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Hoje posto aqui a Declaração dos Representantes da Catalunha e as primeiras indicações pra constituição da República Catalã, um documento de inegável importância histórica, por duvidosos que possam ser seus efeitos. Deputadas e deputados independentistas do Parlamento da Catalunha apresentaram à mesa diretora dois projetos de resolução que delineiam as primeiras medidas pra constituir a estrutura da nova nação. A proclamação da República foi feita no dia 27 de outubro de 2017, quando o Parlamento aprovou o texto abaixo, por maioria de votos, embora vários deputados tivessem se retirado da sessão. Traduzi direto do catalão, original em PDF nesta página.
À MESA DO PARLAMENTO
Lluís M. Corominas i Díaz, presidente da Fração Parlamentar do Junts pel Sí (Juntos pelo Sim), Marta Rovira i Vergés, porta-voz da Fração Parlamentar do Junts pel Sí, Mireia Boya e Busquet, presidenta da Fração Parlamentar da Candidatura d’Unitat Popular – Crida Constituent (Candidatura de Unidade Popular – Apelo Constituinte), Anna Gabriel i Sabaté, porta-voz da Fração Parlamentar da Candidatura d’Unitat Popular – Crida Constituent, de acordo com o que estabelecem os artigos 151 e 152 do Regimento do Parlamento, apresentam as seguintes propostas de resolução, originadas do Debate Geral sobre a Aplicação do Artigo 155 da Constituição Espanhola na Catalunha e seus possíveis efeitos.
Declaração dos Representantes da Catalunha
Ao povo da Catalunha e a todos os povos do mundo.
A justiça e os direitos humanos individuais e coletivos intrínsecos, fundamentos irrenunciáveis que dão sentido à legitimidade histórica e à tradição jurídica e institucional da Catalunha, são a base da constituição da República Catalã.
A nação catalã, sua língua e sua cultura têm mil anos de história. Durante séculos, a Catalunha dotou-se e desfrutou de instituições próprias que exerceram o autogoverno com plenitude, com a Generalitat (Generalidade) como a máxima expressão dos direitos históricos da Catalunha. O parlamentarismo foi, durante os períodos de liberdade, o esteio sobre o qual se sustentaram essas instituições, canalizou-se por meio das Cortes Catalãs e cristalizou-se nas Constituições da Catalunha.
A Catalunha restaura hoje sua plena soberania, perdida e longamente desejada, depois de décadas tentando, honesta e lealmente, conviver institucionalmente com os povos da Península Ibérica.
Desde a aprovação da Constituição Espanhola de 1978, a política catalã teve um papel-chave com uma atitude exemplar, leal e democrática para com a Espanha, e com um profundo senso de Estado.
O Estado espanhol retribuiu essa lealdade com a recusa em reconhecer a Catalunha como nação, e concedeu uma autonomia limitada, mais administrativa do que política e hoje sofrendo recentralização, além de um tratamento econômico profundamente injusto e uma discriminação linguística e cultural.
O Estatuto de Autonomia, aprovado pelo Parlamento e pelo Congresso, e referendado pelos cidadãos catalães, deveria ser o novo marco estável e duradouro da relação bilateral entre a Catalunha e a Espanha. Porém, tornou-se um acordo político quebrado pela sentença do Tribunal Constitucional e que fez emergir novas contestações cidadãs.
Recolhendo as exigências de uma grande maioria dos cidadãos da Catalunha, o Parlamento, o Governo e a sociedade civil solicitaram repetidamente que se combinasse a celebração de um referendo de autodeterminação.
Diante da constatação de que as instituições do Estado repeliram toda negociação, violentaram o princípio de democracia e autonomia e ignoraram os mecanismos legais disponíveis na Constituição, a Generalitat da Catalunha convocou um referendo para o exercício do direito à autodeterminação reconhecido no direito internacional.
A organização e celebração do referendo acarretaram a suspensão do autogoverno da Catalunha e a aplicação de facto do estado de exceção.
