sábado, 25 de outubro de 2025

Por que presidente fica quatro anos?


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Pode chiar, mas ambas as fotos são duas de minhas preferidas da história do Brasil: os dois únicos momentos em que tivemos a passagem de faixa de um presidente eleito a outro presidente eleito de partidos diferentes DESDE 1961! Façamos as “contas”: de 1946 a 1964 vigeu uma Constituição que previa um mandato de cinco anos não prorrogável pro presidente da República, que podia ser eleito por maioria simples, isto é, menos de 50% dos votos (aliás, como ocorre em Taiwan, por exemplo). Detalhe: essa exigência de maioria simples não estava explícita na Carta Magna, de forma que várias posses quase foram meladas por golpes militares e pela agitação da UDN, partido anti-Vargas. Pra piorar, o único que obteve mais de 50% sob esse sistema foi seu inaugurador e candidato de Getúlio, o General Eurico Dutra, em 1945.

Não estou levando em conta a Primeira “Velha” República (1889-1930), cujo sistema eleitoral era completamente desconfiável e excludente, nem a genericamente chamada “Era Vargas” (1930-45), que, apesar das várias composições institucionais, constituiu um período de exceção. Já na Quarta República, era natural que toda contestação viesse da UDN, pois eles sempre perdiam as eleições. Curiosamente, só quando Jair Messias Jânio Quadros foi eleito em 1960 com pouco menos da metade, mas apoiado pela UDN, não houve rebuliço. Pra Vargas (retornando pelo sufrágio em 1950) e Juscelino Cu de Cheque Kubitschek (com seus formidáveis 35,68% em 1955), precisou-se recorrer à Justiça Eleitoral pra validar o pleito.

Durante a “Véia”, o presidente tinha mandato de 4 anos, sem direito à reeleição. De 1946 a 1964, pro estranhamento de nossos jovens, o mandato era de 5 anos, também não prorrogável. Após o golpe militar de 1964 e os primeiros imbróglios pseudolegais antes de 1969, a “Constituição” de 1967 manteve os 5 anos, mas você sabe o resto da história. Quando João Figueiredo assumiu, o regime já estava fadado ao fim, portanto, ele ganhou longos 6 anos, e após a derrota da emenda da eleição direta, seu sucessor civil José Sarney ficou novamente 5 anos. Mas a “Carta Cidadã” seria promulgada em 1988, e as prerrogativas presidenciais não ficariam imunes a discussão.

Em 1951, Vargas (PTB) recebeu a faixa de Dutra (PSD, partido também formado, porém, sob os auspícios do ex-ditador), de quem tinha se tornado um crítico acerbo no fim do mandato, e tirou a própria vida em 1954. Até a posse de JK em 1956, se sucederiam o vice Café Filho, Carlos Luz (cujo mandato foi mais veloz que seu sobrenome) e Nereu Ramos, e finalmente o “prezida bossa-nova” passou a faixa a outro eleito, opositor seu. Isso não se repetiria por um bom tempo, pois o vice João Goulart sucedeu ao ex-professor fujão e golpista e foi ele mesmo derrubado pelo nanopolítico Marechal Castelo Branco. Só em 1989 o Brasil teria Fernando Collor como presidente eleito, ele mesmo, porém, “impitxado” em 1992, o que fez Fernando Henrique Cardoso receber a faixa do vice em exercício, Itamar Franco, em 1995. A passagem de faixa pra Lula que você viu acima, culminância de um dos períodos mais prósperos e estáveis de nossa história, foi no início de 2003.

Como alguns jovens já sabem, Dilma foi eleita e reeleita, mas ela também era do PT, e além disso também foi impedida em 2016, adiando pra 2023 a possibilidade de uma real transição. A sequência é conhecida: o Jenossida perdeu e covardemente não passou a faixa, já nos bastidores da tentativa de golpe em 8 de janeiro, manchando assim duplamente nossa história recente. Mesmo assim, tal tipo de alternância legal ocorreu, mas a Fênix de Garanhuns corre o risco de ser reeleita em 2026 (se não advir nenhum acaso externo) e outra mudança de rostos pode ocorrer só em 2031. Lembremos, contudo, que a reeleição única só apareceu em nossa República com a emenda de 1997 (FHC) e foi criticada pelo PT, que, porém, usou e abusou do “previléjio”.

