sábado, 22 de outubro de 2022

Friedrich Engels (Vladimir Lenin)


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Esta é a primeira das três brochuras escritas por Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), revolucionário comunista russo, que traduzi pra editora Expressão Popular publicar, o que ela só fez com a segunda delas que vou pôr aqui. A que lhes apresento hoje se chama “Friedrich Engels”, (1) redigida no outono de 1895 e publicada pela primeira vez em 1896 na coletânea Rabotnik (O Trabalhador), n.º 1-2. O texto está conforme o que aparece na coletânea Rabotnik, e as notas são dos redatores soviéticos, exceto quando está indicado que são notas de Lenin ou minhas mesmo, de tradutor, bem poucas. Sem as notas da edição soviética, o original em russo pode ser lido nesta página.



Que castiçal de inteligência apagou-se,
Que coração parou de bater!
(2)


A 5 de agosto (24 de julho, pelo calendário ortodoxo) de 1895 faleceu em Londres Friedrich Engels. Depois de seu amigo Karl Marx (falecido em 1883), Engels foi o mais eminente cientista e professor do proletariado moderno em todo o mundo civilizado. Desde que o destino pôs Karl Marx e Friedrich Engels cara a cara, a vida laboral de ambos os amigos se tornou seu encargo comum. Por isso, a fim de compreender o que Friedrich Engels fez pelo proletariado, é preciso assimilar claramente o significado dos ensinamentos e da atuação de Marx no desenvolvimento do movimento operário moderno. Marx e Engels foram os primeiros a mostrar que a classe operária é o fruto ineludível da ordem econômica moderna, a qual junto com a burguesia inevitavelmente engendra e organiza o proletariado; eles mostraram que não são as tentativas benevolentes de nobres indivíduos isolados, mas a luta de classes do proletariado organizado que livrará a humanidade das desgraças que estão a afligi-la. Em seus escritos científicos, Marx e Engels foram os primeiros a elucidar que o socialismo não é uma fantasia de sonhadores, mas o objetivo final e o resultado inevitável do desenvolvimento das forças produtivas na sociedade moderna. Toda a história escrita tem sido até agora a história da luta de classes, da sucessão de dominadores e do triunfo de certas classes sociais sobre as outras. E isso vai continuar enquanto não desaparecerem os fundamentos da luta de classes e do domínio classista, isto é, a propriedade privada e a produção social desordenada. Os interesses do proletariado exigem a aniquilação desses fundamentos, contra os quais, portanto, deve dirigir-se a luta de classes consciente dos operários organizados. E toda luta de classes é uma luta política.

Essas visões de Marx e Engels já foram assimiladas por todos os proletários que lutam pela própria libertação, mas, quando dois amigos na década de 1840 tomaram parte na literatura socialista e nos movimentos sociais de seu tempo, tais concepções eram uma absoluta novidade. Havia então muitas pessoas talentosas e incapazes, íntegras e desonestas, que, atraídas para a luta pela liberdade política e contra o absolutismo da nobreza, da polícia e do clero, não enxergavam a contradição entre os interesses da burguesia e do proletariado. Essas pessoas não admitiam sequer a ideia de um operariado que atuasse como força social independente. Por outro lado, havia muitos sonhadores, por vezes geniais, que julgavam suficiente convencer os governantes e as classes dominantes das injustiças da ordem social presente, para então facilmente se instalarem no mundo a paz e a prosperidade geral. Eles sonhavam com um socialismo sem luta. Enfim, quase todos os socialistas e amigos da classe operária de então geralmente viam o proletariado apenas como uma chaga, observando com horror como o próprio crescimento industrial estava gerando essa chaga. Por isso, todos eles pensavam como se fosse preciso deter o desenvolvimento da indústria e do proletariado, deter a “roda da história”. Contrariando o temor geral perante o crescimento do proletariado, Marx e Engels depositaram todas as suas esperanças em sua ininterrupta evolução. Quanto mais proletários, mais fortes estes seriam como classe revolucionária, e mais próximo e possível seria o socialismo. Em poucas palavras, os méritos de Marx e Engels diante da classe operária podem ser descritos assim: eles ensinaram-na a conhecer-se e a ter consciência de si, e no lugar dos devaneios colocaram a ciência.