A brutal operação policial de dimensão e estilo militares, orquestrada pelo Estado espanhol contra cidadãos catalães, feriu suas liberdades civis e políticas e os princípios dos Direitos Humanos em muitas e repetidas ocasiões e desobedeceu aos acordos internacionais assinados e ratificados pelo Estado espanhol.
Milhares de pessoas, entre as quais centenas de políticos, funcionários públicos e profissionais vinculados ao setor de comunicação, administração e sociedade civil, foram investigados, detidos, processados, interrogados e ameaçados com duras penas de prisão.
As instituições espanholas, que deveriam ter permanecido neutras, protegido os direitos fundamentais e arbitrado diante do conflito político, tornaram-se parte e instrumento desses ataques e deixaram indefesos os cidadãos da Catalunha.
Apesar da violência e da repressão para tentar impedir a celebração de um processo democrático e pacífico, os cidadãos da Catalunha votaram majoritariamente a favor da constituição da República Catalã.
A constituição da República Catalã está fundamentada na necessidade de proteger a liberdade, a segurança e a convivência de todos os cidadãos da Catalunha e avançar rumo a um Estado de direito e a uma democracia de maior qualidade, e responde ao impedimento por parte do Estado espanhol de tornar efetivo o direito à autodeterminação dos povos.
O povo da Catalunha é amante do direito, e o respeito à lei é e será uma das pedras angulares da República. O Estado catalão acatará e fará cumprir legalmente todas as disposições que modelem esta declaração e garante que a segurança jurídica e a manutenção dos acordos assinados integrarão o espírito fundacional da República Catalã.
A constituição da República é uma mão estendida ao diálogo. Honrando a tradição catalã de pactuar, mantemos nosso compromisso com a concórdia como forma de resolver os conflitos políticos. Ao mesmo tempo, reafirmamos nossa fraternidade e solidariedade para com os demais povos do mundo e, em especial, aqueles com os quais partilhamos a língua, a cultura e a região euromediterrânea, em defesa das liberdades individuais e coletivas.
A República Catalã é uma oportunidade para corrigir as atuais carências democráticas e sociais e construir uma sociedade mais próspera, mais justa, mais segura, mais sustentável e mais solidária.
Em virtude de tudo o que acabamos de expor, nós, representantes democráticos do povo da Catalunha, no livre exercício do direito à autodeterminação, e conforme o mandato recebido dos cidadãos da Catalunha,
CONSTITUÍMOS a República Catalã como Estado independente e soberano, de direito, democrático e social.
PREPARAMOS a entrada em vigor da Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República.
INICIAMOS o processo constituinte, democrático, de base cidadã, transversal, participativo e vinculante.
AFIRMAMOS a vontade de abrir negociações com o Estado espanhol, sem imposições prévias, destinadas a estabelecer um regime de colaboração em benefício de ambas as partes. As negociações deverão dar-se, necessariamente, em pé de igualdade.
DAMOS AO CONHECIMENTO da comunidade internacional e das autoridades da União Europeia a constituição da República Catalã e a proposta de negociações com o Estado espanhol.
INSTAMOS a comunidade internacional e as autoridades da União Europeia a intervir para interromper a corrente violação de direitos civis e políticos, a fiscalizar o processo de negociação com o Estado espanhol e ser suas testemunhas.
MANIFESTAMOS a vontade de construir um projeto europeu que reforce os direitos sociais e democráticos dos cidadãos, assim como de comprometer-se a continuar aplicando, de maneira ininterrupta e unilateral, as normas do ordenamento jurídico da União Europeia e as do ordenamento do Estado espanhol e da autonomia catalã que incorporem aquelas primeiras.
AFIRMAMOS que a Catalunha tem a vontade inequívoca de integrar-se o mais rapidamente possível à comunidade internacional. O novo Estado compromete-se a respeitar as obrigações internacionais que se apliquem atualmente em seu território e a continuar integrando os tratados internacionais dos quais o Reino da Espanha é signatário.