Os bafões da emenda da reeleição também são conhecidos e não vão ser meu objeto aqui. Esses dias, minha indagação foi sobre por que o mandato de 5 anos, criado em 1946 (curiosidade: com o golpe do Estado Novo em 1937, Vargas tinha se arrogado no mínimo 6 anos, mas enfim...), não teve sequência com o Efeagá. Se o Caça-Marajás ficasse exatos 5 anos, ele sairia em 15 de março de 1995 e o tucano, após a eleição de 1999 e eventualmente sem reeleição, ainda em 2000 (mas com as novas regras, foi reeleito em 1998). Desde minha infância, naturalizei o mandato de 4 anos, mas hoje me pergunto por que ele ressurgiu, lá do fundo do baú das oligarquias. O Gemini integrado ao Google me deu esta resposta:



Mais importante não foi a resposta em si, mas os links que a ela vieram anexados (meio que dando as “fontes” da busca da IA, o que acho interessante) e cujos conteúdos reproduzo aqui na íntegra. Em resumo, é interessante como, antes de tudo, tal resolução não teve caráter essencialmente prático, mas político, se bem que em tal caso é difícil distinguir ambos. Na França, por exemplo, o mandato de 7 anos (!) foi reduzido pra 5 em 2002 pra coincidir com as eleições legislativas: lá, elas ocorrem pouco depois da presidencial, e a relativa popularidade do novo presidente pode influenciar numa formação amigável da Assembleia Nacional. Talvez o raciocínio fosse parecido aqui, embora os pleitos fossem colocados no mesmo dia; nos dois casos, os deputados já tinham os respectivos mandatos de 5 e 4 anos, e falo só das “câmaras baixas”, pois Senados sempre têm dinâmicas diferentes. O lado político da discussão também tem a ver com a duração do mandato de Sarney, eleito indiretamente devido à vergonhosa rejeição da “Emenda das Diretas” em 1984.

Porém, apareceu outro fator: em 1994, estava prevista uma revisão da CF 88, pois em alguns países costuma haver essas revisões logo depois, uma delas prevendo aqui o plebiscito de 1993 que confirmou o sistema presidencialista de governo. Porém, parece que essa revisão “flopou” e poucas mudanças saíram dela, uma delas sendo a redução do mandato presidencial de 5 pra 4 anos. Em tese, Itamar Franco devia encher o buraco deixado por Collor até 15 de março de 1995. Mas a data de 1.º de janeiro escolhida pro dia da posse, embora também naturalizada em minha cabeça, também parece ter sido arbitrária, como disse em aula certa vez o professor Alvaro Bianchi. Tanto é que após mudança em 2021, Lula vai reinar pelo menos até quatro de janeiro de 2027.

Eis o resultado de minhas pesquisas e resgate arquivístico, que também espero servirem pra futuras consultas de curiosos. Apenas atualizei a ortografia e inseri explicações entre colchetes, quando necessário:


Volta a ganhar força o mandato de 4 anos (3 de maio de 1988, p. 3, assinado “C.C.”) – Brasília, Agência Estado

Dentro de três semanas, provavelmente, a Assembleia Nacional Constituinte estará votando o capítulo final do projeto de nova Constituição, das Disposições Gerais e Transitórias. Entrará em pauta, de início, o substitutivo do Centrão, que não aborda o problema do mandato do presidente José Sarney, ao contrário do texto da Comissão de Sistematização. Se aprovada genericamente a proposta do grupo moderado, duas hipóteses se abrirão. A primeira, de que o presidente tem seu mandato fixado em cinco anos, como todos os sucessores, por força do que dispõe o já aprovado artigo 93. Bastaria que se aplicasse o princípio da analogia, reforçado por pronunciamento feito um ano atrás por Sarney, referente ao seu desejo de permanecer cinco anos. Se houver necessidade de abordagem explícita do tema, a subemenda do deputado Matheus Iensen seria votada, estabelecendo que o atual período administrativo terminará a 15 de março de 1990.

A segunda hipótese, meio malandra, é de que não se faça nada a respeito do mandato do atual presidente, retirando-se, inclusive, a subemenda Matheus Iensen. Nesse caso, por força da interpretação jurídica de que Sarney teria direito a permanecer seis anos no poder, estaria criado um caso. Seu mandato seria aquele para o qual foi eleito junto com Tancredo Neves, estendendo-se até 15 de março de 1991.

Como se vê, a questão é política, mais do que jurídica. Se tiver força parlamentar, Sarney garantirá os cinco anos, desejo por ele manifestado, podendo até ceder às pressões de alguns áulicos e permitir o desenvolvimento da tese dos seis anos.

