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A história é uma daquelas ciências em que, dadas a onipresença de seu impacto e reflexão e a infinitude de seus debates, a qual passa uma sensação de vagueza e falta de rigor, todo mundo se pensa no direito de dar opiniões e fazer afirmações absolutas. Mas não há nada mais perigoso do que deixar nas mãos de amadores e impulsivos um assunto que revira sensibilidades, rancores, recalques, reputações e propósitos de vida. Os fanáticos da direita pensam que a história deve servir a seus propósitos de controle social e massificação das consciências, mas infelizmente há adeptos da esquerda radical que distorcem fatos e evidências, como se fosse inocente os modelar a suas próprias opções partidárias.
O raciocínio de “males menores” inspira em muitos debatedores de redes sociais justificarem matanças, ditaduras, invasões militares ou perseguições seletivas. Quer dizer que posso criticar Franco, Salazar e os militares latino-americanos, mas não o comunismo? Claro que nenhum desses apologistas brasileiros ou portugueses, com tempo livre hábil pra conversar na internet, sofre com esses problemas nem vive em nações com cotidianos inviáveis. A relativização das ditaduras comunistas, em especial do regime de Iosif Stalin na URSS, me preocupa sobremodo porque se trata de um lado político que deveria centrar esforços em combater a ditadura do capital e aperfeiçoar as várias facetas da democracia, e porque esse esforço intelectual nada tem a ver com os reais problemas que devemos enfrentar. Além disso, em todos os matizes do espectro político existe um desconhecimento gritante sobre o funcionamento da ciência e das universidades e sobre o papel do historiador na academia e na sociedade.
Os comentários abaixo foram feitos na minha legendagem da abertura do documentário francês Staline, le tyran rouge e revelam a falha em escolher as prioridades num exercício crítico. Meu foco são sempre os regimes comunistas justamente porque os estudo na pós-graduação, e incorrer sem precaução em outros temas pode levar a enganos. Minhas primeiras respostas já elucidam os repetidos questionamentos posteriores, então de certa forma nada deixei sem responder, nem achei necessário adicionar notas, exceto no final, dados os absurdos históricos. Infelizmente, um tema que nada tem a ver com nossos sofrimentos já leva fanáticos a me atacarem pessoalmente, e como vocês veem, não sou em quem começa com a rudeza, embora às vezes eu tenha achado necessário recorrer a ela, já que é só assim que eles se fazem entender. No último caso, não apenas o usuário interveio numa resposta que não tinha sido dirigida a ele, como também não julguei pertinente responder de novo, gastando assim uma energia inútil. Este é o mais surtado de todos, mas como eu disse, as respostas anteriores já lhe contestariam bem.
Felizmente, nem todos saíram em defesa de Stalin e criticaram como certos brasileiros ainda podiam elogiar uma ditadura do passado. Mesmo assim, ainda me pergunto se esse tipo de atitude dogmática não dá muito mais munição pra que setores liberais ou antiacadêmicos ataquem as ciências humanas nas universidades públicas e justifiquem sua presumida inutilidade e pouco retorno financeiro à sociedade. Nos comentários meus e dos visitantes, corrigi os ocasionais erros de ortografia ou digitação, mas inseri alguns indicadores quando achei necessário. Antes de começar, segue um vídeo que me remeteu muito a essa situação, embora possa ter sido uma sensação irracional (Karnal foi meu professor, adoro ele!):
Pergunta: Por que os documentos soviéticos, para você, muitas das vezes eram falsos e de pouca confiabilidade, mas os textos acadêmicos ocidentais (de Harvard, Oxford) nunca o vi questioná-los? As autoridades soviéticas eram mentirosas e as do Ocidente as verdadeiras? O comunismo é sanguinário e o capitalismo não? Sinceramente suas críticas a Martens não fazem sentido para mim. Se você puder, me explique, com exemplos, o porquê dessas críticas. E outra, não é porque você é mestre em história que é o senhor da verdade, você não é ninguém para afirmar alguma coisa no meio histórico, tanto quanto para falar que Stalin era um ditador sanguinário.
