quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Trotsky funda 4.ª Internacional, 1938


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Vocês já devem estar pensando que tenho uma queda por Leyba Bronstein ou que, por estar saturando com ele o Natal de vocês, estou lhes “passando um Trotsky”... rs (tá, essa doeu). Ocorre que, ficando tudo mais corrido em dias de festa (saídas, refeições, sono mais prolongado), embora eu mesmo não seja um fanático pelo Dia do Sol Invicto, essas tarefas relacionadas ao fundador do Exército Vermelho se revelaram mais rápidas e fáceis de “desencalhar”. Aliás, devido a várias correções que fiz na transcrição ao comparar com o áudio, o trabalho com Pierre Broué se revelou mais árduo e demorado, ao contrário deste, cuja curta transcrição tinha poucas divergências em relação ao som.

Em seu último exílio, Trotsky se fixou perto da capital do México, na cidade de Coyoacán, onde seria assassinado em 1940 e onde hoje existe uma casa-museu sobre sua vida e luta. Segundo a edição feita pelo Marxists.org, a gravação do discurso abaixo foi feita 18 de outubro de 1938 em seu novo lar, transmitida num comício de trabalhadores em Nova York (ao qual o governo americano teria impedido o líder de se dirigir) no dia 28 seguinte e publicada em escrito pela primeira vez em novembro de 1938. Aborda-se a fundação da chamada “Quarta Internacional”, ou “Internacional trotskista”, pra alguns, resultante do insucesso da luta de Trotsky contra uma alegada “degeneração” do regime soviético e da Comintern (a “Terceira” Internacional) sob Iosif Stalin, seu inimigo pessoal de longa data. Primeiramente ele formou em Moscou uma “oposição de esquerda” dentro do Partido Bolchevique, passo seguido por outros comunistas ao redor do mundo, mas sem obter êxito, acabou criando seu próprio movimento, muito menor, mas ferozmente perseguido pelo Kremlin.

A 4.ª Internacional tinha sido fundada em setembro de 1938, em congresso reunido perto de Paris, na casa de Alfred Rosmer, figura de destaque na Comintern que tinha passado pro lado de Trotsky. Mas ao longo dos anos, ela se dividiu em diversas facções, brigando por causa de “cousas miúdas”, e hoje vários grupos se reivindicam, sem muita justificativa, como continuadores da “Quarta”. O exclusivismo abstrato e o complexo de vanguarda de Trotsky, evidentes neste texto, mostram como há pouca ruptura com os vícios da Rússia soviética e do marxismo apocalíptico (e nada construtivo) iniciado por Vladimir Lenin. Não por menos, o “trotskismo”, sem uma visão de mundo clara nem propostas concretas pra melhorar a vida do povo pobre, tem hoje como principal público jovens radicalizados nas universidades e está cada vez mais espremido entre a nova ascensão de movimentos fascistas, a reabilitação do stalinismo criminoso em roupagem “eurasianista” e uma centro-esquerda dita “de governo”, por vezes com tintura populista, preocupada somente com mesquinharias eleitorais.

Abaixo seguem um vídeo com o áudio completo do discurso de Trotsky gravado em Coyoacán e exibido em Nova York, que achei exatamente hoje, e outros dois com partes distintas, que eu já tinha guardado há uns anos, um deles indicando erroneamente Copenhague como local da gravação. Eu traduzi a partir do original inglês indicado acima, usando o Google Tradutor e depois refazendo todo o texto conforme meu estilo pessoal e o cotejamento com o áudio. E pra não quebrar o ritmo da leitura, coloquei também umas poucas notas explicativas entre colchetes, e não em rodapé, como se poderia esperar:






Queridos camaradas e amigos!

Espero que desta vez minha voz chegue até vocês e que me seja permitido, desta forma, participar de sua dupla comemoração. Ambos os eventos – o décimo aniversário de nossa organização americana e o congresso de fundação da 4.ª Internacional – merecem dos trabalhadores uma atenção incomparavelmente maior do que os gestos bélicos dos chefes totalitários, as intrigas diplomáticas ou os congressos pacifistas.

Ambos os eventos vão entrar pra história como marcos importantes. Agora, ninguém tem o direito de duvidar disso.

É necessário lembrar que o nascimento do grupo americano de bolcheviques leninistas, graças à corajosa iniciativa dos camaradas [James Patrick] Cannon [1890-1974], [Max] Shachtman [1904-1972] e [Martin] Abern [nascido Abramowitz, 1898-1949], não ocorreu sozinho. Coincidiu aproximadamente com o início do trabalho internacional sistemático da Oposição de Esquerda. É verdade que a Oposição de Esquerda surgiu na Rússia em 1923, 15 anos atrás, mas o trabalho regular em escala internacional começou com o 6.º Congresso da Comintern.