É por isso que o nome e a vida de Engels devem ser conhecidos por todo operário, é por isso que em nossa coletânea, cujo objetivo, como o de todas as nossas publicações, é despertar a consciência de classe no operariado russo, devemos incluir o básico da vida e atuação de Friedrich Engels, um dos dois grandes professores do proletariado moderno. Engels nasceu em 1820 na cidade de Barmen, na província do Reno, Reino da Prússia. Seu pai era um industrial. Em 1838, por circunstâncias familiares, Engels foi forçado, mesmo não tendo terminado o curso ginasial, a ir trabalhar como vendedor numa casa comercial de Bremen. A ocupação com o mundo dos negócios não o impediu de dedicar-se à própria formação científica e política. Ainda como ginasiano, Engels passou a abominar o absolutismo e a arbitrariedade dos burocratas. O estudo da filosofia o conduziu mais longe. Naquele tempo predominavam na filosofia alemã os ensinamentos de Hegel, de quem Engels se tornou um seguidor. Embora o próprio Hegel fosse um admirador do Estado absolutista prussiano, a serviço do qual ele se encontrava na qualidade de professor da Universidade de Berlim, os ensinamentos de Hegel eram revolucionários. A fé de Hegel na razão humana e em seus direitos e o pressuposto básico da filosofia hegeliana, segundo o qual ocorre no mundo um processo constante de mudança e desenvolvimento, conduziram os alunos do filósofo berlinense que não queriam conciliar-se com a situação presente à ideia de que o combate a essa situação, à injustiça existente e ao mal reinante também tinha raízes na lei universal do desenvolvimento perene. Se tudo evolui, se certas instituições sucedem-se a outras, por que é que continuariam eternamente o absolutismo do rei da Prússia ou do tsar da Rússia, o enriquecimento de uma ínfima minoria às custas de uma enorme maioria, o domínio da burguesia sobre o povo? A filosofia de Hegel discorria sobre o desenvolvimento do espírito e das ideias, ela era idealista. Do desenvolvimento do espírito ela deduzia o desenvolvimento da natureza, do homem e das relações humanas, sociais. Marx e Engels, tendo mantido a noção de Hegel sobre o processo perene de desenvolvimento, (3) descartaram o preconceito analítico idealista; tendo se voltado para a vida, els viram que não é o desenvolvimento do espírito que explica o desenvolvimento da natureza, mas pelo contrário, o espírito deve ser explicado a partir da natureza, da matéria... Em contraposição a Hegel e outros hegelianos, Marx e Engels eram materialistas. Com um olhar materialista sobre o mundo e a humanidade, eles viram que, assim como na base de todos os fenômenos da natureza repousam causas materiais, também o desenvolvimento da sociedade humana é determinado pelo desenvolvimento das forças materiais, produtivas. Do desenvolvimento das forças produtivas dependem as relações que as pessoas estabelecem umas com as outras durante a produção de mercadorias indispensáveis para a satisfação das necessidades humanas. E nessas relações está a explicação de todos os fenômenos da vida social, das aspirações humanas, das ideias e das leis. O desenvolvimento das forças produtivas cria as relações sociais que se apoiam na propriedade privada, mas agora vemos como esse mesmo desenvolvimento retira a propriedade das mãos da maioria e a concentra nas mãos de uma ínfima minoria. Ele aniquila a propriedade, base da ordem social moderna, ele próprio se empenha pelo mesmo objetivo que os socialistas se propuseram. Os socialistas devem apenas entender qual força social, por sua situação na sociedade moderna, está interessada na realização do socialismo e transmitir a essa força a consciência de seus interesses e de sua missão histórica. Tal força é o proletariado. Com ele Engels travou conhecimento na Inglaterra, no centro da indústria inglesa, Manchester, para onde ele se mudou em 1842, quando começou a trabalhar numa casa comercial da qual seu pai era um dos acionistas. Aí Engels não somente se acomodava no escritório da fábrica, mas também andava pelos bairros sujos onde os operários se amontoavam, vendo com seus próprios olhos a miséria e a desgraça deles. Mas ele não se contentou com as observações pessoais e leu tudo o que lhe caía às mãos sobre a situação da classe operária inglesa, estudando atentamente todos os documentos oficiais a que tinha acesso. O fruto desses estudos e observações foi o livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, lançado em 1845. (4) Já mencionamos acima qual é o principal mérito de Engels como autor de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. E muitíssimos antes de Engels haviam retratado os sofrimentos do proletariado e apontado para a necessidade de ajudá-lo. Engels foi o primeiro a dizer que o proletariado não somente padece passivamente, mas também se encontra exatamente numa situação econômica tão humilhante que o faz avançar sem hesitação e o obriga a lutar por sua libertação final. E o proletariado combatente é que ajudará a si mesmo. O movimento político da classe operária conduz fatalmente os operários a ter consciência de que eles não têm saída fora do socialismo. Por outro lado, o socialismo somente será uma força quando se tornar o objetivo da luta política da classe operária. Eis as noções fundamentais do livro de Engels sobre a situação da classe trabalhadora na Inglaterra, noções agora assimiladas por todo o proletariado pensante e combatente, mas na época uma absoluta novidade. Essas noções foram expostas num livro escrito de forma entusiástica, cheio das mais fidedignas e impressionantes imagens da desgraça do proletariado inglês. Esse livro é um terrível requisitório contra o capitalismo e a burguesia. O impacto que ele provocou foi muito grande. Por toda a parte começou-se a mencionar o livro de Engels como o melhor quadro da situação do proletariado moderno. E realmente, nem antes de 1845 nem depois apareceu uma só representação tão vívida e veraz da desgraça da classe operária.

