quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Gengis Khan: história e descobertas


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No dia 4 de janeiro, foi publicado no site da Rádio França Internacional (RFI) o artigo Gengis Khan, « souverain universel » à l’origine du plus grand empire contigu de l’Histoire (Gengis Khan, “soberano universal” na origem do maior império contíguo da história), de autoria de Olivier Favier. Aproveita-se a ocasião de uma exposição no Museu de Nantes com novas descobertas arqueológicas sobre o cã do século 13 pra se contar a maior parte da história de como se formou o Império Mongol, considerado em seu apogeu, já após a morte de Gengis, o maior do mundo em território contíguo, isto é, sem divisão física, sobretudo por mares e oceanos. Se somarmos a totalidade dos territórios, mesmo que não contíguos, o maior império da história foi o britânico, controlado pelo Reino Unido (o nome “Império Britânico” nunca foi usado de forma oficial).

A historiadora entrevistada revela que muitas descobertas sobre o Império Mongol, sobretudo sob o reinado de Gengis Khan, foram feitas nos últimos anos e desmontam vários preconceitos formados pela mentalidade colonial europeia. O principal deles seria a respeito do “barbarismo” e da falta de coesão política, devido ao fato de serem nômades, condição que, na verdade, não impediu a formação de uma organização política muito complexa. (Sem isso, claro, não seria possível manter tamanho território!) Mantive as transliterações do mongol, que atualmente é escrito com uma adaptação do alfabeto cirílico, tal como aparecem no original, inclusive a ortografia “Gengis Khan”, a mais comum em textos em português, embora haja também a forma “Genghis”, outras que correspondem mais à realidade e o aportuguesamento, hoje mais raro, “Gêngis Cã(o)”. Escrevi “Ulã Bator” o nome da capital mongol, mais próximo de um padrão, mesmo que não sendo unanimidade. Espero que aproveite o texto!


Após uma infância agitada, marcada por episódios de miséria e errância, um jovem nobre mongol funda um império que, um século depois, cobrirá 22% das terras emersas do globo.

Em A história secreta dos mongóis, publicada logo após sua morte por um autor anônimo, Gengis Khan é apresentado como o descendente distante de um lobo azul e de uma corça parda. Nascido com o nome de Temüjin (lit. “o aço mais fino”) entre 1155 e 1162, perto do monte Burkhan Khaldun, a nordeste da atual Ulã Bator, capital da Mongólia, pertencia ao clã Bordjigin – também chamado de Linhagem de Ouro – que governa o Khamag (lit. “a integralidade”) mongol. Esse termo designa uma monarquia eletiva que mantém uma relativa unidade num mundo dilacerado por rivalidades.

Seu nome viria de um chefe clânico tártaro capturado por seu pai ou ainda de ancestrais ferreiros. Aos nove anos, ficou noivo de Börte (lit. “com reflexos azuis”, como o lobo mítico de sua ascendência), com quem se casou depois de inúmeros imprevistos por volta de 1181. Eles terão quatro filhos. Guerreiro formidável, mas sobretudo um exímio estrategista, ele sabe lidar com as alianças mutáveis que enfraquecem os povos das estepes pra ser eleito Khan – líder dos clãs mongóis – por uma assembleia plenária reunida com esse fim. Assim consagrado, consegue derrotar os tártaros em 1202.

Quatro anos depois, ele se torna Gengis Khan (lit. “soberano universal”), após proclamação de uma nova assembleia. Sob este título, ele decreta uma compilação de leis mongóis, a Yassa. Insaciável, ele ataca o norte da China em 1211, conquistando primeiro a Manchúria. Alcança Pequim em 1215, depois de seu exército ter aprendido a arte de conduzir cercos, na qual estava mal preparado. Deixa a China em 1219 para embarcar quase imediatamente em novas expedições a oeste, adentrando agora terras islâmicas.

De Gengis Khan a Kubilai Khan, um século de expansão contínua – Em 1221, ele alcança o rio Indo, então o limite oriental das campanhas de Alexandre, o Grande. Enquanto ele se encontra no Império Persa, o seu está ameaçado na China. Após uma campanha final triunfante em 1227, ele morre devido a consequências de uma queda do cavalo durante uma caçada. Seu corpo é levado de volta à Mongólia, pra um local mantido em segredo, provavelmente em sua terra natal, o monte Burkhan Khaldun. Foi Ögedei, terceiro filho de Börte, sua esposa principal, quem assumiu o título de Khagan, o cã dos cãs.

Este último consolida as conquistas chinesas e envia seu sobrinho, Batu, pra atacar as estepes russas. Batu conduz suas tropas até a Europa Central, só retornando ao Oriente quando chegou a notícia da morte de seu tio, ocorrida no final de 1241. Dois anos depois, ele estabelece sua própria capital à beira do rio Volga e se torna o cã da Horda Dourada que domina o oeste da Sibéria e o sul da atual Rússia até o final da Idade Média.

