domingo, 22 de dezembro de 2024

Macron em Mayotte: “Sem a França, vocês estariam na m...”


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Macron despirocou de vez. O presidente da França e seus aliados mais próximos já eram acusados há um bom tempo de se alienar da realidade popular e simplesmente não enxergar males óbvios por que o povo passava. O ex-banqueiro nunca foi muito amado pela população, que votava mais nele pra evitar a eleição de Marine Le Pen, cujo partido, após inúmeras repaginações, já parece mais palatável ao “Monsieur Tout le Monde” pelicotiano. Jamais tendo ocupado cargos eletivos antes, sempre pareceu que ele interpretava o “mandato popular” como um “cheque em branco” pra fazer o que quisesse, sem considerar opiniões ou críticas de terceiros, e que a massa engolisse no seco e esperasse até o fim do ciclo pra se pronunciar de novo.

Arrogante, antipático, prepotente, grosseiro e empolado: esse é o ser com quem a Jararaca (o qual parece não o conhecer realmente, devido a seus filtros mentais plantados pela cibermilitância) insiste em manter um “bromance” e que deu à Mindona da Alvorada, sem qualquer justificativa, a mais alta condecoração da França. Esse é o ser que quer torpedear o acordo Mercosul-UE porque seus agricultores pouco eficientes querem continuar mamando nas tetas do Estado. François Bayrou, seu mentor de “extremo-centro” e opção derradeira como primeiro-ministro, ignora a desprezível dinâmica tiktokiana da política moderna e já começou mal com sua não explicação aos parlamentares sobre uma possível despreocupação com o furacão que devastou a ilha de Mayotte (perto do arquipélago independente de Comores, entre Madagascar e Moçambique) na semana passada.

O “prefeito de Pau” (interprete como quiser, rs) chegou ao paroxismo de cometer a seguinte gafe, ao justificar não ter ido ao departamento ultramarino (vulgo colônia) francês: “Não é costume o presidente e o primeiro-ministro deixarem o território nacional ao mesmo tempo.” Ele quis dizer a “metrópole”, o “Hexágono”, mas aí o estrago colonialoide já tava feito. Mas nada comparável, claro, ao modo como Macron tratou os habitantes de Mayotte que reclamavam da suposta ineficiência dos serviços de socorro e suprimentos. É só um corte, e além de outros momentos tensos, houve momentos mais calmos, mas falar nessa linguagem e nesse tom, publicamente, com uma população pobre e submetida a uma catástrofe natural, só conheço uma pessoa no mundo com a mesma pachorra: Jair Messias Bolsonaro, que certamente sequer sujaria as mãos, no máximo imitaria destelhados e bradaria valentemente “E daí? Quer que eu faça o quê? Eu não sou pedreiro!”



Só essa “saída” já lhe poderia custar uma deposição (que é muito mais difícil e tortuosa do que no Brasil, exceto se ele tivesse a mesma hombridade de um Chienlit Lagosta de Gaulle que renunciou em 1969), pra cujo ânimo muitas forças estão atiçadas, por outras razões ainda. O jornal esquerdista Libération recolheu as opiniões de vários políticos que acharam a cena “lamentável” e indicativa de um “abandono institucional” daquela que já era a subdivisão administrativa mais pobre da França. Porém, antes de passar pro assunto principal, quero adicionar outro escândalo evocado pelo Le Monde e relativo a supostas falas racistas, homofóbicas e misóginas feitas por Macron em privado.

Vou traduzir parte do conteúdo mais ou menos literalmente, mas outras agências brasileiras também exploraram melhor o caso. Em dezembro de 2023, discutindo com o secretário-geral da Presidência e o então ministro da Saúde uma possível supressão da Ajuda Médica Estatal (AME), cujos beneficiários são estrangeiros em situação irregular e cuja supressão era exigida pela extrema-direita, Macron teria dito: “O problema dos serviços de emergência é que estão saturados de Mamadou”. Um prenome genérico pra se referir pejorativamente aos imigrantes da África negra. Em outras ocasiões, Marine Tondelier, chefe dos Ecologistas, e Lucie Castets, proposta este ano como primeira-ministra pela NFP, ambas da oposição de esquerda, teriam sido chamadas de “vacas” (“cocottes”, também aproximável como “Caios Blinders piranhas” ou “peruas”). Sobrou até pra Gabriel Attal, seu ex-premiê gay, e os conselheiros deste, todos apelidados de “gaiola das loucas”.

Óbvio que a assessoria da Presidência desmentiu tudo isso, signo de uma “deliquescência do poder”, segundo a oposição, termo também usado exatamente pela imigração anti-Putin pra descrever a situação atual do Estado russo, sobretudo desde a invasão da Ucrânia. Mas enfim, sublinhando que Macron parece igualmente demonstrar um desprezo almofadinha pelos países do sul da África circundantes, vamos logo ao que interessa:




Pois bem, passei o dia com vocês, estou tentando falar e já faz um tempo que também estou me esgoelando pra falar. Se alguém me ouviu dizer “Está tudo bem”, levante a mão. Bem, então, por que vocês estão me obrigando a dizer isso? Eu, então, lhes digo: todos estão lutando. Vocês viveram algo terrível, todos estão lutando. Qualquer que seja a cor de sua pele. E não coloquem uns contra os outros. Se vocês colocarem uns contra os outros, estamos ferrados. Porque vocês estão felizes por estar na França. Porque se não fosse a França, tenho que dizer, vocês estariam dez mil vezes mais na merda! Não há um só lugar no oceano Índico onde as pessoas sejam tão ajudadas. Essa é a realidade. Portanto, não se pode querer ser um departamento francês e dizer que nada está funcionando, enquanto a França está sendo solidária. Qual é o outro território dessa região e de outros lugares que manda água, cargas e socorristas como se faz aqui? Então, todo mundo tem que se respeitar, vamos aguentar até o fim se agirmos em equipe. Não, e então vocês têm uma escolha simples, vocês são uma equipe. [Mas] Vocês estão se dividindo...


Alors, j’ai passé la journée avec vous, j’essaie de parler, et depuis tout à l’heure je m’égosille moi aussi pour parler. Si quelqu’un m’a entendu dire « Tout va bien », levez le doigt. Bon, alors, pourquoi vous me faites dire ça ? Donc moi, je vous dis : tout le monde se bat. Vous avez vécu quelque chose de terrible, tout le monde se bat. De quelle que soit la couleur de peau. Et n’opposez pas les gens. Si vous opposez les gens, on est foutu. Parce que vous êtes contents d’être en France. Parce que si c’était pas la France, pour vous dire, vous seriez mille fois plus dans la merde ! Il n’y a pas un endroit de l’océan Indien où on aide autant les gens. C’est la réalité. Et donc on peut pas vouloir être un département français et dire que ça marche pas dès que la France est en solidarité. Quel est l’autre territoire de cette région comme ailleurs qui livre de l’eau, du fret, des soignants comme on le fait ici ? Alors, faut que tout le monde se respecte, on tiendra jusqu’au bout si on est en équipe. Non, et donc vous avez un choix simple, vous êtes une équipe. Vous vous divisez…


Curiosamente, não foi um “Mamadou”, mas um “Hamadou”, que saiu em defesa do Espantalho da Picardia, comentando numa página do Facebook: “Deve-se estimar a liberdade de expressão, a qual admiro, apesar de tudo. A senhora [que aparece em outros cortes do vídeo] se expressa e o presidente lhe responde. Aqui na África é impossível dizer suas verdades na cara de um presidente. Macron pode parecer ridículo, mas o acho realmente próximo de seu povo.” Aham, Ismael, senta lá...

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