Engels só se tornou socialista na Inglaterra. Em Manchester ele estabeleceu contatos com os ativistas do movimento operário inglês de então e começou a escrever em periódicos socialistas ingleses. Em 1844, ao voltar para a Alemanha, ele conheceu Marx em Paris no meio do caminho, tendo já antes trocado correspondência com ele. Em Paris, por influência dos socialistas franceses e da vida local, Marx também se tornou socialista. Os amigos aí escreveram juntos o livro A Sagrada Família, ou crítica da crítica crítica. (5) Nesse livro, lançado um ano antes de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra e na maior parte escrito por Marx, foram lançadas as bases do socialismo revolucionário materialista, cujas ideias principais expusemos acima. A Sagrada Família é um apelido cômico dado aos irmãos Bauer, filósofos, e seus continuadores. Esses senhores pregavam uma crítica que se colocava acima de qualquer realidade, acima dos partidos e da política, negava qualquer atitude prática e apenas contemplava “criticamente” o mundo ao redor e os acontecimentos que nele ocorriam. Os senhores Bauer julgavam com arrogância o proletariado como uma massa sem opinião própria, e contra essa absurda e perigosa orientação se ergueram decididamente Marx e Engels. Em nome do verdadeiro indivíduo humano – o operário pisoteado pelas classes dominantes e pelo Estado –, eles exigiam não a contemplação, mas a luta por um sistema social melhor. No proletariado, obviamente, eles veem a força interessada nessa luta e capaz de conduzi-la. Ainda antes da Sagrada Família, Engels havia publicado nos Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco-Alemães) (6) de Marx e Ruge o Esboço de uma crítica da economia política (7), no qual ele analisou, de um ponto de vista socialista, os fenômenos básicos da presente ordem econômica como decorrências inevitáveis do domínio da propriedade privada. As relações com Engels indiscutivelmente colaboraram para que Marx decidisse ocupar-se da economia política, a ciência em que seus trabalhos provocaram toda uma revolução.

No tempo decorrido entre 1845 e 1847 Engels esteve em Bruxelas e Paris, unindo suas atividades científicas com a atuação prática nos meios operários alemães daquelas cidades. Engels e Marx estabeleceram aí relações com a clandestina “Liga dos Comunistas” alemã, (8) que os encarregou de redigir os princípios básicos do socialismo elaborado por eles. Assim surgiu o célebre Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, publicado em 1848. Esse fino livrinho vale por volumes inteiros: em seu espírito, até hoje vive e se move todo o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado.

