A coletânea A Comintern e a América Latina foi preparada pelos colaboradores do Centro de Pesquisas Latino-Americanas dentro de um amplo projeto de publicação de documentos dos arquivos da 3.ª Internacional, realizado pelo Instituto de História Universal da Academia Russa de Ciências e pelo Centro Russo de Conservação e Estudo de Documentos da História Contemporânea. (1) Os estudiosos têm a possibilidade inédita de conhecer documentos únicos, relativos às atividades da organização comunista internacional, a Comintern, e os historiadores, tendo acesso aos materiais guardados no RTsKhIDNI, (2) veem-se ante a tarefa de sistematizar, trabalhar e generalizar novas fontes. Os colaboradores do Centro de Pesquisas Latino-Americanas realizaram com êxito essa tarefa, e como fruto de um meticuloso trabalho veio a lume a coletânea documental A Comintern e a América Latina.
Dada a enorme quantidade de documentos e a dimensão limitada da publicação, a coletânea só traz uma pequena parte do que foi trabalhado. A inclusão de material da mais ampla origem (atas de reuniões, informes, cartas, balanços financeiros) guiou-se por buscar a mais completa apresentação das diversas faces do trabalho da organização.
Ao dispor os documentos, os organizadores seguiram o princípio cronológico, o que lhes permitiu o máximo êxito em mostrar a lógica da interação entre a Comintern e o movimento comunista nos países da América Latina.
Numa primeira etapa a Comintern buscou promover a organização de partidos comunistas na América, e para formar uma ligação direta com eles foi criada a Agência Pan-Americana da Comintern. Seu representante Henry Allen, em informe sobre a situação na América do Sul, é claro quanto à conveniência e necessidade “de uma propaganda e agitação intensivas e da criação de uma série de partidos comunistas na região” (A Comintern e a América Latina, p. 31). À medida que surgiam e evoluíam novos partidos comunistas nos países da América Latina, veio a tarefa de reforçar as ligações entre a Comintern e o movimento comunista no continente. Os documentos “Tarefas e plano de organização da Seção Latino-Americana do Secretariado da Comintern” (28 de setembro de 1921) e “Circular do Secretariado do CEIC sobre a criação do Secretariado Sul-Americano” (18 de fevereiro de 1925) definem com nitidez as tarefas dos órgãos dirigentes da Comintern criados em Moscou e Buenos Aires.
Na coletânea têm forte realce os materiais das três conferências dos partidos comunistas latino-americanos, em que se elaboraram a estratégia e tática do movimento na América Latina e avaliou-se o trabalho organizativo de criar partidos e formar quadros marxistas-leninistas. Os organizadores visaram ao retrato mais objetivo de como evoluiu o movimento comunista nos países da região e como interagiam os partidos comunistas e as estruturas dirigentes da Comintern. Na coletânea, as atas da “Reunião do Secretariado (3) Latino-Americano” (24 de março de 1934) trazem graves questões ao pesquisador sobre como as diretivas da Comintern se refratavam na realidade concreta dos partidos comunistas e países da América Latina, e contêm um discurso de Sinani (4) sobre o informe de balanço de A. Guralski, um dos líderes da delegação do CEIC no Birô Sul-Americano da Comintern. Avaliando no geral de forma positiva a direção do birô sobre os partidos latino-americanos, Sinani apontou algumas falhas na atuação do órgão e indicou que a Comintern devia resolver as questões nacional, camponesa e sindical e que a criação de sovietes devia guiar-se pelas peculiaridades do progresso de cada país. Sinani destacou ser precisa uma nova tática para os partidos comunistas ante o prestismo no Brasil, o radicalismo na Argentina, a APRA no Peru e outros partidos pequeno-burgueses. Incluído na coletânea, apresenta especial interesse o estenograma do discurso de Sinani, dirigente do Secretariado Latino-Americano da Comintern, na 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas Latino-Americanos (1934). Enquanto evoluíam os partidos comunistas na América Latina e apareciam os órgãos dirigentes da Comintern para cooperar com suas seções locais, surgia ante os líderes da Internacional o problema de elaborar a estratégia de ação em cada país do continente. No discurso Sinani apresentou aos colegas a tarefa de lutar pela criação da frente única nas condições concretas dos países latino-americanos.
Outros destaques da obra são os documentos da Comintern relativos ao combate ao trotskismo durante a segunda metade da década de 1930. No texto “Visões de extração trotskista com difusão entre os partidos comunistas da América Latina” (1937) criticam-se as orientações trotskistas surgidas nos partidos da região, e em outros se atacam visões esquerdistas sobre a luta revolucionária, como, em 1937, no “Projeto de Resolução do Secretariado Político do CEIC sobre as tarefas do Partido Comunista do Brasil” e nas “Notas de A. Marty sobre a situação nos países da América Latina”.
No final da coletânea estão documentos dos últimos anos da Comintern, entre eles as “Conclusões da discussão sobre a questão da Internacional Comunista e os partidos latino-americanos” (março de 1938) e o “Relatório de Vittorio Codovilla sobre a situação nos PCs da América Latina, 26 de outubro de 1940”. Com eles se comprova que nessa época as ligações dos partidos latino-americanos com a Comintern foram tomando um caráter mais equilibrado, com as seções passando a orientar sua atividade cada vez mais pelas próprias avaliações. Os documentos finais consistem em interessante material sobre a evolução do movimento comunista nos principais países da América Latina ao findar a década de 1930 e começar a de 1940.
Os organizadores da coletânea tiveram um grande trabalho ao decifrar os pseudônimos e apelidos, mas em vários casos não foi possível desvendá-los, como se indica em notas, e nem sempre se conseguiu definir a data exata dos documentos. Um auxílio essencial aos pesquisadores que estudam esse material são os comentários que o acompanham, nos quais se elucidam os eventos de que tratam os documentos e se leem breves informações sobre seus participantes. A coletânea possui um anexo com as biografias dos maiores ativistas do movimento comunista na América Latina, cujos nomes aparecem nos documentos. Há revolucionários nunca antes biografados, e não raro reunir dados sobre suas vidas rendeu aos organizadores toda uma pesquisa à parte.
Sem dúvida essa coletânea muito contribuirá para se estudar a história da Comintern e a evolução do movimento comunista e operário na América Latina. Tendo em vista as possibilidades limitadas da publicação, os organizadores só incluíram uma pequena parte dos documentos trabalhados, ficando de fora o que foi descoberto nos arquivos da Comintern sobre a história econômica e política dos diversos países da região. Porém, o que foi publicado ilumina as etapas mais importantes da evolução da Comintern e de suas relações com os partidos latino-americanos, concernindo a quase todos os países do subcontinente. O volume do material de arquivo hoje acessível pode se tornar a base para irem surgindo novas coletâneas documentais e pesquisas tratando da história do movimento revolucionário nos países da América Latina e do papel da Comintern na formação e desenvolvimento dos partidos comunistas latino-americanos.
Notas do tradutor
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(1) Hoje é o Arquivo Público Russo de História Social e Política.
(2) É o centro/arquivo citado acima, cuja sigla atual é RGASPI.
(3) “Ländersekretariat” ou “secretariado regional”, na terminologia específica.
(4) Georgi Borisovich Skalov (1896-1936), instrutor e depois subchefe do Secretariado Latino-Americano da IC a partir de 1930, combateu o “prestismo” em voga no PCB, integrou a comissão para questões latino-americanas criada no Secretariado Político da IC em março de 1934 e chefiada por Dmitri Manuilski, participou da 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central (outubro) e publicou vários livros e artigos sobre a América Latina sob seu pseudônimo.
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