Sem um encontro pessoal, chegamos a um acordo com os pioneiros americanos da 4.ª Internacional, antes de tudo, quanto à crítica do programa da Internacional Comunista [Comintern]. Então, em 1928, começou o trabalho coletivo que, dez anos depois, levou à elaboração de nosso próprio programa recentemente adotado por nossa Conferência Internacional. Temos o direito de dizer que nessa década, o trabalho não foi apenas persistente e paciente, mas também honesto. Os bolcheviques leninistas, os pioneiros internacionais, nossos camaradas em todo o mundo, como autênticos marxistas, buscaram o caminho da revolução não em seus sentimentos e desejos, mas na análise da sucessão objetiva dos acontecimentos. Acima de tudo, fomos guiados pela preocupação de não enganar os outros nem a nós mesmos. Nossa busca foi séria e honesta. E nós descobrimos algumas coisas importantes. Os acontecimentos confirmaram tanto nossa análise quanto nossas previsões. Ninguém pode negar. Agora é necessário que permaneçamos fiéis a nós mesmos e a nosso programa. Não é algo fácil de se fazer. São gigantescas as tarefas, e incontáveis os inimigos. Só temos o direito de dedicar nosso tempo e atenção à comemoração do jubileu na medida em que, a partir das lições do passado, possamos nos preparar pro futuro.

Queridos amigos, não somos um partido como os outros. Não ambicionamos meramente ter mais membros, mais jornais, mais dinheiro em caixa, mais deputados. Tudo isso é necessário, mas apenas como um meio. Nosso objetivo é a plena libertação material e espiritual dos trabalhadores e explorados por meio da revolução socialista. Ninguém vai a preparar e guiar, exceto os bolcheviques leninistas. Repito: ninguém exceto nós mesmos. As velhas Internacionais – a Segunda, a Terceira, a de Amsterdã, às quais também juntamos o Birô de Londres [o efêmero Centro Marxista Revolucionário Internacional, que em 1932-40 rejeitou tanto Stalin quanto Trotsky] – estão inteiramente podres.

Os grandes acontecimentos que se precipitam sobre a humanidade não vão deixar pedra sobre pedra dessas organizações remanescentes. Somente a 4.ª Internacional encara o futuro com confiança. É o partido mundial da Revolução Socialista! Nunca houve na Terra uma tarefa maior. Repousa sobre cada um de nós uma gigantesca responsabilidade histórica.

Nosso partido exige por completo cada um de nós. Que os filisteus persigam no vácuo sua própria individualidade. Pra um revolucionário, entregar-se inteiramente ao partido significa encontrar a si mesmo.

Sim, nosso partido toma por completo cada um de nós. Mas em troca dá a cada um de nós a satisfação suprema: a consciência de estar participando da construção de um futuro melhor, de carregar em seus ombros uma partícula do destino da humanidade e de não ter vivido sua vida em vão.

A fidelidade à causa dos trabalhadores exige de nós a mais alta devoção a nosso partido internacional. É claro que o partido também pode errar. Pelo esforço comum, vamos corrigir seus erros. Em suas fileiras podem adentrar elementos sem mérito. Pelo esforço comum, vamos os eliminar. Milhares de novos membros provavelmente vão entrar amanhã em suas fileiras sem a instrução necessária. Pelo esforço comum, vamos elevar seu nível revolucionário. Mas nunca vamos esquecer que nosso partido é agora a maior alavanca da história. Privados dessa alavanca, nenhum de nós tem significado. Com essa alavanca na mão, somos tudo, tudo, tudo!

Não somos um partido como os outros. Não é à toa que a reação imperialista nos persegue loucamente, colada furiosamente em nossos calcanhares. Os assassinos a seu serviço são os agentes do bando bonapartista de Moscou. Nossa jovem Internacional já conhece muitas vítimas. Na URSS, se contam os milhares. Na Espanha, às dezenas. Em outros países, às unidades. Com gratidão e amor, recordamos todos eles nestes momentos. Eles continuam lutando em espírito em nossas fileiras.

Em sua obtusidade e cinismo, os carrascos pensam que é possível nos amedrontar. Estão errados! Enquanto apanhamos, mais fortes ficamos. A política bestial de Stalin é uma simples política de desespero. Pode-se matar soldados individuais de nosso exército, mas não os amedrontar. Amigos, e especialmente vocês, jovens amigos, vamos repetir novamente neste dia de comemoração: é impossível nos amedrontar.

Queridos camaradas, foram necessários dez anos pro bando do Kremlin estrangular o Partido Bolchevique e transformar o primeiro Estado Operário numa sinistra caricatura. Foram necessários dez anos pra 3.ª Internacional [Comintern] amassar na lama seu próprio programa e transformar a si mesma num cadáver fétido. Dez anos! Apenas dez anos! Permitam-me terminar com uma previsão: durante os próximos dez anos, o programa da 4.ª Internacional vai se tornar o guia de milhões, e esses milhões de revolucionários vão aprender a tomar a terra e o céu de assalto.

Viva o Partido Operário Socialista dos Estados Unidos!

Viva a 4.ª Internacional!



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