes, essa desinformação é produzida deliberadamente com esse aspecto de “carpet bombing” [técnica militar dos bombardeios de saturação] pra que jornalistas e verificadores se precipitem, de cabeça baixa, com o risco de deixarem passar outra informação, essa sim, muito mais interessante e importante.

Rengeval – Certo. Então, checagem de fatos, sim, mas é preciso identificar com sabedoria as informações que são válidas. Pode nos dar um exemplo de informação que não precisaria ser verificada?

Jambot – Se eu lhe dissesse, por exemplo, que hoje em Paris havia torrentes de lama descendo do Sacré-Cœur em Montmartre até o Moulin Rouge. Que eu lhes transmita um vídeo, mostre um vídeo e lhes diga: "Olhe essas imagens, é incrível" e tudo mais, e que esse vídeo foi muito compartilhado por pessoas do outro lado do mundo. Vale mesmo a pena checar esses fatos ou perder tempo telefonando pra Prefeitura de Paris? Cabe a nós, jornalistas, ir lá tirar uma foto do Sacré-Cœur, do Moulin Rouge, e ver que, realmente, não há água nenhuma correndo. Hoje, aliás, na verdade nem choveu, então não houve dilúvio algum em Paris. Não vou perder tempo verificando esse tipo de coisa, há muitas outras coisas que merecem atenção. E também precisamos admitir que produzir imagens, sejam fotos ou vídeos, usando inteligência artificial está ficando cada vez mais barato. Então, entendemos por que vemos cada vez mais material sendo difundido nas redes sociais e, portanto, cabe a nós, jornalistas, ficar cada vez mais alerta.



Juliette Rengeval – Aux États-Unis, l’arrivée au pouvoir de Donald Trump a des racines sociales et économiques, mais ce sont aussi les réseaux sociaux qui ont fait son élection : X, Facebook, Instagram, des réseaux pour socialiser d’abord, ensuite pour s’informer et qui pourraient se transformer en une formidable machine à manipuler l’opinion. La perspective inquiète, en tout cas, l’Union européenne et les professionnels de la presse. Bonjour, Steven Jambot ! Vous auscultez l’actualité des médias à l’ère du numérique toutes les semaines dans votre émission. Quel rôle peut alors jouer un média traditionnel comme le nôtre, dans notre époque ?

Steven Jambot – Alors, pour faire simple, si on regarde par exemple un site d’informations comme celui de RFI, si on regarde les audiences du site internet de RFI, elles se divisent de trois façons, on va dire : 60% du trafic sur le site internet de RFI est ce qu’on appelle la « notoriété de marque », c’est-à-dire des gens qui vont sur la page d’accueil de RFI ou qui ouvrent l’application de RFI. Voilà, ce sont 60% de l’audience. 30% de l’audience, c’est de la recherche, des moteurs de recherche – Google, dans son immense majorité. Et les 10% restants, ce sont des réseaux sociaux ou d’autres sources de trafic de type infoletter, newsletter ou autre. Voilà donc, cette proportion-là, c’est le trafic entrant du site internet de RFI. C’est pour vous dire un peu la proportion, de vous dire que les réseaux sociaux, certes, sont là, ils sont hyperprésents, mais ils ne représentent pas non plus tout. Donc si demain le choix était fait de ne plus aller sur telle ou telle plateforme, eh bien, on ne se couperait un bras non plus, puisque les gens savent que les médias comme RFI ont des environnements propres. Et l’enjeu actuellement, c’est de dire que tout ne se passe pas sur les réseaux sociaux, qu’il y a également nos sites, nos applications qui sont des environnements sur lesquels nous, médias, avons la main et sur lesquels nous vous diffusons de l’information de qualité, produite avec rigueur, avec honnêteté, avec des standards d’éthique et de déontologie que tout le monde ne partage pas forcément.

Rengeval – On a l’impression que les réseaux sont devenus une formidable machine à fabriquer de l’opinion et peut-être plus tellement à fournir de l’information qui éclaire sur le monde. Pour une entreprise comme Radio France Internationale, pour laquelle on travaille, vous et moi, c’est compliqué ?

