quinta-feira, 16 de março de 2017

Dilma Rousseff patina no francês (11/3)


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Domingo passado, achei esta peça bombando no trending do YouTube e não resisti em fazer uma espécie de “legendagem educativa e explicativa”. Cheguei a rir muito, principalmente da parte final, mas isso não justifica os comentários maldosos que muitos fizeram, só pensando no lado político. Infelizmente, não achei a fonte original, e esse trecho isolado foi replicado por muitos, apesar da má qualidade.

Pra quem já viu meu vídeo de junho passado sobre sua viagem à Bulgária em 2011, não preciso falar mais nada. Acrescentando algumas coisas, a facilidade com que ela cedeu às saraivadas do Congresso revelaram sua falta de loquacidade, pensamento rápido e articulação (talvez até de vocabulário). Muitos me criticaram por eu ter zoado da dificuldade em falar búlgaro, mas pelo menos aí eram palavras ensaiadas. Ela deve ter aprendido francês há muitas décadas e não praticado constantemente, por ter trabalhado mais no Brasil. Quem está aprendendo francês, sabe o sufoco de conseguir falá-lo correntemente, e quem sabia uma língua, esqueceu e teve de usar de novo, sempre fica numa saia ainda mais justa. O nervoso, como foi este caso explícito da Dilma, termina de piorar a situação.

Até aí, temos a parte propriamente linguística. Eu só adicionaria que talvez ela devia ter falado em português, mesmo, e ser interpretada. Mas os antipetistas que gostam de falar maldades aproveitaram pra tentar viralizar o vídeo e avacalhar seu desempenho. Confesso que votei na Dilma duas vezes, me arrependo e não a defenderia de forma alguma (da mesma forma que não quero Lula de novo, mas por outros motivos). Mas acho bem coisa de “brasileiro” apontar o cisco no olho dos outros e não olhar a trava no seu próprio. Muitos “comentaristas” de YouTube apedrejaram o francês dela sem nem escrever português direito e, talvez, não arriscando nem inglês.

E mesmo pra quem está mal das pernas, ela evitou vários erros primários: fez boas conjugações verbais, pronunciou de forma no geral correta e não se enganou com as letras mudas. Afora o próprio embaraço, os erros foram basicamente de: 1) concordância de gênero (“une” sentiment, personnes “différents”); 2) uso errado de palavras (personnes no lugar de gens, était nécessaire no lugar de doit, félicité quando era melhor bonheur); 3) “invenção” de palavras, comum com línguas próximas (se torner ao invés de devenir, auto-estime ao invés de estime de soi ou confiance, e efforce ao invés de effort). De alguma forma, foi um mico, mas foi admirável o esforço de falar uma língua estrangeira. Pergunto: Michel Temer fala inglês? Donald Trump fala outras línguas? Presidentes dos EUA e da França têm sido poliglotas?

Contexto do vídeo: com a intenção de Lula voltar à presidência em 2018, Dilma o apoia, pretende ser ministra e, nesse rastro, começou uma jornada em eventos e organizações internacionais de direitos humanos pra reafirmar a tese do “golpe”. No último sábado, 11 de março, Dilma participou em Genebra, Suíça, de um evento da Academia de Direito Humanitário e Direitos Humanos Internacionais, “Combatendo a fome e a pobreza: os casos do Brasil e da Índia”. Além de várias palestras e debates, deu também entrevistas na RST, TV estatal suíça de língua francesa. Essa agenda humanitária “paralela” está irritando o governo brasileiro. Veja também o vídeo com sua intervenção completa em português, e a entrevista pra Darius Rochebin na RST, com interpretação. O portal UOL e a revista Época trataram o assunto de formas diferentes.

Eu mesmo transcrevi, legendei com as gagueiras e fiz um rascunho de tradução. Nas legendas, só reproduzi alguns erros, tendo evitado os de pronúncia ou cortes mais bruscos. É difícil reconstituir com precisão o que deveria ser a fala certa, porque Dilma fez, entre outras coisas, algo comum com quem não sabe bem um idioma, que é trocar de repente uma expressão desconhecida por outra conhecida. Seguem abaixo a legendagem que postei no meu canal O Eslavo no YouTube, a transcrição revisada em francês e a tradução em português:



J’avais un sentiment : je pense que nous sommes tous des gens qui pensent que le monde doit se transformer pour le mieux et pour le bonheur des gens, mais surtout pour les opportunités égales. Je sais que les gens sont différentes, mais je sais aussi que, si l’on donne des opportunités égales, les gens se développent, elles deviennent... cherchent son destin d’une manière autonome, avec confiance. Et j’ai fait un effort pour vous !

Eu tinha um sentimento: penso que somos todos pessoas que pensam que o mundo deve mudar pra melhor e pra felicidade das pessoas, mas sobretudo pra oportunidades iguais. Sei que as pessoas são diferentes, mas sei também que, se damos oportunidades iguais, as pessoas se desenvolvem, tornam-se... buscam seu destino de forma autônoma, com autoestima. E fiz um esforço pra vocês!


Bela mensagem, anyway!