APELAMOS aos Estados e às organizações internacionais que reconheçam a República Catalã como Estado independente e soberano.
INSTAMOS o Governo da Generalitat a adotar as medidas necessárias para possibilitar a plena efetividade desta Declaração de Independência e das disposições da Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República.
FAZEMOS um apelo a todos e cada um dos cidadãos e cidadãs da República Catalã para que nos tornem dignos da liberdade que conquistamos e construam um Estado que traduza as inspirações coletivas em atos e atitudes.
ASSUMIMOS o mandato do povo da Catalunha expressado no Referendo de Autodeterminação de 1.º de outubro e declaramos que a Catalunha agora é um Estado independente em forma de República.
O Parlamento da Catalunha expressa seu repúdio ao acordo do Conselho de Ministros do Estado espanhol propondo ao Senado do Estado espanhol as medidas para concretizar o que dispõe o artigo 155 da Constituição Espanhola. As medidas propostas, marginais ao próprio corpo jurídico atual, preveem a eliminação do autogoverno da Catalunha. Ao mesmo tempo, colocam o Governo do Estado espanhol como substituto do Governo da Generalitat e censor do Parlamento da Catalunha, uma medida que não somente é inaceitável como também constitui um ataque à democracia sem precedentes nos últimos 40 anos.
Oferecemos negociação e diálogo e fomos confrontados com o artigo 155 da Constituição e a eliminação do autogoverno: a resposta foi de uma contundência política similar ao uso da força no dia 1.º de outubro.
O Parlamento decidiu instar o Governo a ditar todas as resoluções necessárias para desenvolver-se a Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República, e em especial:
- A promulgar os decretos necessários, dotando com pessoal e recursos os serviços administrativos encarregados de expedir aos cidadãos os documentos comprobatórios da nacionalidade catalã.
- A estabelecer a regulação do procedimento para a aquisição da nacionalidade catalã, por força das disposições previstas no artigo 8 e na disposição final 2.ª.
- A promover a assinatura de um tratado de dupla nacionalidade com o governo do Reino da Espanha, em conformidade com o artigo 9.
- A ditar, em conformidade com o artigo 12.1, as disposições necessárias para a adaptação, modificação e inaplicação do direito local, autonômico e estatal vigente antes da entrada em vigor da Lei de Transitoriedade Jurídica e Fundacional da República.
- A ditar, fundamentado no que dispõe o artigo 12.3, os decretos necessários para a recuperação e eficácia das normas anteriores à sucessão de ordenamentos jurídicos, anuladas ou suspensas por motivos de competência pelo Tribunal Constitucional e pelos demais tribunais, dando atenção especial a todos aqueles reguladores de impostos e outras figuras impositivas, assim como àqueles que desenvolvam instrumentos para combater a pobreza e a desigualdade social.
- A promover, diante de todos os Estados e instituições, o reconhecimento da República Catalã.
- A estabelecer, pelo procedimento correspondente e em conformidade com o que dispõe o artigo 15, a relação de tratados internacionais que devam continuar vigendo, assim como daqueles que devam resultar inaplicados.
- A estabelecer, de acordo com o artigo 17, o regime de integração à Administração da Generalitat da Catalunha, exceto por renúncia expressa dos mesmos, de todos os funcionários, vinculados ao Estado espanhol, que até esta data prestavam seus serviços à administração geral da Catalunha, à administração local da Catalunha, às universidades catalãs, à administração de justiça e à administração institucional do Estado na Catalunha, ou dos funcionários, vinculados ao Estado espanhol, de nacionalidade catalã que prestem seus serviços fora da Catalunha.
- A dar ao conhecimento do Parlamento a relação de contratos, convênios e acordos objeto de sub-rogação por parte da República Catalã, de acordo com o que dispõe o artigo 19.
- A promover um acordo com o Estado espanhol para a integração do pessoal e a sub-rogação dos contratos previstos nos incisos IV e V, em conformidade com o que dispõe o artigo 20.