No entanto... No entanto, os ventos podem soprar em direção completamente oposta. Porque já não parece tão certa a aprovação da emenda global do Centrão. O grupo se liquefez. Não existe mais como base de sustentação do governo. Os 314 votos obtidos em favor dos cinco anos, há um mês, deram a impressão de que, de maneira monolítica, o grupo Sarney no mínimo reafirmaria aquela decisão, nas disposições gerais e transitórias. Não é mais assim. O debate sobre a ordem econômica demonstrou o fracionamento do Centrão. Acresce que o governo continua desgastado, ou melhor, desgastou-se ainda mais, de lá para cá. O presidente da República, por cautela, não deu início ao que se chamava de nova fase de sua administração. Preferiu aguardar a decisão definitiva dos constituintes e o tiro está saindo pela culatra. Ao mesmo tempo, a movimentação em torno da CPI da corrupção, no Senado, e de outras que começarão a funcionar nos próximos dias, na Câmara, como a que investigará as importações de carne feitas durante o Plano Cruzado I, contribuirão para aumentar as hostilidades entre governo e Congresso. Refletirão nas discussões e votações finais.

Há quem veja a emenda do Centrão derrotada, sem os 280 votos necessários à sua aprovação. Poderia, dois dias depois, ser aprovado o texto da Comissão de Sistematização, que prevê eleições presidenciais este ano? A princípio parece difícil, e, a resultar da falta de número para as duas alternativas, estará a negociação. Ou o buraco negro. Conclui-se não estar afastada qualquer alternativa.

Será nisso que joga o deputado Ulysses Guimarães? Pode ser. Sua influência surge decisiva, e sempre é bom lembrar que, para o seu futuro político, nada melhor do que eleições presidenciais em novembro próximo. Seria o candidato certo do PMDB, agora. No ano que vem, ou no outro, nem pensar.

Por tudo isso, sente-se o clima ficar tenso, em Brasília. Experiente, o presidente José Sarney gostaria de ver interrompida a guerra com a CPI do Senado. Ela funciona como pedra no sapato, incômoda e capaz de acirrar ainda mais os ânimos, influenciando a opinião pública e grupos constituintes. Mesmo sem se entrar no mérito da atuação da CPI, ou na motivação política de seus integrantes, basta reconhecer os fatos. A possibilidade de se interpelar o próprio presidente, por via judicial, seria menos traumática do que o seu inviável e impossível comparecimento diante dos senadores, mas também aumentaria as sequelas. Em suma, o que parecia certo, semanas atrás, ficou duvidoso: o mandato do presidente José Sarney poderá ser fixado em quatro anos, ainda que, por enquanto, a maioria pareça favorável aos cinco.

A maioria constituinte também sofrerá influência de outro fator, talvez o mais importante de todos: a opinião pública. Muitas vezes deputados e senadores têm decidido contra os anseios nacionais, como no episódio das Diretas Já, mas há um limite em que cada um costuma pensar duas vezes. Naquela época, havia o regime militar, e os cálculos se faziam, em parte, em função do medo. Ninguém garantia que uma decisão contrária aos desígnios do Olimpo não despertasse a ira dos deuses. Hoje é diferente. Os deuses são outros. Não vestem mais farda e perderam a máquina de lançar raios. Portam, isto sim, título de eleitor. A identificação de quem ficar contra os desejos gerais, inequivocamente em favor de eleições imediatas, poderá custar centenas de mandatos. As eleições parlamentares serão em 1990.

Uma informação final sobre os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte: espera-se para julho a promulgação da nova Carta [ela acabaria ocorrendo em 5 de outubro], entrando em discussão a melhor data. Ironicamente, não poderá ser dia 4, quando se comemora a independência dos Estados Unidos. Nem dia 14, queda da Bastilha. Muito menos a 26, aniversário da revolução cubana.


Mandato presidencial será de quatro anos (10 de março de 1994) – Folha de S. Paulo, da sucursal de Brasília

O Congresso revisor aprovou ontem, em primeiro turno, o parecer do relator da revisão [constitucional], deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), reduzindo o mandato presidencial para quatro anos. O quórum foi um dos mais altos já registrados desde o início da revisão: 452 congressistas votaram. Deste total, 429 votaram a favor da redução do mandato presidencial, 17 contra e seis se abstiveram. A proposta de Jobim já reduz o mandato do próximo presidente eleito.

Os oito partidos que encontravam-se em obstrução (PT, PDT, PTB, PSB, PV, PC do B, PSTU e PMN) decidiram participar da votação, a partir do momento em que o painel eletrônico registrou que havia sido atingido o quórum mínimo necessário (293). As lideranças de todos os partidos encaminharam que suas bancadas votassem favoravelmente à redução.

