quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Morre estudiosa do nazismo tropical


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Esta mensagem foi enviada por meio eletrônico à comunidade acadêmica da Unicamp, tendo sido redigida pela Prof.ª Dr.ª Suely Kofes, em nome do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, como um obituário de Adriana Abreu Magalhães Dias, pesquisadora aí formada, que produziu trabalhos de referência tanto sobre o neonazismo no Brasil quanto sobre a deficiência e a acessibilidade. Também fez parte dos setores de direitos humanos ligados ao recente governo de transição de Lula. Foi ela, por exemplo, quem descobriu em 2021 uma carta de Bolsonaro escrita em dezembro de 2004 e agradecendo a militantes neonazistas pelo apoio que eles concediam a seu mandato. Na época, o texto foi publicado apenas em páginas ligadas a esses militantes (todas elas hoje extintas, por ação da Adriana), e em mais nenhum lugar. Republico aqui devido à importância desse trabalho e de meu pertencimento ao mesmo instituto da Unicamp.


Se um obituário é uma escrita biográfica, melhor seria não começar pelas datas, as convencionais do nascimento e morte. Uma vida continua nos vestígios que permanecem entre os vivos. Pelo nome, comecemos pelo nome, Adriana.

Adriana Abreu Magalhães Dias formou-se como antropóloga na Unicamp. Concluiu a sua graduação em Ciências Sociais com a defesa de uma monografia baseada em uma pesquisa pioneira, no tema e na “área etnográfica”: Os Anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na internet (2005). Com um considerável conhecimento da deep web, observou postagens não reconhecíveis ao leigo, as publicações dos neonazistas, e continuou assim a sua pesquisa para o mestrado (PPGAS, Unicamp), concluído com a dissertação intitulada Os Anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na internet (2007). Finalmente, em 2018, defendeu a sua tese de doutorado: Observando o ódio: entre uma etnografia do neonazismo e a biografia de David Lane.

As suas pesquisas acadêmicas, monografia, dissertação e tese, são imprescindíveis para o estudo das concepções e ações neonazistas e sobre pesquisas antropológicas na internet. Quem faz antropologia neste campo de estudos no Brasil precisa necessariamente reconhecer seu pioneirismo e a importância de suas pesquisas.

Adriana é uma ativista, radicalizou os supostos de uma antropologia pública. Pelos seus artigos, pelos debates e ações jurídicas contra neonazistas. Pela coordenação do Comitê “Deficiência e Acessibilidade” da ABA [Associação Brasileira de Antropologia], organizou também na ABA o I Seminário Nacional de Políticas Públicas para Mulheres com Deficiência, pela criação e realização de GTs [grupos de trabalho] relativos aos estudos sobre as pessoas com deficiência. Na elaboração do projeto de lei para o Dia Nacional das Doenças Raras.

Ao criar o Instituto Baresi, um fórum nacional associando “pessoas com doenças raras, deficiências e outros grupos de minoria”, enfatizava a sua luta contra desigualdades e pela justiça. Não foi possível ainda me envolver pela evocação dos nossos momentos comuns.

Pela dor, mas também pelas centenas de testemunhos da vida e do trabalho e das ações políticas de Adriana que leio desde o dia vinte e oito de janeiro de 2023, quando foi anunciado o seu falecimento. Um mês depois de seu aniversário. Adriana não apenas pesquisou sobre e agiu contra as redes de neonazistas.

Criou um meshwork de afetos, tecido pelas suas lutas e pela sua generosidade. Onde quer que estivesse, no IFCH, Unicamp, em outras universidades, em reuniões científicas, em lugares aos quais era convidada a debates, no cotidiano, reivindicava condições de acesso aos portadores de deficiências, inclusive para si mesma.

Como li em algumas mensagens sobre ela, Adriana foi pioneira também nas reivindicações de acessibilidade nos ambientes acadêmicos e com uma qualidade própria, a de insistir nos problemas. Sensível esta relação entre os seus temas de pesquisa em antropologia, os de seus ativismos e entre estes e a sua vida, breve. Uma antropóloga, uma ativista. Acompanhei as suas pesquisas desde a monografia de graduação até o seu doutorado. Nos separamos no ativismo e nos aproximávamos intensamente nas leituras em antropologia, nas conversas sobre as suas pesquisas, e por um intenso afeto.

Quando Adriana concluiu o seu doutorado, tornei-me uma mensageira que endereçava a ela os tantos e-mails de jornalistas e movimentos por direitos humanos procurando-me para obter o seu endereço de e-mail. Pode-se dizer da vida de Adriana Abreu Magalhães Dias, que ela se fez distribuindo o bem e na procura da justiça. Que este seja o seu legado permanente.

Até sempre e obrigada, Adriana.



O consumo conjunto de copos de leite é um dos símbolos alheios aos leigos.

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