Esta entrevista foi publicada no site da Rádio França Internacional (RFI) em 7 de janeiro de 2025, exatamente dez anos após os atentados terroristas à sede do jornal satírico Charlie Hebdo e a um supermercado kosher por muçulmanos radicais, em Paris. Ela foi feita por Frédérique Genot com o criador da frase de efeito “Je suis Charlie” (“Eu sou Charlie”), que inesperadamente viralizaria no Équis (então chamado Twitter) e se tornaria um símbolo internacional nas manifestações contra o terrorismo e a intolerância religiosa. O título traduzido é “‘Je suis Charlie’: história da viagem ao absurdo de Joachim Roncin, autor de um bordão que viralizou”, e eu traduzi o texto usando o Google Chrome, mas cotejei com o francês e imprimi minha própria “cara” ao texto.
Uma dessas adaptações foi trocar a palavra internacional “slogan” por “bordão” (em tese, slogan é um tipo de bordão), apesar dos significados não corresponderem exatamente, mas evitar também a incomum “mote” e a comprida “palavra de ordem”. Dado que na época o hospício do Ilomasque se chamava “Twitter”, mantive esse nome, assim como as correspondentes palavras (tão abraçadas pelo português...) “tuíte” e “tuitar”, e traduzi “devenir viral” (lit. “se tornar viral”) e “viralité” respectivamente como “viralizar” e “viralização”, mais naturais:
No dia 7 de janeiro de 2015, Joachim Roncin estava na redação da revista Stylist, criada por ele, quando surgiu a notícia do ataque à redação do Charlie Hebdo. Menos de uma hora depois, ele tuitou um bordão que tomaria proporções incríveis, “JE SUIS CHARLIE” [Eu sou Charlie], três palavras escritas em branco e cinza sobre fundo preto. Nove anos depois, quando era diretor de design dos Jogos Olímpicos 2024 de Paris, ele contou a criação desse bordão em Une histoire folle, Comment j’ai créé JE SUIS CHARLIE et le voyage en absurdie qui a suivi [Uma história maluca: como criei JE SUIS CHARLIE e a viagem ao absurdo que se seguiu, sem edição em português], livro publicado no início de 2024 pela editora Grasset.
RFI – O que o levou a fazer este tuíte, JE SUIS CHARLIE, menos de uma hora depois do atentado contra o Charlie Hebdo naquele 7 de janeiro de 2015?
Joachim Roncin – Antes de tudo, foi uma sensação de estar incrédulo perante uma violência extrema que acontecia no coração de Paris. Estava com uma espécie de vontade de me expressar com relação a isso, porque sou alguém que trabalha com imagens e sempre trabalhei com imagens. Então, decidi fazer uma imagem em torno do que estava sentindo, dizer que eu mesmo era Charlie, porque me fazia lembrar da infância, uma espécie de nostalgia pela despreocupação quando via especialmente essa revista em cima da mesa do escritório de meu pai, por exemplo, e assim vai. Então, isso me levava de volta a toda aquela época, a década de 1980, quando via muito esses cartunistas, seja no programa “Droit de réponse” ou no “Club Dorothée”, em todos esses programas em que se viam esses cartunistas, que faziam parte de nosso cotidiano. De repente, acontecia algo extremamente sério com eles, algo em que eu não conseguia acreditar, porque achava que era impossível atacar pessoas que faziam desenhos.
RFI – Você tinha noção da dimensão que esse tuíte tomaria, retuitado mais de cinco milhões de vezes em poucos dias?
Roncin – Naquela época, jamais tínhamos imaginado o poder das redes sociais. Em todo caso, já faz dez anos, ou seja, aquelas não eram as redes sociais de hoje, quando estamos um pouco mais habituados, sabemos a respeito da viralização etc. Mas naquela época, não sabíamos de nada.
RFI – Depois desse tuíte, foi tudo muito rápido. Por exemplo, jornalistas do mundo inteiro lhe telefonaram pedindo que analisasse algo que você mesmo não entendia muito bem, e até o presidente da Ucrânia lhe pediu ajuda!
Roncin – O chefe de gabinete do então presidente ucraniano Petró Poroshenko me contatou pra dizer que o presidente queria se encontrar comigo. Foi então um pouco surpreendente. Bem, acontece que eu mesmo sou metade ucraniano por parte de mãe, então pensei: isso é uma piada? Não estava entendendo. E aí, uma coisa levou a outra e me dei conta que não era piada, que ele queria mesmo me conhecer, o que ocorreu no dia seguinte.
Esse mesmo presidente me deu as chaves da cidade de Kyiv, portanto, sou cidadão honorário da cidade de Kyiv, o que em todo caso é impressionante. Foi assim, como forma de agradecimento, que ele me deu as chaves da cidade de Kyiv e depois me pediu pra cuidar da comunicação da Ucrânia. É preciso entender bem que eu estava deixando de ser um simples designer gráfico, diretor artístico de uma revista bem parisiense e tal – não era conhecido, não era ninguém –, e de repente estavam propondo que eu me ocupasse de um país – ao menos em termos de comunicação.
RFI – Posteriormente, seu bordão foi amplamente retomado, inclusive pra defender causas desvinculadas das liberdades de imprensa e de expressão. Qual foi sua reação?
Roncin – Desde então, houve uma espécie de deslocamento no significado original de Je suis Charlie. Hoje, pra alguns, pode significar: “Olhe isso, é assim que pensamos na França , é Je suis Charlie, temos o direito de chocar, mesmo as pessoas que não têm vontade de ficar chocadas”. Resumindo, esse bordão degenerou, o que me entristece. E também por isso, há algum tempo, durante as eleições pro Parlamento Europeu, o partido RN, com Jordan Bardella, fez uma campanha retomando esse bordão, dizendo “Eu sou policial, portanto, voto em Jordan Bardella pras eleições europeias”, “Eu sou agricultor” etc. E pela primeira vez, apresentei queixa ao Ministério Público por violação e uso indevido do bordão Je suis Charlie.
RFI – Você defendeu a liberdade de imprensa com os Repórteres Sem Fronteiras, ao lado de Christophe Deloire, que já faleceu, mas após esses eventos, sua carreira profissional foi caótica e você sofreu de depressão. Foi escrevendo este livro, Uma história maluca, e se tornando diretor de design das Olimpíadas que você saiu desse período sombrio?
Roncin – Voltando a minha colaboração com o projeto olímpico durante seis anos – era diretor de design desde 2018 –, acho que encontrei uma espécie de eco a essa vontade de reunir. E isso foi muito importante. E é o que hoje me guia na criação, é essa vontade de não necessariamente criar imagens só por criar imagens, mas também imagens que tenham sentido, e de criar momentos de união e fraternidade, como pudemos ter neste verão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.