A revolução de 1848, tendo irrompido inicialmente na França e depois se propagado para outros países da Europa Ocidental, trouxe Marx e Engels de volta à terra natal. Aí, na província prussiana do Reno, eles tomaram a frente da Nova Gazeta Renana (9) democrática, que era publicada em Colônia. Ambos os amigos eram a alma de todos os esforços democrático-revolucionários na província do Reno. Até o limite do possível eles defendiam os interesses do povo e da liberdade contra as forças reacionárias. Estas, como se sabe, predominaram. A Nova Gazeta Renana foi interditada, Marx foi exilado, tendo perdido os direitos de súdito da Prússia enquanto vivia na emigração, e Engels participou de um levante popular armado, em três batalhas lutou pela liberdade e escapou, após a derrota dos insurgentes, para Londres através da Suíça. Marx também se fixou ali mesmo. Engels logo se tornaria vendedor novamente, e depois também acionista da casa comercial em Manchester à qual ele havia servido na década de 1840. Até 1870 ele viveu em Manchester, e Marx em Londres, o que não os impedia de encontrar-se na mais viva comunicação intelectual: eles trocavam cartas quase diariamente. Nessa correspondência os amigos trocavam visões e saberes e continuaram elaborando o socialismo científico. Em 1870, Engels transferiu-se para Londres e até 1883, quando Marx morreu, essa vida intelectual conjunta continuou, plena de trabalho intenso. Da parte de Marx, o fruto dela foi O capital, a maior obra político-econômica de nosso século, e da parte de Engels, toda uma série de grandes e pequenos escritos. Marx trabalhava analisando os complexos fenômenos da economia capitalista. Engels, em trabalhos escritos de forma muitíssimo simples e não raro polêmica, esclareceu as questões científicas mais gerais e diversos fenômenos do passado e do presente no espírito da teoria econômica de Marx e da concepção materialista da história. Dentre esses trabalhos de Engels destacamos: um escrito polêmico contra Dühring (no qual se examinam as maiores questões nos campos da filosofia, das ciências naturais e das ciências sociais), (10) A origem da família, da propriedade privada e do Estado (11) (tradução russa publicada em São Petersburgo, 3.ª ed., 1895), Ludwig Feuerbach (12) (tradução russa com notas de G. Plekhanov, Genebra, 1892), um artigo sobre a política externa do governo russo (tradução russa em Sotsial-Demokrat, (13) Genebra, n.ºs 1 e 2), excelentes artigos sobre a questão habitacional (14) e, finalmente, dois pequenos, mas muitos valiosos, artigos sobre o desenvolvimento econômico da Rússia (Fridrikh Engels o Rossii [Friedrich Engels sobre a Rússia], tradução russa de V. I. Zasulich, Genebra, 1894). (15) Marx morreu sem ter tido tempo de deixar concluído seu grande trabalho sobre o capital. Porém, suas linhas gerais já estavam traçadas, e após a morte do amigo, coube a Engels lançar-se à tarefa árdua de preparar e publicar os livros II e III do Capital. Em 1885 ele publicou o livro II, e em 1894 o livro III (ele não teve tempo de preparar o livro IV (16) ). Exigiu-se um enorme trabalho para preparar esses dois livros. O social-democrata austríaco Adler bem percebeu que Engels, ao editar os livros II e III do Capital, erigiu para seu genial amigo um monumento grandioso, sobre o qual ele involuntariamente gravou seu próprio nome com traços inapagáveis. Esses dois tomos do Capital são na realidade um trabalho conjunto de Marx e Engels. As velhas tradições populares nos contam sobre diferentes exemplos tocantes de amizade. O proletariado europeu pode dizer que sua ciência foi criada por dois sábios e lutadores, cujas relações superam todos os mais tocantes relatos dos antepassados sobre a amizade humana. Engels sempre – e, em geral, com absoluta justeza – se postou na dianteira de Marx. “Na dupla com Marx”, escreveu ele a um velho amigo, “eu fazia a segunda voz”. (17) Seu amor pelo Marx vivo e sua reverência ante a memória do Marx falecido eram ilimitados. Esse rígido pensador e severo lutador tinha uma alma totalmente afetuosa.