Minha resposta: Por que você pensa que as coisas devam funcionar como “zero/um”? Eu não disse que os documentos soviéticos eram “falsos”, mas que devem ter sua condição de produção problematizada. nesse caso, nem se aplica o conceito positivista de “verdadeiro ou falso”, mas o da função que ele exerceu dentro de tal contexto. Ou seja, não é porque Stalin declarava que a URSS era uma democracia que ela realmente era uma democracia. O mesmo se aplica a qualquer governo, em qualquer época ou lugar, que faz uma autodescrição (invariavelmente positiva): o próprio Marx falava que não é isso que devemos analisar, o que uma pessoa ou grupo diz de si mesmo mas a estrutura interna, material e produtiva de uma sociedade, as condições históricas em que estão inseridos.
Da mesma forma, criticar os regimes comunistas não implica automaticamente absolver os capitalistas, mas indica apenas que num momento se adota um determinado foco. Quem faz o que você diz, na verdade, é o próprio Martens, e às vezes o Losurdo: “Ah, o comunismo matou tanto, mas o capitalismo fez isso, matou tantos mais etc.”, em resumo, tergiversação. E eu reconheço, não li certos autores americanos porque eles realmente não são os mais ricos em crítica, o que não implica que eu não os deva ler, ao menos por dever de ofício, pra conhecer seus argumentos, o que chamamos em ciência de “estado da questão”. Durante minha pós-graduação me foquei em autores mais recentes, mais críticos e mais embasados em fontes, geralmente da Europa ocidental, como Aldo Agosti, Serge Wolikow, Michel Dreyfus, Orlando Figes, Moshe Lewin, Alexander Vatlin, Marc Ferro e outros bastante críticos à “escola totalitária”. Se você acompanha meu canal, deve saber que ano passado fiz uma lista deles, e sequer citei (ou mencionei de passagem) mainstreamers como Conquest, Service e Pipes.
Sério que pra você só existe a escola pró-americana e a turma de Furr, Martens e Iuri Zhukov (eu nem ousaria colocar Losurdo aí, já que ele é crítico o bastante do regime de Stalin)? Sério que você não leu/viu ou leu/viu mal meus textos e meus vídeos? Eu só tenho a lamentar por você!
Eu já expliquei em comentários anteriores por que não gosto de Martens, e você é quem deve entender e refletir sobre o porquê de minhas críticas. Mas confesso de novo que preciso ler tanto ele quanto Furr ou Zhukov mais a fundo, como eu disse antes, pelo “dever de ofício”. Lembro, porém, que dada a grande repercussão do Martens entre os jovens não iniciados, olhei por cima Stálin: um novo olhar (na verdade, o quase original em francês) e, o que me dá mais autoridade, transcrevi inteirinha a conferência Les mérites de Staline, disponível no YouTube, que pretendo traduzir e legendar em breve. Ele não me acrescentou nada de novo, dada a maior robustez, como eu disse, dos autores europeus citados, cuja leitura te recomendo muito. E mais: por que eu ia me preocupar em transcrever, traduzir e legendar alguém que critico? Novamente evoco o conhecimento do “estado da questão”...
Fecho sobre Martens mais uma vez retomando o que já disse: 1) ele puramente repete a propaganda soviética, que pode até não ser desmontada, mas deve ser tirada do pedestal de “verdade suprema”; 2) os autores que citei vão muito mais longe em questões que Martens abordou, tratam os documentos de forma não empirista e trabalham com uma gama muito mais ampla de fontes, visões, lados, disciplinas, sem ficar no meramente institucional. É isso, e o resto decorre. Eu é que gostaria de ouvir de você quais as qualidades de Martens que desmereceriam o que eu falei, ao invés de você repetir as mesmas acusações; e, melhor, dar uma olhada nesses outros autores, e então dizer se vale a pena serem usados pra além do binômio Harvard-Oxford/Martens-Furr!
Aliás, só não vou mais longe quanto a Martens porque, real e sinceramente, ele é quem menos importa pra minha pesquisa, diante de uma imensidão de fontes e bibliografia recente com que tenho de lidar (e doutorado não é um mero papel colado na parede, mas um árduo trabalho em que infelizmente as questões burocráticas quase sempre tolhem nossa criatividade). Aliás, quer mais uma dica? Sheila Fitzpatrick e Brigitte Studer são duas ótimas autoras em atividade que ultrapassam o plano do meramente político ou institucional e fazem verdadeiras “histórias sociais” da URSS e da Comintern, passando por domínios como memória, família, estética, mercado, migrações... Valem a pena!
