Quem acompanha a política francesa há alguns anos, como eu, já está familiar com essa cara de senhor bonachão de 73 anos nascido no sul, o famoso Languedoc berço de um idioma românico muito diferente do dialeto parisiense. François Bayrou (pron. “bai-rrú”, e não “berrú”, como se esperaria) sempre se identificou com o chamado “centro político”, uma noção jamais popular na França e que o obrigou a ficar às margens do jogo eleitoral e, sobretudo, ideológico.
Embora fosse professor colegial de letras clássicas por profissão, logo a largou pra passar a maior parte da vida na política, ocupando cargos legislativos, ministérios em diversos governos, se candidatando três vezes à presidência (a melhor delas com um terceiro lugar em 2007) e sendo mentor de Emmanuel Macron (pelo menos antes dele recair no neoliberalismo descarado). Antes agindo sempre meio que nas sombras, aparece agora como última opção pra ocupar o cargo de primeiro-ministro da França, cuja indicação, ao contrário de outros países, é prerrogativa exclusiva do presidente.
Só pra voltar a resumir, o macronismo diminuiu ainda mais a representação na Assembleia Nacional após a dissolução desastrada de junho de 2024 e não quer conversa com o bloco de esquerda NFP (uma salada de partidos conflitantes), que obteve mais votos. Isso torna a escolha de um novo premiê cada vez mais difícil, porque embora Macron seja livre, tem que levar em conta a correlação de forças partidárias de algum modo. E o personagem fica cada vez mais “aguado”, sem carisma, clareza ideológica e apoio popular: só em 2024, Borne renunciou após inúmeros usos do antidemocrático “artigo 49.3”; Attal foi vítima da dissolução “que eu não escolhi”; Barnier foi derrubado pela Assembleia, algo inédito desde 1962; e se o “extremo-centrista” Bayrou cai, como já prometeu a extrema-esquerda, o próprio Macron pode ser deposto ou ter de renunciar.
A sensação de renovação trazida pela “juventude” macronista derreteu ao longo dos anos, e o saldo, fruto especialmente das políticas de Bruno Le Maire, ex-ministro das Finanças direitista, foi um poder de compra corroído, preços que não param de subir e uma dívida pública de três trilhões de euros! Imagine o Brasil devendo algo roçando os 20 trilhões de lulas... Ao assumir, Bayrou disse que a tarefa vai ser difícil (jura?) e exumou uma frase de François Mitterrand: “Enfim, as chateações estão começando...” Ambas as ideias podiam ser traduzidas em bom politiquês da seguinte forma:
Se Jean-Luc Mélenchon, líder da LFI de extrema-esquerda que integra o citado bloco parlamentar NFP (herdeiro da NUPES das eleições de 2022), tem sido acusado de “trumpizar” o debate político na rede Équis, pelo menos uma coisa sábia ele escreveu ontem. Aludindo ao fato de que Macron tinha outro nome em mente, mas que o cacique do Movimento Democrático (MoDem) praticamente se impôs a si mesmo numa turbulenta reunião, dixit o Rui Pimenta francês: “Quatro primeiros-ministros em um ano! Três escolhidos, um imposto. Bayrou também deveria nomear outro presidente.”
Mas não pensemos em seu “centrismo” (ou mesmo em seu propalado lema “nem de direita, nem de esquerda”, retomado por Macron em 2017) como equivalente a ser isentão ou algo fisiológico e anódino, parecido com o MDB e o PSD bananeiros. A coincidência da cor laranja entre o MoDem e o Partido NOVO (pelo menos na concepção original do Amoêdo) traz a lume outra característica comum: liberal na economia, conservador nos costumes. Não por menos, Bayrou é geralmente encaixado na família “democrata-cristã” europeia, mas seu catolicismo parece nem sempre funcionar na prática.
Como foi relembrado na edição de sexta-feira do programa francês C dans l’air, Bayrou é basicamente um “poser”, ou seja, adora estar sob os holofotes, a ponto de sentir prazer ao se escutar ou assistir a si mesmo falando no rádio ou na mídia. Quando era candidato a presidente em 2002, teve a campanha coberta pela repórter Alix Bouilhaguet, que esteve no programa e contou como ele, ao viajar pra Israel, insistiu com as autoridades judaicas por uma foto com Yasser Arafat, não por amor à causa palestina, mas pra “se registrar ao lado de uma figura histórica”. Ela também filmou esta cena clássica, em que Bayrou, ao visitar um bairro pobre de Estrasburgo, deu um tabefe na bochecha de um menino por ele supostamente ter tentado tirar coisas de seu bolso.
Sarkozy teve mais sorte (ou não, porque isso foi fatal pra reeleição...) em 2012 ao ser flagrado conseguindo tirar do pulso um relógio caríssimo enquanto cumprimentava uma multidão. Mas no Brasil de 2024, além de custar a eleição e talvez a candidatura, o gesto de Bayrou poderia lhe ter valido multa e cadeia. Mesmo relegado ao quarto lugar, o tapa televisionado em horário nobre fez sua pontuação... dobrar, como se esperaria num bolsoverso. “Faire la poche” (lit. “fazer o bolso”, em inglês “pickpocket”) significa tirar algo do bolso de alguém sem que a pessoa perceba, o que no Brasil se associa aos batedores de carteira ou, independente do conteúdo e em se tratando de crianças de rua, aos chamados trombadinhas:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.