A emenda aprovada em primeiro turno substitui a expressão “cinco anos” para “quatro anos”, do artigo 82 da Constituição, que dispõe sobre o mandato presidencial. O relator disse que o objetivo é fazer com que a eleição e os mandatos dos presidentes passem a coincidir com a dos parlamentares.

[Curiosidade: não pude deixar de notar que havia um deputado do PSTU, partido que nunca elegeu pra Câmara, até onde eu saiba. Porém, pelo que pesquisei, trata-se de Ernesto Gradella, eleito pelo PT, mas pertencente à Convergência Socialista, corrente expulsa em 1992 e reunida no novo partido em 1994. A informação é da própria Folha de 8 de abril de 1995, e mesmo não tendo sido eleito pra mais nada, Gradella segue vivo e atuante!]


EMENDA CONSTITUCIONAL DE REVISÃO N.º 5, DE 07 DE JUNHO DE 1994 (Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos)

Altera o art. 82 da Constituição Federal.

A Mesa do Congresso Nacional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, combinado com o art. 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, promulga a seguinte emenda constitucional:

Art. 1.º No art. 82 fica substituída a expressão cinco anos por quatro anos.

Art. 2.º Esta Emenda Constitucional entra em vigor no dia 1.º de janeiro de 1995.

Brasília, 7 de junho de 1994.

HUMBERTO LUCENA
Presidente [do Senado Federal]


Revisão constitucional acabou após oito meses (10 de março de 1994) – Folha de S. Paulo, da sucursal de Brasília

Após oito meses o Congresso revisor encerrou terça-feira seus trabalhos. Em todo esse período, apenas seis mudanças na Carta foram aprovadas, quase todas elas de pouco interesse.

As emendas mais importantes foram a que reduziu o mandato do presidente da República de cinco para quatro anos e a que criou o Fundo Social de Emergência.

Em quase todas as sessões, faltou quórum ou houve obstrução. A última não foi diferente. A resistência do PDT e do PPR e, novamente, a crônica falta de quórum impediram a aprovação de proposta que permitiria a retomada da revisão em 1995.

Fracassada a revisão, os partidos começaram a discutir formas de viabilizar mudanças na Constituição no próximo ano.

Agora, a única forma é através de emenda constitucional, cuja aprovação exige quatro votações (dois turnos na Câmara e Senado, separadamente) e quórum de três quintos (302 na Câmara e 49 no Senado).


O fracasso da revisão constitucional de 1994 (19 de agosto de 2008) – da Redação da Agência Senado

A revisão constitucional, prevista na própria Carta de 88 para cinco anos depois, acabou em fracasso, com apenas seis emendas aprovadas no primeiro semestre de 1994. Quando os constituintes colocaram na Carta a previsão de que ela seria revisada pelo Congresso, imaginavam que então seria o momento para modificar o que não dera certo e melhorar alguns pontos.

No entanto, a revisão chegou em uma época de crise e de paralisia, pois o Congresso, depois da CPI do PC Farias, havia enfrentado a CPI do Orçamento, que levou à cassação de seis parlamentares e à renúncia de outros. O senador Marco Maciel (DEM-PE) afirma ainda que o presidente Itamar Franco também não se interessou pela revisão. Um ano antes, os brasileiros haviam manifestado em plebiscito que não queriam mudar a forma e o sistema de governo, mantendo a República presidencialista.

Fora isso, a revisão constitucional foi realizada quando os brasileiros estavam voltados para as primeiras medidas do Plano Real, a começar por uma estranha “moeda de referência” chamada URV – Unidade Real de Valor. Os supermercados exibiam preços em cruzeiro real e em URV. O ano de 1994 também teria eleições e os deputados e senadores não queriam mexer em uma Constituição que fora saudada com entusiasmo pela sociedade, lembra o senador Marco Maciel.

Some-se a isso o temor que tinham os parlamentares oposicionistas quanto à possibilidade de reorganização do grupo político conhecido na imprensa por “Centrão”, o qual poderia impor retrocessos aos avanços sociais obtidos cinco anos antes. Nos seus primeiros anos, a Constituição foi muito criticada por empresários, sob o argumento de que ela apresentava direitos em excesso e poucos deveres para os trabalhadores e cidadãos.

Assim, as seis emendas de revisão, que tratavam de assuntos específicos, foram aprovadas sem maiores polêmicas. Uma delas reduziu o mandato do presidente da República de cinco para quatro anos e outra criou o Fundo Social de Emergência, considerado como essencial para implantar o programa econômico do governo Itamar Franco, permitindo ao governo dispor com autonomia de parte da arrecadação para o saneamento financeiro da União. Foi aprovada ainda a suspensão dos efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo de perda de mandado.