Encerrando, a respeito do mestrado em história (relembro que agora estou no doutorado). É claro que não sou ninguém, e nunca vou ser, nem perante a sabedoria popular, nem perante os vários mestres que me instruíram e apoiaram. Ciência, tanto em exatas quanto em humanas, não é uma historinha do Professor Pardal em que mudamos o mundo com lapsos geniais, mas uma rotina cansativa de leitura, escrita, aulas e reuniões, não raro com intermináveis tarefas burocráticas impostas por agências de financiamento e instituições de controle. Será, por isso, que ela é menos útil pra militância política ou pra consciência popular?
Infelizmente, a maioria escolhe se arvorar em castelos de marfim e idolatrar ou replicar seus ídolos, e muitos deles poderiam ser chamados de “stalinistas” ou “trotskistas” convictos. Mas sabe o que eu escolhi? Produzir conhecimento e divulgá-lo pro maior número de pessoas possível. Por isso tenho este canal e minha página pessoal. Claro que nenhum conhecimento é neutro, mas podemos explorar todas as facetas de um mesmo problema, como faz a ciência. Por isso que aqui posto coisas comunistas, anticomunistas etc. e cabe ao internauta interpretar e fazer o uso que bem entender desse material. E, obviamente, por essa razão ora me taxam de “direitista”, ora de “esquerdista”. E ciência, meu amigo, também implica destronar ídolos e criticar sem piedade, mesmo que isso não recaia no lado pessoal ou meramente propagandístico.
Minha opinião política não te concerne em nada, porque creio que ela está difusa na minha exibição de conhecimento plural; agora, se você não concorda com algum posicionamento meu, não ataque minha pessoa ou minha carreira, tá? Não trate seus livros, autores ou personagens preferidos como parentes ou pessoas próximas. Ninguém nesse mundo cruel está isento de crítica, e sinto muito que minha crítica intelectual fira seus brios políticos. Isso tem cura: se jogue na bibliografia que indiquei! Ela pode abrir um mundo pra reflexão política e pra compreensão do mundo. Sugiro ainda que leia o texto de Pierre Nora, “L’histoire au péril de la politique”, que um dia pretendo traduzir, ou as reflexões de Jacques Le Goff sobre “documento/monumento”, que você vai entender muito bem minha postura metodológica quanto ao assunto. E é exatamente por isso que não sou eu quem diz que, apesar de suas várias conquistas, Stalin foi um “ditador sanguinário” (embora comparações com Hitler quase sempre são forçadas): são fontes, relatos, memórias, pesquisas, filmagens e uma pilha de evidências que os autores mencionados coletaram, muito além da polarização “santo/demônio”.
Então, boa leitura pra você, e assim podemos ter um diálogo decente, tá? Se você tiver achado minhas reflexões um “textão” ou se repetir os mesmos argumentos e queixumes mostrados por você ou outros, sinto muito, sua cognição poderia estar afetada. A recorrência aos mesmos imperativos categóricos, embora o bom senso me mandasse nem dar bola pra você, implicará no mero silêncio ou na tua exposição cômica nos devidos fóruns, tudo bem? Até breve, e obrigado pelo comentário!
Pergunta: Quais são as objeções ao trabalho de Martens? (Não leve a pergunta a mal, realmente quero saber.)
Minha resposta: Eu li rapidamente Stálin: um novo olhar e transcrevi o documentário em francês Os méritos de Stalin, então confesso que eu mesmo preciso ler mais. Mas se compararmos o fato de eu conhecer pouco Martens, mas ter lido muitos outros autores mais recentes e muito mais bem documentados, acho que saio em vantagem no conhecimento da matéria...
