domingo, 18 de agosto de 2024

Putin quer perseguir repórter italiana


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Putin odeia a verdade, a discordância, o contraditório, a liberdade, a felicidade alheia, a informação, o esclarecimento. Putin tem como ideal uma sociedade submissa, embotada, obscurantista, temorosa e totalmente centrada em torno dele. Putin odeia a Ucrânia, porque apesar de todos os tropeços, seu povo se encaminhava em sentido totalmente oposto ao que o Kremlin estava levando a Rússia nos últimos 25 anos. E um dos sintomas é não reconhecer os fracassos, sobretudo quando derivam das piores decisões tomadas anteriormente, e querer “destruir o mensageiro, e não a mensagem”.

É o caso da repórter Stefania Battistini e do câmera Simone Traini, italianos que trabalham pro canal Rai Uno e formaram a primeira equipe estrangeira completa a entrar na região da Rússia recentemente ocupada pelo exército da Ucrânia. Eles atravessaram a fronteira entre a província ucraniana de Súmy e a província russa de Kursk, chegando à cidade ocupada de Súdzha, de onde Battistini narrou a complexa trama dos combates locais entre os dois países. Sem qualquer base jurídica, a justiça russa (totalmente controlada por Putin) abriu um processo contra os dois profissionais por supostamente terem atravessado a fronteira ilegalmente, ameaça a que também foram submetidos outros jornalistas estrangeiros presentes na região. Por medida de segurança, a Rai Uno os mandou voltarem à Itália, mas isso só mostra como o Kremlin teme doentiamente o vazamento de qualquer informação sobre sua vergonhosa fraqueza na fronteira.

Esta é parte da edição completa de ontem, 17 de agosto, do Telegiornale 1 no horário das 20h de Roma, canal Rai Uno, que hackeei usando a extensão gratuita Video DownloadHelper, encontrada na loja do Google Chrome. Ela mostra o processo movido pela Rússia contra os italianos e outros estrangeiros, e Battistini conta parte dos bastidores da aventura entre a Rússia e a Ucrânia. Eu mesmo traduzi do italiano, mas receio que cometi erros na parte dos prédios destruídos em Sudzha, por não ter entendido muito bem (ajudas são bem-vindas!). Durante a semana, vou também publicar os trechos traduzidos (mas não legendados) das reportagens nos dias 14, 15 e 16 de agosto:


Alessio Zucchini – Mas hoje também é o dia em que Moscou abriu oficialmente um inquérito policial contra nossa correspondente Stefania Battistini e seu câmera, Simone Traini, devido às reportagens das zonas russas que são teatro da ofensiva ucraniana. Ouvimos Andrea Luchetta.

Luchetta – O FSB, serviço de segurança da Rússia, abriu na quarta-feira [dia 14] um inquérito policial contra nossos colegas Stefania Battistini e Simone Traini. Foram a primeira equipe estrangeira a entrar em Sudzha após o início da ofensiva ucraniana na província de Kursk. Por isso, o FSB os acusa de ter cruzado ilegalmente a fronteira, infringindo o artigo 322 do Código Penal, cuja pena pode levar a cinco anos de prisão.

Segundo a agência RIA Novosti, os serviços russos estariam cogitando a possibilidade de investigar também Nick Paton Walsh, correspondente da CNN que visitou a mesma área depois de Battistini e Traini. Ontem à noite [dia 16], o Ministério do Exterior em Moscou convocou a embaixadora italiana Cecilia Piccioni, expressando um veemente protesto pelo trabalho de nossos colegas.

Hoje, a RAI comunicou que fez Battistini e Traini voltarem temporariamente à Itália apenas para garantir sua segurança e proteção pessoais, de acordo com os protocolos, como se lê no comunicado. Hoje continuam as declarações de apoio a Battistini e Traini da parte de sindicatos e associações da categoria. A EFJ, Federação dos Jornalistas Europeus, condenou duramente as ameaças. “Essas intimidações equivalem a uma censura”, escreveu, “e visam impedir que a opinião pública seja informada sobre a operação em curso”.

Zucchini – Como vocês ouviram, Stefania Battistini e Simone Traini integram a primeira equipe estrangeira na zona da ofensiva ucraniana, um furo de dimensão internacional feito com respeito às normas do direito internacional. Agora queremos lhes contar como ele surgiu, vejamos.

Battistini – Atravessamos a fronteira russa assim, na quarta-feira, num simples carro dirigido por militares, com Simone Traini. Passamos através do território ucraniano e registramos os sinais de combate, quando pela primeira vez o exército de Kyiv invadiu a província russa de Kursk. Primeiramente, chegamos às posições conquistadas pela brigada ucraniana que aceitou nos levar embedded, isto é, num veículo blindado e escoltado, para chegarmos à cidade estratégica de Sudzha, a primeira conquistada por Kyiv.

Fizemos isso vestindo cores que nos distinguissem dos militares, a inscrição “PRESS” sobre coletes à prova de balas, como estipulam as normas internacionais. Isso porque o correspondente de guerra é uma figura especificamente descrita na Convenção de Genebra no artigo 4: estipula aos repórteres que sigam o exército numa zona de guerra uma proteção completamente reforçada e obviamente condiciona que os que não participam diretamente do conflito se diferenciem visivelmente dos militares. Mesmo assim, estamos cientes de que isso não salvou a vida do jornalista francês [Frédéric] Leclerc-Imhoff em Severodonetsk, Brent Renaud e Oleksandra Kuvshynova em Irpin e [Stuart] Ramsay em Bucha [este não morreu, mas quase]. Nesta guerra, a inscrição “PRESS” na verdade transformou os jornalistas em alvos.

Saímos num veículo blindado para chegar ao centro da cidade através de ruas transitáveis e margeadas por casas. Entre os sinais de combate, vimos prédios administrativos e centros de poder danificados. No prédio da prefeitura, totalmente destruído, ainda havia um cadáver ao chão. Os prédios vizinhos estavam danificados, logo ajeitados. Mas no mesmo dia, a TV ucraniana estava presente, e um dia antes, na alfândega de Sudzha, estava o New York Times. Dali, transmitiu hoje Nick Paton Walsh pela CNN, bem como jornalistas poloneses, enquanto a reação de Moscou foi coberta pela France Presse.

Seguimos esse conflito desde 10 dias antes da agressão russa: cobrimos as consequências em Irpin, em Bucha e em Borordianka. Na quarta-feira, achamos por bem mostrar a vocês também esta parte da guerra, sem querer infringir as leis da Federação Russa ou tomar o partido de um dos lados, mas pensando apenas em seguir os fatos, como sempre fizemos. Por definição, a reportagem de guerra é sempre parcial, porque só podemos contar a vocês o que nos é permitido ver e registrar, mas nos parecia importante estar presentes e contar pelo menos a parte da realidade.



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