Após o movimento de 1848-1849, Marx e Engels se ocuparam no exílio não com uma ciência apenas. Marx fundou em 1864 a “Associação Internacional dos Trabalhadores”, (18) e no curso de toda uma década dirigiu seus trabalhos. Engels também teve uma participação ativa em seu funcionamento. A atuação da “Associação Internacional”, que unia, segundo a concepção de Marx, os proletários de todos os países, teve um enorme significado no desenvolvimento do movimento operário. Mas nem o fechamento da “Associação Internacional” na década de 1870 encerrou o papel unificador de Marx e Engels. Pelo contrário, pode-se dizer que a importância deles como dirigentes intelectuais do movimento operário não parou de crescer, pois o próprio movimento aumentou sem parar. Após a morte de Marx, Engels continuou sozinho sendo conselheiro e dirigente dos socialistas europeus. Também se dirigiam a ele em busca de conselhos e indicações os socialistas alemães, cuja força, apesar das perseguições governamentais, ampliou-se rápida e incessantemente, e os representantes dos demais países, como espanhóis, romenos e russos, que precisavam decidir e ponderar seus primeiros passos. Todos eles bebiam da abundante fonte de conhecimento e experiência do velho Engels.

Ambos conhecedores da língua russa e leitores de livros russos, Marx e Engels tinham um vivo interesse pela Rússia, acompanhavam com simpatia o movimento revolucionário russo e mantinham relações com os revolucionários russos. Ambos se tornaram socialistas após serem democratas, e o sentimento democrata de ódio ao despotismo político era neles extremamente forte. Esse sentimento político espontâneo, junto com uma profunda compreensão teórica das ligações entre o despotismo político e a opressão econômica, bem como uma rica experiência de vida, deram a Marx e Engels uma sensibilidade incomum precisamente no posicionamento político. Por isso, o combate heroico dos pequenos grupelhos de revolucionários russos ao poderoso governo tsarista encontrou nas almas desses experientes revolucionários a mais simpática ressonância. Por outro lado, a tendência a deixar de lado, em troca de proveitos econômicos ilusórios, a mais imediata e importante tarefa dos socialistas russos – conquistar as liberdades políticas – naturalmente se revelava suspeita a seus olhos e até mesmo era considerada por eles uma evidente traição à grande causa da revolução social. “A libertação do proletariado deve ser obra dele próprio”: eis o que Marx e Engels ensinavam constantemente. (19) E para lutar por sua libertação econômica, o proletariado deve conquistar para si determinados direitos políticos. Além disso, tanto Marx quanto Engels viam claramente que, para o movimento operário da Europa Ocidental, a revolução política na Rússia terá uma enorme importância. A Rússia absolutista sempre foi o esteio de todos os reacionários europeus. É claro que a situação nacional incomumente favorável na qual a Rússia foi colocada pela guerra de 1870, que semeou longamente a discórdia entre a Alemanha e a França, apenas ampliou a importância da Rússia absolutista como força reacionária. Somente uma Rússia livre, que não dependa nem de submeter poloneses, finlandeses, alemães, armênios e demais povos menores, nem de ficar jogando o tempo todo a França contra a Alemanha, permitirá que a Europa moderna respire aliviada sem os fardos da guerra, enfraqueça todos os elementos reacionários da Europa e amplie a força da classe operária europeia. É por isso que Engels, também para que o movimento operário triunfasse no Ocidente, desejava ardentemente que a liberdade política fosse instalada na Rússia. Sem ele, os revolucionários russos perderam seu melhor amigo.

Glória eterna a Friedrich Engels, grande lutador e professor do proletariado!


Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) O artigo necrológico “Fridrikh Engels” (Friedrich Engels) foi escrito por Lenin no outono de 1895, publicado no n.º 1-2 de Rabotnik e lançado em março de 1896 ou depois. Rabotnik (O Trabalhador) era uma coletânea não periódica editada no exterior entre 1896 e 1899 pela União dos Sociais-Democratas Russos, sob a redação do grupo “Osvobozhdenie trudá” (Libertação do Trabalho). O iniciador da publicação de Rabotnik foi Lenin. Em 1895, enquanto estava no exterior, ele combinou com G. V. Plekhanov e P. B. Akselrod sobre a edição e publicação da coletânea pelo grupo “Libertação do Trabalho”. Após voltar para a Rússia, Lenin desenvolveu um grande trabalho para organizar uma ajuda material a essa publicação e garantir à coletânea artigos e correspondências vindos da Rússia. Antes de ser preso em dezembro de 1895, Lenin preparou e enviou à redação de Rabotnik o artigo necrológico “Friedrich Engels” e algumas correspondências, parte das quais (de A. A. Vaneiev, M. A. Silvin e S. P. Shesternin) foi impressa nos números 1-2 e 5-6 da coletânea.

Ao todo saíram 6 números de Rabotnik em três livros e 10 números do Boletim do “Rabotnik”.

(2) Os versos usados como epígrafe ao artigo “Friedrich Engels” foram tirados por V. I. Lenin do poema Memórias de Dobroliubov, de N. A. Nekrasov (cf. N. A. NEKRASOV, Polnoie sobranie sochinenii i pisem [Obras e cartas completas], t. II, 1948, p. 200).

(3) [Nota de Lenin] Marx e Engels mostraram diversas vezes que em seu desenvolvimento intelectual eles são amplamente tributários dos grandes filósofos alemães, em particular de Hegel. “Sem a filosofia alemã”, diz Engels, “nem mesmo o socialismo científico existiria”. [Red. soviética ‒ F. ENGELS, Prefácio à Guerra camponesa na Alemanha (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. I, 1955, p. 604, em russo).]

(4) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 2, pp. 231-517 (em russo).

(5) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 2, pp. 3-230 (em russo).

(6) Lenin está se referindo à revista Deutsch-Französische Jahrbücher (Anais Franco-Alemães), publicada em Paris na língua alemã sob a redação de K. Marx e A. Ruge. Saiu apenas o primeiro fascículo duplo, em fevereiro de 1844. Nele foram publicadas as obras A questão judaica e Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel, de K. Marx, e Esboço de uma crítica da economia política e “A situação da Inglaterra. Resenha a Past and Present, de Thomas Carlyle”, de F. Engels (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 1, pp. 382-413, 414-429, 544-571 e 572-597, em russo), que marcaram a transição final dos autores ao materialismo e ao comunismo.

As divergências de princípios entre Marx e o burguês radical Ruge foram a principal razão de se ter cessado a publicação da revista.

(7) Referência ao trabalho Esboço de uma crítica da economia política, de F. Engels (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2. ed., t. 1, p. 544-571, em russo).

(8) A Liga dos Comunistas foi a primeira organização internacional do proletariado revolucionário. A criação da liga foi precedida de um grande trabalho de Marx e Engels direcionado à integração ideológica e organizativa dos socialistas e operários de todos os países. No início de 1847 Marx e Engels aderiram à sociedade clandestina alemã “Liga dos Justos”. No início de junho de 1847 ocorreu em Londres o congresso da Liga dos Justos em que se deu sua mudança de nome para “Liga dos Comunistas”; o vago lema anterior, “Todos os homens são irmãos!”, foi trocado pelo lema internacionalista combativo “Proletários de todos os países, uni-vos!”.