O que acho de Martens: primeiro, que ele simplesmente repete os argumentos do próprio governo soviético. Ora, então ele não criou nada de original, porque sabemos de várias outras fontes que nem sempre o discurso e a realidade batiam! Segundo, ele lê fontes primárias de modo cego: acredita que tudo o que está escrito é verdade só porque “é documento”. Mas não problematiza as condições de produção, a posição pessoal que quem escreveu, a possibilidade de haver muitos outros documentos desmentindo... Terceiro, o raciocínio dele é primário: “Ah, foi um ditador que matou muita gente, mas derrotou o nazismo”. Cara, não existe justificação a posteriori! Ele fala isso porque não era de uma família russa, não teve parentes perseguidos ou o emprego tirado. Nenhuma ditadura é boa, e Stalin foi um ditador violento, com uma pilha de evidências provando pros negacionistas que selecionam fontes a seu critério. (O que não implica negar suas várias conquistas nem tratá-lo como se fosse um demônio, já que muitos abusos do sistema ocorriam a despeito de Stalin.) E quarto e pior, Martens não ataca argumentos, mas pessoas, rotulando como ele quer quem ele não gosta e achando que assim “lacra” a questão: fascista, revisionista, trotskista, burguês, reacionário, oportunista... Isso não gera conhecimento acadêmico!
Provocação indireta: Pior é um certo historiador recomendando livros como O lado negro do comunismo [sic] eivados de informações falsas dos caras mais farsantes da história chamado Senhor Robert Conquest e o Heast. Martens coitado? Vê se enxerga.
Minha réplica: Vê se te enxerga você, revolucionário de Facebook! Quando eu li a besteira que escreveu, pensei: será que ele leu mesmo a descrição que fiz do documentário? Será que ele viu o vídeo anterior com atenção e entendeu a crítica que faço ao unilateralismo bibliográfico? Mas daí eu vi que nem título de livro você consegue escrever direito e concluí: tadinho, ele é assim mesmo.
Martens pega fontes do próprio governo e aceita como verdade, sem contar a leitura primária que ele faz de documentos de arquivo. E uma propaganda oficiosa reciclada, não tem nenhum senso crítico pra com fontes, pessoas, fatos etc: já parte de uma conclusão predefinida e molda o resto a ela, chamando quem não concorda de “burguês, fascista, reacionário, revisionista”, ou seja, sem valor acadêmico.
Conselho de amigo: tira a bunda da cadeira e vai pesquisar bibliografia mais moderna (que vai muito além dessa bipolaridade que funciona no teu cérebro), ir até um arquivo ou comparar opiniões diferentes, pra ver se sai da caixinha fanática!
Tréplica: E você é um historiador de fundo de quintal que preza pela desinformação, inclusive estimula leituras de “historiadores” que não têm o mínimo de comprometimento com a verdade. Meu conceito caiu com você quando recomendou esse livro tosco do Livro negro do comunismo. A mim, tu não engana Eslavo, vem com essa conversa fiada, mas sabe que postar vídeo, cujas imagens valem mais que 1000 palavras, uma vez que isso ficará no subconsciente das pessoas, ainda mais nos dias de hoje.
Tu detona Martens, provavelmente porque fez parte do Partidos dos Trabalhadores da Bélgica e porque seu referencial teórico colide com seus autores que adoram uma forçação de barra, como manipulação de dados. Agora em relações a ofensas a minha pessoa, só demonstra como tu é tendencioso. Cansei de ver gente detonando Stalin, com pontos de vistas mais estapafúrdios possíveis, e nunca vi tu fazer uma errata sequer, demonstrando todo seu estudo “ilibado e idôneo”.
Tua soberba funciona com moleques, Eslavo. Comigo, não. Tu deveria rezar todos os dias para o Pai Stalin ter vencido a guerra, porque hoje tu nem teria nascido ou estaria quebrando pedra em algum lugar a serviço de algum superior ariano. Até mais!
[Apesar da despedida, continua:] Posso me considerar um revolucionário, pois vivo defendendo camponês pobre de latifundiário safado. Tenho muito orgulho disso. O dia do amanhã, eu não sei, pois estou exposto ao perigo todo o santo dia! Agora “parabéns” pra você com seu fútil hobby de zero relevância e comprometimento com a verdade!
[Cita passagens de minha resposta a outro:] “O que acho de Martens: primeiro, que ele simplesmente repete os argumentos do próprio governo soviético. Ora, então ele não criou nada de original, porque sabemos de várias outras fontes que nem sempre o discurso e a realidade batiam!” O historiador deve criar algo original? Mas o que é criar com o pressuposto que a história consiste no estudo de dados que narram ou registram fatos pretéritos?