- A sancionar tudo o que se expôs acima, assim como adotar as medidas necessárias para o exercício da autoridade fiscal, da previdência social, alfandegária e cadastral de acordo com o que dispõem 80, 81, 82 e 83, estabelecendo, se for o caso, os períodos de transição entre administrações para que se garanta um serviço público adequado.
- A promover as diligências e medidas legislativas necessárias para a criação de um banco público de desenvolvimento a serviço da economia produtiva.
- A promover as diligências e medidas legislativas necessárias para a criação do Banco da Catalunha, com as funções de banco central, que deverá zelar pela estabilidade do sistema financeiro.
- A promover as diligências e medidas legislativas necessárias para a criação das demais autoridades reguladoras, com as funções que lhes são inerentes.
- A abrir um período de negociações com o Estado espanhol, segundo o que dispõe o artigo 82, para determinar, e em que grau, se for o caso, a sucessão do Estado catalão, conforme se acordar, em direitos e obrigações de caráter econômico e financeiro assumidos pelo Reino da Espanha.
- A elaborar um inventário dos bens de titularidade do Estado espanhol, radicados no território nacional da Catalunha, a fim de tornar efetiva a sucessão em sua titularidade por parte do Estado catalão, em conformidade com o que dispõe o artigo 20.
- A elaborar uma proposta de repartição de ativos e passivos entre o Reino da Espanha e a República da Catalunha, fundamentada nos critérios internacionalmente padronizados, abrindo um período de negociação entre os representantes de ambos os Estados e submetendo o acordo obtido, se for o caso, à aprovação do Parlamento da Catalunha.
O Parlamento abrirá uma investigação para determinar as responsabilidades do Governo do Estado espanhol, suas instituições e órgãos dependentes na perpetração de delitos relativos à agressão de direitos fundamentais, individuais e coletivos buscando evitar o exercício do direito ao voto pelo povo da Catalunha no último 1.º de outubro.
Essa Comissão de Investigação será formada por deputados das frações parlamentares e peritos do âmbito nacional e internacional, da Agência Antifraude, da Sindicatura de Greuges (Ministério Público da Catalunha) e da advocacia catalã, e por representantes das entidades de defesa dos direitos humanos, fazendo com que sejam representadas as organizações internacionais.
Processo constituinte
Declarar o início e a abertura do processo constituinte.
Instar o Governo da Generalitat a:
- Ativar de maneira imediata todos os recursos humanos, públicos e sociais, bem como meios materiais a seu alcance, para efetivar o processo constituinte democrático, de base cidadã, transversal, participativo e vinculante, que deve culminar na redação e aprovação da Constituição da República por parte do Parlamento constituído em Assembleia Constituinte e que resulte das eleições constituintes.
- Constituir no prazo de quinze dias o Conselho Assessor do processo constituinte, liderado pela sociedade civil organizada, a fim de assessorar na fase deliberativa constituinte.
- Convocar, difundir e executar a fase decisória do processo constituinte, recolhendo as propostas sistematizadas no Fórum Social Constituinte e submetendo-as a consulta cidadã, que constituirá um mandato vinculante para o Parlamento constituído em Assembleia Constituinte e que resulte das eleições constituintes.
- Convocar eleições constituintes, uma vez terminadas todas as fases do processo constituinte.
Encorajar todos os agentes cívicos e sociais para que no prazo de um mês constituam a plataforma promotora do processo constituinte ou Pacto Nacional pelo Processo Constituinte.
Constituir, no prazo de quinze dias, a Comissão Parlamentar que fiscalizará o processo constituinte, visando preservar, se não direcionar, a tarefa da plataforma promotora e garantindo o desdobramento de seus trabalhos e o cumprimento do prazo semestral legalmente definido para seu desenvolvimento e conclusões.
Encorajar as prefeituras a fomentar os debates constituintes a partir do âmbito local, promovendo a participação da sociedade civil e fornecendo os recursos e espaços adequados e necessários ao correto desenvolvimento do debate cidadão.
Palácio do Parlamento, 27 de outubro de 2017
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