A Liga dos Comunistas estabeleceu como objetivo a derrubada da burguesia, a liquidação da velha sociedade burguesa baseada no antagonismo de classes e a construção de uma nova sociedade sem classes nem propriedade privada. Marx e Engels participaram dos trabalhos do segundo congresso da liga, ocorrido em Londres em novembro-dezembro de 1847, e encarregados por ele redigiram o programa da liga, o Manifesto do Partido Comunista, publicado em fevereiro de 1848. A Liga dos Comunistas desempenhou um grande papel histórico como escola dos revolucionários proletários, embrião de partido proletário e predecessora da Associação Internacional dos Trabalhadores (1.ª Internacional); conseguiu existir até novembro de 1852. A história da liga está descrita no artigo “Para a história da Liga dos Comunistas”, de F. Engels (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 320-338, em russo).

(9) A Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung) foi publicada em Colônia de 1.º de junho de 1848 a 19 de maio de 1849. Os diretores do jornal eram K. Marx e F. Engels, e o redator-chefe era Marx. Nas palavras de Lenin, o jornal foi “o melhor órgão do proletariado revolucionário, insuperável” (Obras completas, 4.ª ed., t. 21, p. 64, em russo), tendo desempenhado o papel de educador das massas populares, as levantado para o combate à contrarrevolução e exercido influência sobre toda a Alemanha. A opção decidida e intransigente da Nova Gazeta Renana pelo internacionalismo combativo acarretou já nos primeiros meses de sua existência o cerco do jornal por parte da imprensa feudal-monárquica e liberal-burguesa e a perseguição por parte do governo. O desterro de Marx pelo governo prussiano e as repressões contra outros redatores deram o pretexto para encerrar-se a publicação do jornal. Sobre a Nova Gazeta Renana, cf. o artigo “Marx e a Nova Gazeta Renana (1848-1849)”, de F. Engels (K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 311-319, em russo).

(10) [Nota de Lenin] É um livro admiravelmente instrutivo e rico em conteúdo. [Red. soviética ‒ Trata-se do livro O Anti-Dühring: o sr. Eugen Dühring revoluciona a ciência, de F. Engels.] Infelizmente, dele foi traduzida para o russo apenas uma pequena parte contendo um esboço histórico do desenvolvimento do socialismo (Razvitie nauchnogo sotsializma [O desenvolvimento do socialismo científico], 2.ª ed., Genebra, 1892). [Red. soviética ‒ Com esse título foi publicada em 1892 a tradução russa do trabalho Do socialismo utópico ao socialismo científico, de F. Engels, que esteve nas origens de três capítulos de seu próprio livro O Anti-Dühring (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 107-145, em russo).]

(11) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 160-310 (em russo).

(12) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 339-382 (em russo).

(13) V. I. Lenin se refere ao artigo “A política externa do tsarismo russo”, de F. Engels, publicado nos primeiros dois livros de Sotsial-Demokrat sob o título “A política estrangeira do tsarismo russo” (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XVI, parte II, 1936, pp. 3-40, em russo).

Sotsial-Demokrat (O Social-Democrata) foi uma revista político-literária editada pelo grupo “Libertação do Trabalho” no exterior (Londres e Genebra) de 1890 a 1892, tendo desempenhado um grande papel na difusão das ideias marxistas na Rússia; saíram ao todo quatro livros. Como principais colaboradores de Sotsial-Demokrat atuavam G. V. Plekhanov, P. B. Akselrod e V. I. Zasulich.

(14) Lenin se refere ao artigo “A questão habitacional”, de F. Engels (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. I, 1955, pp. 504-587, em russo).

(15) Referência ao artigo “Sobre as relações sociais na Rússia”, de F. Engels, e o posfácio a esse artigo, que saiu no livro Fridrikh Engels o Rossii [Friedrich Engels sobre a Rússia], Genebra, 1894 (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XV, 1933, pp. 251- 264; t. XVI, parte II, 1936, pp. 388-401). [N.T. – Queria fazer aqui uma observação meio cômica sobre a tradução, especialmente pra página. Não conheço o original em alemão, mas Lenin escreveu literalmente “Junto a Marx, eu tocava o segundo violino”, uma expressão pra dizer que Engels era seu coadjuvante. Numa orquestra, o(s) segundo(s) violino(s) não atua(m) durante a peça inteira, mas apenas quando exigido, pra dar uma adição à musicalidade, e às vezes é (são) muito repetitivo(s), o que exige igual ou maior habilidade do que pra tocar o(s) primeiro(s). Pra ficar mais próximo da realidade brasileira, usei nossas “duplas” sertanejas e o conceito de “segunda voz”, embora não chegasse tão longe a ponto de falar em “sertanejo”, porque esse tipo de voz pode ser usado em outros estilos, e porque desejei soar mais neutro...]