Jambot – On va dire que c’est compliqué, parce qu’effectivement les réseaux sociaux ont été une chance pour de nombreuses personnes à travers le monde : on se souvient des « printemps arabes », par exemple, qui se sont passés sur Facebook. Et donc pour nous, journalistes, on devait se servir des réseaux sociaux et on se servait des réseaux sociaux comme un territoire d’enquête, de reportage, puisqu’avant les réseaux sociaux, c’est le journaliste qui rédigeait le premier brouillon de l’histoire. Mais avec les plateformes sociales, tout et chacun avec un téléphone portable était en mesure de référencer le présent, de prendre des photos, de faire de la vidéo. Et donc nous, journalistes, on a dû se saisir de ces plateformes-là pour raconter l’histoire, raconter l’histoire autrement. Et on se rend compte maintenant que ces plateformes-là sont de plus en plus utilisées pour diffuser de la désinformation. Donc on doit faire preuve de davantage de vigilance qu’auparavant.

Rengeval – Comment on fait preuve de plus de vigilance qu’auparavant ? C’est quoi, les bonnes armes d’un journaliste pour aller sur les réseaux sociaux, alors, que ce soit X ou que ce soit Facebook, on voit qu’il n’y a plus de fact-checking, ou qu’il n’y en aura plus bientôt ?

Jambot – C’est toujours déjà d’être vigilant, de faire preuve de bon sens, de se poser plusieurs fois la question de savoir : « Cette matière-là, cette photo que je vois, qu’est-ce que c’est ? Qui la diffuse ? Y a-t-il quelque chose, quelqu’un, une idée derrière ? » Et puis aussi, c’est bien de décrocher son téléphone parfois tout simplement pour passer des coups de fil, savoir si c’est vrai, oui ou non, et d’aller sur le terrain, d’aller à la rencontre des gens pour faire notre métier, qui est l’enquête, le reportage.

Rengeval – On parle des réseaux sociaux, c’est une source d’information pour de nombreux auditeurs, jeunes ou moins jeunes. Est-ce que c’est la principale source d’information aujourd’hui ?

Jambot – On va dire que c’est une source d’information qui est gratuite pour tous et chacun : on ne paye pas pour s’inscrire sur Facebook, sur Twitter, sur WhatsApp. Donc il n’y a pas ce cout à l’entrée que représente le fait parfois d’acheter un journal, de payer pour avoir accès à telle ou telle source d’information. Donc c’est vrai pour plein de gens : la première chose qu’ils font le matin, c’est de prendre leur téléphone portable et de regarder leurs comptes Facebook. Ils consomment de l’information sur les réseaux sociaux. Donc oui, on peut dire qu’ils trouvent de l’information sur ces réseaux-là, qu’ils le veuillent parfois ou non. Ils ne font pas toujours la démarche d’aller sur des médias traditionnels, de regarder la télévision, d’écouter la radio et de faire attention à bien s’informer sur des sources qualifiées de fiables. Même quand on ne veut pas s’informer, on a de l’information qui vient à nous et parfois beaucoup du coup de désinformation aussi.

Rengeval – Vous parliez du cout, mais écouter RFI ou aller sur le site de RFI, c’est gratuit.

Jambot – Oui, effectivement, c’est gratuit, mais tout le monde n’a plus forcément cette démarche-là. Il faut que certains médias aussi se remettent en question. Donc on se pose toujours la question en tant que journaliste : à qui je parle, et comment je parle à cette personne ? Alors, certains médias se mettent à parler autrement, à changer leur format, la façon de produire l’information, la façon parfois de parler dans le micro. Et c’est là que certains médias réussissent à tirer leur épingle du jeu en travaillant le ton, par exemple, à parler autrement, essayer de parler aux gens étant plus proche d’eux. Il faut que ça sonne vrai, et pour nous il faut revenir aux fondamentaux en tant que journalistes : c’est bien d’aller à la rencontre des gens, de produire de l’information de qualité, de faire entendre les voix d’un côté, les voix de l’autre. Pourquoi ? En essayant de tirer nous auditeurs par le haut, en se disant que tout le monde est intelligent, on n’est pas là pour dire aux gens comment ils doivent penser, mais leur donner les clés pour qu’ils réussissent à faire quoi ? À être des citoyens, des gens bien informées qui soient éclairées.