“Segundo, ele lê fontes primárias de modo cego: acredita que tudo o que está escrito é verdade só porque ‘é documento’. Mas não problematiza as condições de produção, a posição pessoal que quem escreveu, a possibilidade de haver muitos outros documentos desmentindo...” Tem algum problema do autor se apegar a dados registrado em documentos? Ou você prefere se apegar a interpretação de autores que mal apontam documentos tão preciso como Martens faz? O autor nunca deve fugir do que tal documento vem inferido. Isso Martens fez muito bem. Mas você prefere dar crédito a autores que nem pisaram na URSS, segundo documentos da própria URSS que você frisa que pode ser “só porque é documento”.
Já seu terceiro ponto de vista, é sua mera opinião. Tu como historiador foge da premissa mais básica das suas prerrogativas. O de analisar o contexto histórico que a URSS passava naquele momento. O país insulado prestes a ser invadido. Tinha naquele momento, Ucrânia nazi [sic!!!], Polônia fascista [???], Japão e Alemanha prontos pra invadir, e o que você queria que o Stalin fizesse? Chama-se a oposição pra sentar e tomar um chá? Ele mesmo fez um pronunciamento profético na academia militar russa, dizendo que se a URSS não fortalecesse suas defesas, bem como não se industrializar-se em 10 anos, ela seria invadida. Sua palavras foram proféticas. Além do fato, da história provar que a maioria de suas atitudes foram acertadas. Enquanto a oposição conspirava contra o progresso do país.
Infelizmente, as afirmações do último parágrafo precisam de revisão. A URSS há muito não estava isolada, levando relações comerciais e diplomáticas com vários países do mundo: em 1934 chegou a ser até admitida na Liga das Nações (que Lenin sempre recusou como “imperialista”). Sua maior parceira era, aliás, a Alemanha republicana, outro país que tinha sido isolado pela ordem prescrita no Tratado de Versalhes. O intercâmbio, inclusive, não cessou logo após a ascensão de Hitler, embora tenha depois sido rompido. A Ucrânia, de fato, tinha fortes grupos oposicionistas, mas não é menos brutal o que Stalin mandou fazer nas fronteiras: deportação forçada de etnias minoritárias imputadas como “espiões em potencial”. E o próprio começo da 2.ª Guerra Mundial, que todos conhecemos, está mais do que documentado: invasão da Polônia por alemães e soviéticos, partição do país por ambos e marcha conjunta em Varsóvia.
Os “méritos de Stalin” também são contestáveis, à luz dos novos estudos. Até 1935, a maior preocupação da Comintern, portanto da URSS, não era combater o fascismo, mas a social-democracia ocidental, que consideravam como uma concorrente mortal dentro do movimento operário. E mesmo depois, Stalin nunca se pronunciou publicamente com um antifascismo consequente, modulando seu discurso conforme a ocasião e só atacando de frente o nazismo em 1941, quando seu país foi invadido. O discurso “profético” também é duvidoso: não foi em 1939 que a Alemanha invadiu a URSS, mas em 1941, sem contar que a política voltada pra defesa militar não surgiu do nada, mas era um componente estrutural do bolchevismo desde os tempos da guerra civil. Além disso, por mais que a retórica da “invasão imperialista” nunca tivesse cessado, jamais se precisou quando se daria essa invasão (o evento referido é isolado e a “profecia” foi vaga demais), muito menos se ela seria uma iniciativa dos países democráticos ou dos fascistas.
E, claro, podemos pensar que a categoria de “inimigos do povo” era bastante flexível pra abranger qualquer tipo de oponente político ou crítico mínimo do governo. Embora os fanáticos neguem, há todas as evidências de que muitas “confissões” (tratadas como “documentos” na visão distorcida exposta acima) foram obtidas sob tortura, sem contar que não há nenhuma razão pra crer que aliados de última hora de Stalin tinham de repente se tornado sabotadores. De fato havia os grupos que realizavam sabotagem sistemática, mas a repressão atingiu tal escala que nos faz duvidar ter sido todo o povo afetado uma multidão de conspiradores.
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