O economista “libertário” Javier Milei, do jovem partido La Libertad Avanza, está liderando as pesquisas de intenção de voto pra eleição presidencial argentina deste ano e teve mais votos que os outros candidatos nas chamadas “PASO”, que são uma espécie de primárias públicas e obrigatórias pra definir qual será o candidato em determinados partidos. Prometendo mundos e fundos pra tirar o país do buraco onde se encontra, Milei prega medidas de cunho ultraliberal, praticamente acabando com o Estado e deixando ao léu as pessoas que necessitam de ajuda social, estranhamente misturadas com ideias religiosas, negacionistas da ciência e contrárias a avanços societários. Como já conhecemos com Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro, os mais pobres são os mais vulneráveis a seu discurso salvacionista, mas os sindicatos, a burocracia e a velha política argentinos são tão fortes que podem dificultar ou impedir todo seu trabalho, senão tirá-lo do cargo na primeira oportunidade.
O resumo da ópera é que Milei não tem a mínima coerência no que fala e limita sua visão de mundo à própria bolha cultural e conceitual de onde jamais saiu, em grande parte moldada, exatamente como no Brasil, por uma adoração acrítica dos EUA e pela imitação malfeita de Donald Trump. Mas como sua eleição é altamente provável, embora as cartas ainda estejam na mesa (porque o peronista Sergio Massa parece querer muito mais um segundo turno com ele do que com a liberal Patricia Bullrich, a qual acusa ambos de um “pacto secreto”), já devemos estar psicologicamente preparados pra uma futura desestabilização nas relações Brasília-Buenos Aires e na arquitetura política da América do Sul. O máximo que podemos fazer é rir de algumas de suas falas malucas (não por menos ele recebeu o apelido de “El Loco”), espantosamente idênticas às feitas por Bolsonaro durante seu obscuro período no Planalto, dadas em entrevista ao repórter reacionário estadunidense Tucker Carlson, ex-trumpista demitido da Fox News, que as publicou em sua conta na rede X.
Posso estar enganado, mas Carlson deve ter rido internamente o tempo todo da cara de Milei, como todo imperialista ri da cara do colonizado com síndrome de Estocolmo, mas com o agravante da própria aparência do entrevistado ser facilmente caricaturizada. E algumas das perguntas com assuntos completamente inúteis devem ter sido muito nesse sentido, como este trecho que selecionei do canal do YouTube do candidato, em que a dupla discorre sobre a feiura dos prédios de Buenos Aires e sua suposta associação com um “esquerdismo” dominante no país. A vinculação de tal estética com “desvios morais” dos “socialistas” é algo tão delirante que não resisti em editar o trecho inserindo alguns “memes” mais ou menos antigos ao invés de deixar somente a fala, e realmente tive de cortar várias pausas na fala de Milei pra não deixar a montagem intragável.
Seguem o referido trecho, minha tradução direta do inglês (que tirei de ouvido, e não das legendas) e do espanhol, sem transcrição das falas originais, e enfim os memes pra quem se interessar por usá-los em seus próprios vídeos ou simplesmente os conhecer. Esta reportagem contém alguns trechos da fala de Milei, que usei pra tirar a dúvida de uma palavra que não consegui entender de jeito nenhum:
O que é a justiça social? Roubar de uma pessoa o fruto de seu trabalho e dá-lo a outra. Isto é, apoiar a justiça social é apoiar o roubo. Portanto, o problema é que você está infringindo os Dez Mandamentos.
Então, quando você observa, e é fascinante observar a cidade de Buenos Aires, e a arquitetura é uma mistura de prédios sublimemente bonitos e prédios estupidamente feios, parece que você está olhando um morro arqueológico, em que a arquitetura corresponde a certos períodos políticos. Será que você acredita que o socialismo, o esquerdismo produz feiura?
Essa é uma primeira caracterização da Argentina: no tocante à Cidade Autônoma de Buenos Aires, quando alguém olha a arquitetura, a arquitetura da Argentina liberal é a que provoca tanto encanto e é deslumbrante, porque é a arquitetura da Argentina gloriosa, da Argentina liberal. O melhor exemplo disso é o Teatro Colón, um dos melhores teatros líricos do mundo, porque é o reflexo dessa Argentina pujante, liberal, admirada pelo mundo inteiro. E depois, todas as construções planas, quadradas... O melhor exemplo é o que numa certa época se chamava Ministério de Obras Públicas ou Ministério de Ação Social, sei que está na [Avenida] 9 de Julio. Um prédio realmente feio, com características abertamente soviéticas. E mais: numa época tinha uma estátua, que agora foi tirada, com a mão nesta posição [ver imagem a 1 min 59 seg] pra simbolizar uma coima [propina, no espanhol regional], uma das coisas postas por quem fez o prédio, em protesto contra o tanto de propina que lhe pediram enquanto executava o serviço. Essa é a arquitetura, e cada vez mais chata, cada vez mais feia, e as únicas partes que progridem são as que têm negócios vinculados aos políticos.
Você descreveu os prédios esquerdistas como quadrados, planos e feios. Por que a esquerda adora tanto o concreto? Os prédios antigos de vocês foram construídos com pedra e gesso, mas os novos são prédios socialistas de concreto. Por que isso?
Porque... tem a ver com os valores da esquerda. Os valores subjacentes às ideias de esquerda são a inveja, o ódio, o ressentimento, o tratamento desigual perante a lei e a violência. Então, todo esse altruísmo socialista termina gerando uma contaminação por incentivos que geram pobreza. Então, claro, digo que quando alguém é pobre, digamos, o prédio que pode construir é claramente típico de alguém pobre. Porque isso é interessante: o socialismo é sempre e em todo lugar um fenômeno violento, assassino e empobrecedor. Essa é a característica do socialismo.
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