(16) Lenin chama de O quarto livro do “Capital”, seguindo a indicação de F. Engels, a obra Teorias da mais-valia, de K. Marx, escrita em 1862-1863. No prefácio ao segundo livro do Capital, Engels escreveu: “Tenciono publicar a parte crítica desse manuscrito [Red. soviética ‒ Teorias da mais-valia], depois de suprimidas as numerosas passagens já liquidadas pelos Livros Segundo e Terceiro, como Livro Quarto de O Capital” (K. MARX, O capital, t. II, 1955, p. 2 [ed. brasileira: O capital: crítica da economia política, v. 3, trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 6]). Porém, Engels não teve tempo de aprontar para a publicação o livro IV do Capital. Inicialmente, Teorias da mais-valia foi publicado em alemão após elaboração de K. Kautsky em 1905 e 1910. Nessa edição foram descumpridas as exigências básicas da publicação científica do texto e admitidas deturpações numa série de teses do marxismo.

O Instituto de Marxismo-Leninismo do CC do PCUS está lançando uma nova edição do trabalho Teorias da mais-valia (livro IV do Capital) em três partes, segundo o manuscrito de 1862-1863 (cf. K. MARX, Teorias da mais-valia (livro IV do Capital), parte I, 1955; parte II, 1957, em russo).

(17) Referência à carta de F. Engels a J. Ph. Becker, 15 de outubro de 1884 (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXVII, 1935, p. 415, em russo).

(18) A Associação Internacional dos Trabalhadores (1.ª Internacional) foi a primeira organização internacional do proletariado, fundada por Marx em 1864 numa conferência operária internacional convocada em Londres por operários ingleses e franceses. A formação da 1.ª Internacional ocorreu após K. Marx e F. Engels por muitos anos lutarem tenazmente por um partido revolucionário da classe operária. Como observou V. I. Lenin, a 1.ª Internacional “lançou os alicerces da organização internacional do operariado para preparar sua investida revolucionária sobre o capital”, “lançou os alicerces da luta proletária internacional pelo socialismo” (Obras completas, 4.ª ed, tomo 29, pp. 280 e 281, em russo).

O órgão diretivo central da 1.ª Internacional era o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, do qual K. Marx era membro vitalício. Superando as influências pequeno-burguesas e as tendências sectárias então reinantes no movimento operário (o trade-unionism na Inglaterra, o proudhonismo e o anarquismo nos países românicos), Marx consolidou ao seu redor os membros mais conscientes do Conselho Geral (F. Lessner, E. Dupont, H. Jung e outros). A 1.ª Internacional liderou a luta econômica e política dos operários de diferentes países e reforçou sua solidariedade internacional. O papel da 1.ª Internacional foi imenso na missão de difundir o marxismo e de unir o socialismo ao movimento operário.

Após a derrota da Comuna de Paris, surgiu diante da classe operária a questão da criação de partidos nacionais de massas baseados nos princípios promovidos pela 1.ª Internacional. “Levando em consideração o estado de coisas na Europa”, escreveu Marx em 1873, “certamente considero útil deixar temporariamente em segundo plano a organização formal da Internacional” (K. MARX e F. ENGELS, Cartas escolhidas, 1953, p. 288, em russo). Em 1876 a 1.ª Internacional foi oficialmente dissolvida na Conferência da Filadélfia.

(19) Cf. K. Marx, “Estatutos Provisórios da Associação”, “Estatutos Gerais da Associação Internacional dos Trabalhadores”; F. Engels, “Prefácio à edição alemã de 1890 do Manifesto do Partido Comunista” (K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XIII, parte I, 1936, p. 13; K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. I, 1955, pp. 6 e 344, em russo).



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