Quando eu tinha meu canal Pan-Eslavo Brasil no YouTube, nunca fui de comentar as manchetes jornalísticas, como os youtubers que falam tudo “sobre a hora”, mas como eu tinha escutado bastantes coisas legais nas rádios francesas online, resolvi compartilhar um pouquinho sobre o movimento dos “coletes amarelos”, que sacudiu a França no fim de 2018 e começo de 2019, e só não se tornou um movimento ainda mais massivo contra Macron por causa da pandemia de covid-19.
Os jornais brasileiros trataram muito de leve sobre aquelas violentas manifestações na França contra o aumento no preço do diesel por causa de um imposto que financiaria a “transição energética” (redução da dependência ante combustíveis fósseis). O movimento batizado de “gilets jaunes” (por causa dos coletes amarelos fosforescentes que os motoristas do país são obrigados a portar) começou no interior, isto é, nas regiões do norte, centro e sul fora do entorno maior de Paris, e se espraiou pra capital nacional, com mais violência ainda. O que se limitava ao aumento dos combustíveis acabou abarcando muitas outras fontes de insatisfação, entre elas o salário mínimo, as condições de vida e a reforma das escolas, tornando-se a mais dura prova do presidente Emmanuel Macron, eleito ainda em 2017.
Porém, se olharmos mais de perto, os problemas e demandas eram muito parecidos com o que víamos no Brasil dos anos anteriores, embora nossa tendência à explosão seja bem menor. A diferença é que na França a raiz do problema recua muito mais no tempo, e abrange uma desigualdade entre as regiões, que transformou Paris num centro privilegiado e “o resto” num grande subúrbio com problemas de infraestrutura. Some a isso a conjuntura internacional, a economia que não deslancha e um presidente alienado, e temos o barril de pólvora pronto pra primeira faísca!
Vendo agora em retrospectiva, parece que há muito mais motivos pra reclamar, pois no fim de 2022 o pessoal da saúde começou uma ampla greve, devido às más condições de trabalho enfrentadas durante a pandemia e à crescente precarização do serviço público como um todo. Macron, em geral, é um adepto do desmonte ao velho estilo neoliberal, embora se venda como centrista ou como grande novidade. Ironicamente, a abstenção no momento de sua reeleição em 2022 foi muito grande, e a vitória foi muito mais um voto contra a extrema-direita de Marine Le Pen do que uma carta branca às propostas da coalizão macronista. Portanto, não foi surpresa que nas eleições parlamentares que se seguiram, o governo não conseguiu maioria absoluta e hoje depende de conversar muito mais com outras forças pra aprovar medidas. É a primeira vez que isso acontece desde 2002, quando as eleições parlamentares passaram a ocorrer logo após as presidenciais e quando os sete anos de mandato do presidente foram reduzidos a cinco. Pra piorar, a invasão da Ucrânia pela Rússia atrapalhou os planos europeus de transição energética, obrigando a correr pra buscar gás e petróleo junto a outras ditaduras nações e adiar, ou mesmo suspender, o abandono completo do carvão e do nuclear.
Fico triste que tudo o que se encontre fora da órbita dos EUA seja muito pouco tratado pela Globo e pela Record, e que o brasileiro raramente tenha acesso à mídia estrangeira de qualidade ou apenas de abordagem diferente, seja por falta de conhecer línguas, seja por preguiça (afinal, hoje há muita coisa traduzida). No caso da Radio France Internationale (RFI), cujo material que consumi foi em francês e espanhol, não há desculpas, pois há textos e áudios nas duas versões: português europeu e brasileiro! Quem sabe você também não fica animado pra se informar mais sobre Portugal e a África lusófona?...
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