O programa informativo semanal Izraél za nedéliu (A semana em Israel), transmitido a partir de Nova York pelo canal em língua russa RTVI, é um dos poucos em que atualmente podemos conhecer a perspectiva dos israelenses médios sobre a atual guerra em larga escala contra milícias pró-palestinos, mas sem a contaminação da mídia hegemônica higienista ou das distorções históricas evangélicas. Iniciado em 2014 e com duração que variou muito ao longo de sua década de existência, hoje dura quase 1 hora (já descontadas as propagandas) e é apresentado a partir de Israel pelo jornalista Borís M. Shtern (Boris Stern). De fato, mesmo se pesquisarmos em cirílico, vamos recair muito em outro Boris Shtern que na verdade é um cientista russo, e esse próprio eme de nosso concernido começa um patronímico que não descobri qual é.
Por ser transmitido em língua russa e não possuir legendas ocultas, é de consumo muito pouco provável nesta Terra de Santa Cruz, sobretudo porque se trata de um conteúdo mais denso, informativo e bem feito, ao contrário de nossas diversas mídias, em especial as “alternativas”, que se sentem obrigadas a sujar tudo com partidarismo ou sensacionalismo. Contudo, ninguém é inocente em achar que nenhum veículo jornalístico tem lado. E lado é o que menos falta nos comentários de Shtern, sempre apoiando o governo (mas não sei se ele é partidário de Netanyahu), sempre atacando a ONU quando o mundo inteiro critica as ações do Tsahal e sempre dizendo que “Israel tem que ganhar, e Israel vai ganhar”. Isso há mais de meio ano...
O programa tem até um bordão, em que depois de desejar boa noite ao convidado do dia, Shtern sempre diz “Shavuá tov, khoróshei nedéli!”, ambas as expressões significando “Boa semana!” em hebraico e russo. Shavuá tov é especialmente usado ao anoitecer do sábado, que é quando termina o shabbat hebraico e começa a semana do calendário lunar (aliás, a hora em que Izraél za nedéliu é exibido pelo horário de Moscou). Shtern não nega que o povo da faixa de Gaza sofra imensamente, mas “a culpa é sempre do Hamas”, e as tristes imagens que a maioria dos telejornais do mundo transmite (embora a ex-querda bananeira delire que “o mundo se esqueceu des palestines”, mas deixa pra lá) quase não aparecem no asséptico programa. Inclusive, desde o Sete de Outubro e sem justificativa aparente, o programa foi apresentado num bunker, ou ao menos num cenário semelhante, durante 5 meses, sem deixar de ter como sempre as reportagens especiais e as entrevistas com convidados, obviamente nenhum deles crítico acerbo de Netanyahu, Itamar Ben-Gvir, Bezalel Smotrich, dos colonos ilegais na Cisjordânia (ou “Judeia e Samaria”, como eles chamam) et caterva. É lado, mas é um lado bem apresentado e deve ser visto com olho crítico por pessoas mais informadas.
Menino Maluquinho e a “teoria dos lados”: singela homenagem a Ziraldo, rs
Pouco se sabe da biografia de Boris Shtern, exceto que ele nasceu em Minsk, Belarus, lá foi criado e imigrou pra Israel com a esposa e filhos em 2003. A maior parte das informações que pude encontrar, além de umas fotos bem engraçadas, provém desta entrevista em russo, concedida em 2015, quando já trabalhava como “correspondente de guerra”, na verdade se enfiando em buracos quentes de um país que nunca deixou de estar em guerra. Além de seu Facebook pessoal, que externa sua militância contra as repressões políticas em Belarus (sobretudo pelo uso da bandeira branca com faixa vermelha, que é proibida pelo ditador), sua conta no SoundCloud revela que ele foi um ativo cantor, poeta e compositor (na entrevista, Shtern diz ter parado em 2001). Sobre a qualidade, deixo aos internautas pra que julguem, rs. Seu YouTube, que depois de janeiro de 2017 só voltaria a ser atualizado no fim de outubro de 2023 com algumas de suas antigas interpretações, também tem várias de suas participações em programas de TV.
Tudo isso pra dizer que estes últimos dias, sobretudo a primeira semana de abril, devem ter sido muito difíceis pra Shtern “tankar” (como dizem os jovens gamers de hoje), com Israel sendo acossado por todos os lados até pelo “Ocidente Coletivo”. Estes prints se referem à edição do dia 7 de abril, quando até Brandon Biden, inquilino de la Casa Blanca, já estava querendo pegar Netanyahu pelo colarinho. O próprio Shtern não “tankou” a resolução (não impositiva, diga-se) do Conselho de Segurança da ONU pedindo um cessar-fogo em Gaza, somente com a abstenção dos EUA, e a chamou de “anti-israelense”; se ele fosse brasileiro, chamaria de “antissemita”... Mas apesar do isolamento internacional, o governo está por cima e, além de estar prestes a atacar Rafah (a um possível custo civil altíssimo), último bastião do Hamas, eliminou num ataque aéreo boa parte da descendência de Ismail Haniya, líder supremo do grupo.
Claro que nem todo programa ou publicação que tenha lado está imune aos ataques, críticas e xingamentos de quem defende o lado oposto. Portanto, sempre há os comentários daqueles que defendem a Palestina, mesmo em língua russa. Mas acho que esse perfil hater exagerou um pouquinho, e além de usar uma foto de perfil duvidosa, escreveu em russo usando maiúsculas: “Liberdade à Rússia e à Ucrânia (bem como ao mundo todo) do fascismo judeu!” Não fica devendo nada pros extremistas de ex-querda na Banânia, que podiam inclusive dizer que Lula, ao comparar discretamente Netanyahu a Hitler, estava enunciando o novo conceito de “judeo-fascismo”, rs.
Essa aqui é pura abobrinha mesmo, porque o logo da Dona Jacira, considerada pelos interlocutores uma “mentirosa contumaz” (êêêê, Jacira!), foi calhar de aparecer bem do lado do Shtern. Agora ele podia ser contratado pra fazer um programa especial sobre seu país, ou mesmo uma edição em árabe de A semana em Israel, apresentada diretamente do Se Catar. E de preferência, com o nome que mesmo falando em francês, meus conhecidos árabes sempre chamam a “Éretz”: israíl, rs.
E pra terminar, um simples adendo. Eu tava usando o Instagram da interlíngua no Brasil, quando de repente apareceu esta estranha imagem no feed... Não quero fazer propaganda da moça, mas achei engraçado e resolvi copiar aqui! Ela mesma vende um negócio de “meditação criança interior” que me cheira a pura picaretagem, mas decidi procurar a respeito da imagem, pois o meme pelo menos ficou ótimo. E acabei descobrindo que a imagem, assim como outras iluminuras medievais, é usada como “meme” em outros sites há pelo menos uns 10 anos. E nessa gravura em específico, o menino Jesus é comparado a uma larva ou uma baguete, rs.
Em todo caso, se você já conhecia a imagem, mas não sabia, ela integra um livro datado entre 1320 e 1340 chamado Saltério de Luttrell, que tem esse nome justamente por ter sido encomendado por um lorde inglês e dono de terras chamado Geoffrey Luttrell. Escrito em latim por um escriba, seu valor se deve a que as figuras, feitas por ao menos cinco artistas diferentes, constituem uma rara fonte de representação gráfica da vida camponesa inglesa daquela época. Além de imagens prosaicas e da vida do próprio Luttrell e sua família, existem ainda algumas entidades fantásticas e grotescas, elas mesmas também constituindo memes à parte...
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