O auge do poderio do Império Mongol é alcançado por Kubilai Khan, neto de Gengis Khan, nascido no ano do cerco de Pequim e levado ao poder supremo em 1260. Ele também se tornou o primeiro imperador da China da dinastia Yuan. Durante dezessete anos, o viajante veneziano Marco Polo reside em sua corte. Seu império se estende da Coreia ao Mediterrâneo, e seus navios chegam até Madagascar. Porém, ele falha duas vezes em tomar o Japão. Após sua morte, em 1294, a unidade do canato se mantém por duas décadas antes de entrar em declínio. Vários poderes herdam sua história, que impacta longamente sobre o continente asiático e parte da Europa.

Uma exposição histórica em Nantes – A história de Gengis Khan e de seu império nômade foi por muito tempo resumida a uma gesta conquistadora de guerreiros sem fé nem lei. Isto obviamente passava num Ocidente afeito a teorias racistas, à imagem depreciada de uma organização social complexa, mas não sedentária, e aos fantasmas do “perigo amarelo” em voga desde o final do século 19. A historiografia russa, que dominou por muito tempo, assim legitimava sua expansão rumo ao Ocidente, enquanto a historiografia chinesa tendia a absorver uma grande parte da história mongol em sua epopeia nacional.

“O discurso colonial russo servia ao discurso colonial francês”, explica Marie Favereau, autora de La Horde : comment les Mongols ont changé le monde (A Horda: como os mongóis mudaram o mundo), publicado pela Éditions Perrin em 2023. “Isso correspondia totalmente a nossa visão dos nômades. Aprendi na universidade que a civilização é a cidade. Nos últimos dez anos, tem havido muito trabalho pra desconstruir o pensamento colonial, que só agora começa a dar frutos. Sabemos bem que a data do fim dos impérios coloniais não corresponde à data do fim do discurso colonial.”

A co-curadora em Nantes da primeira grande exposição dedicada a Gengis Khan na Europa – a de Bonn em 2005 foi pioneira, mas não teve ressonância internacional – explica que foi preciso sair de uma lógica em que as áreas de estudo eram muito marcadas linguisticamente. “Num período imperial, a multiplicidade de línguas não significa que haja uma multiplicidade de poderes”, explica. Foi preciso, portanto, realizar um importante trabalho de coleta de fontes, que permitiu revelar, por exemplo, que um mesmo espírito percorria as expressões do poder em partes muito distantes do império.

Uma revolução arqueológica e historiográfica – As dificuldades encontradas na preparação dessa exposição também testemunham uma revolução historiográfica em curso. “A exposição que deveria se realizar em 2020 foi cancelada depois de três anos de trabalho devido a liminares para reescrever a história emitidas pelo governo chinês, as quais Bertrand Guillet, diretor do Castelo-Museu de Nantes, julgou inaceitáveis. A nova versão foi construída em torno das coleções mongóis, francesas e europeias.”

Por outro lado, a impossibilidade de utilizar as coleções do Museu do Hermitage, em São Petersburgo, encorajou as pesquisas arqueológicas na Mongólia. O empreendimento é tanto mais colossal quanto muitos monumentos desapareceram. “Esse Império deixou poucos vestígios”, explica Marie Favereau. “Não há visibilidade dos túmulos. O culto não passa por isso. A palavra pra ‘cemitério’ em mongol, khorig, significa ‘tabu’. E isso é ainda mais verdadeiro pra personagens importantes, a começar por Gengis Khan.”

“É uma organização muito mais fluida no plano institucional”, prossegue Marie Favereau, “construída com base em linhagens. Por muito tempo se teve a ideia de que houve o tempo das conquistas até Kubilai Khan. Desde os primeiros tempos da conquista territorial, há partições que de forma nenhuma se baseiam na ideia de centralidade geográfica. São estratégias pra fortalecer o poder mongol, por meio do que é importante para eles: o que lhes interessa é controlar os locais de comércio e as oficinas de artesanato em toda a grande estepe eurasiática.”

Assim, essa formidável expansão não se explicada apenas por dados militares, sejam os pequenos e resistentes cavalos capazes de atravessar rios congelados, os potentes arcos manejados por cavaleiros excepcionais ou mesmo o fato de guerrearem no inverno, que pega de surpresa os europeus, habituados às campanhas no verão. “Não há coesão nos poderes que os enfrentam, na China, nos mundos muçulmanos e cristãos”, insiste Favereau. “Ao mesmo tempo, eles não se sentem ameaçados pelas religiões de seus súditos.” Melhor ainda, eles as absorvem e misturam a suas próprias crenças. Para ela, esses êxitos também se devem à “persistência nos objetivos de uma geração a outra”. “Eles se lançaram em empreitadas econômicas extremamente interessantes”, conclui, “e isso, aliás, intriga muito os historiadores da globalização [mondialisation, no original francês].”

Até 25 de maio de 2024, vai estar aberta no Castelo dos Duques da Bretanha – Museu de História de Nantes a exposição “Gengis Khan, comment les Mongols ont changé le monde” (Gengis Khan, como os mongóis mudaram o mundo).



Os 800 anos do nascimento de Gengis Khan são comemorados no Festival da Eurásia pela reconstituição da unificação das tribos mongóis sob o soberano. 500 cavaleiros desfilam com uniformes do século 13 no distrito de Sergelen, na Mongólia.

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