Rengeval – Est-ce que pour aider les gens qui vont, malgré tout, aller toujours aussi sur les réseaux sociaux, il faut de l’éducation aux médias, il faut multiplier les actions de fact-checking ?

Jambot – Alors, l’éducation aux médias, pour moi, effectivement, elle est fondamentale. Et à tous les âges, puisqu’on a toujours tendance à dire : « L’éducation aux médias, il faut apprendre aux jeunes à bien s’informer, aux collégiens, aux lycéens, aux jeunes étudiants de savoir où aller pour bien s’informer ». Et en fait, des études ont montré que celles et ceux qui diffusent le plus de désinformation sont plutôt des gens de 50, 60 ans, souvent des hommes, d’ailleurs, qui derrière leurs ordinateurs diffusent tout et n’importe quoi. Donc oui, l’éducation aux médias et à l’information est fondamentale. Ça veut dire quoi ? Savoir qu’est-ce qu’un média de qualité, donc se poser la question de à qui appartient ce média. Ça veut dire aussi savoir diversifier ses sources d’informations. On a dans le monde actuel pléthore de médias sur lesquelles on peut trouver de l’information de qualité.

Ensuite, le fact-checking : vous en voyait partout, effectivement, c’est fondamental que de faire du fact-checking, mais il faut que les journalistes parfois ne perdent pas trop d’énergie à vouloir fact-checker des choses qui sont sans intérêt ou alors qui sont justement de la fausse information qui est produite à dessein pour faire que des fact-checkeurs perdent leurs temps sur ces contenus-là. Donc se poser la question pour les journalistes, savoir ce qui est de l’ordre du signal fort, du signal faible, s’il y a une entreprise de désinformation et que l’on envoie des contenus de désinformation, envoyant de façon majeure des bombes de désinformation, des dizaines de milliers de posts envoyés à tel endroit, cela peut valoir le cout de s’emparer. Mais il faut faire attention de ne pas perdre de vue que parfois cette désinformation, elle est produite volontairement avec ce côté « tapis de bombes » pour que des journalistes et des fact-checkeurs foncent dedans, tête baissée, avec le risque qu’ils passent à côté d’une autre information beaucoup plus intéressante et importante, celle-là.

Rengeval – D’accord. Donc des fact-checkings, oui, mais à bon escient il faut repérer l’information qui est valable. Est-ce qu’on peut citer un exemple d’information qui on n’aurait pas besoin d’aller fact-checker ?

Jambot – Si je vous disais, par exemple, qu’aujourd’hui à Paris il y a eu des torrents de boue qui ont dévalé du Sacré-Cœur de Montmartre jusqu’au Moulin Rouge. Que je vous diffuse une vidéo, je vous montre une vidéo et je vous dis : « Regarde ces images, c’est incroyable » et tout, et que cette vidéo-là, elle est très partagée par des gens à l’autre bout du monde. Est-ce que ça vaut vraiment la peine de fact-checker ça ou de perdre du temps à appeler à la mairie de Paris ? À nous, journalistes, se rendre sur place pour prendre une photo du Sacré-Cœur, du Moulin Rouge, de voir qu’effectivement, oui, il n’y a pas d’eau qui est en train de couler. Actuellement, d’ailleurs, il n’a pas vraiment plu aujourd’hui, ça n’a pas été le déluge à Paris, non. Je ne vais perdre le temps de fact-checker ce genre de chose, il y a beaucoup d’autres choses qui méritent de l’intérêt. Et il faut aussi réaliser que produire des images, que ce soient des photos ou des vidéos à partir d’intelligence artificielle cout de moins en moins cher. Donc on comprend pourquoi on voit de plus en plus de matières sur les réseaux sociaux qui sont diffusées, et donc à nous journalistes d’être de plus en plus vigilants.