terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A mãe do caçula de Lukashenka


Endereço curto: fishuk.cc/abelskaia

Certa vez, brinquei com uma amiga belarussa chamando Aliaksandr Lukashenka de “bátska” (algo como “papai”, “painho”, equivalente ao russo “bátko”), que é como o gado dele, seus apoiadores e a propaganda oficial em Belarus o chamam. Ela me respondeu rispidamente, sem perder o afeto: “Ninguém o chama de batska, afinal ele não é pai de ninguém. Aqui, nós o chamamos de dyktátar mesmo.” Sim, “ditador”, como ele mesmo várias vezes assumiu descaradamente ser.

E como todo ditador, incluindo Putin, sua vida privada, especialmente a familiar, é mantida no mais rígido sigilo, sem a preocupação de passar a imagem de “família nuclear cristã tradicional” (embora, ao contrário da Rússia, a religião não seja necessariamente uma coluna da ditadura de Lukashenka) que eles tentam impor ao vulgo. E também como todo ditador, incluindo novamente Putin, e mais uma vez em contraste com a rigidez moral que se pretende passar, as puladas de cerca são recorrentes, sem a mínima necessidade de prestar contas às esposas oficiais.

Caso você não saiba, foi descoberta uma suposta filha do inquilino do Kremlin nascida em 2003, Elizavéta (Liza) Krivonógikh, do sobrenome da mãe, Svetlána, ex-faxineira, formada em Economia e acionista do banco Rossía, não por acaso, administrado por um amigo de Putin. Também conhecida nas redes como Luíza Rózova, estaria vivendo em Paris sob o nome Elizaveta Rudnóva, sobrenome emprestado a mais um próximo do ditador, já falecido. A semelhança visual com o jovem de cara lambida espantou a todos, mas quando sua possível paternidade se tornou pública, ela começou a esconder o rosto, apagar as fotos da cara e, enfim, fechou os perfis. Tire você mesmo as conclusões sobre ambas...






No caso de Lukashenka, a coisa é mais complexa. Oficialmente, ele se casou com a pedagoga Halína Zhauniaróvich (nome de solteira) em 1975 e ela ocupa, portanto, o cargo de primeira-dama de Belarus. Seus dois filhos, Víktar e Dzmítry, têm alguma relação direta ou indireta com a política estatal, sendo Víktar, por exemplo, acusado de colaborar na cruenta repressão às manifestações de 2020. Porém, desde 1994 (ou seja, quando o ditador foi democraticamente eleito e tomou posse), e apesar de jamais se ter anunciado publicamente o divórcio, eles não vivem juntos, e também juntos quase não são vistos em eventos públicos, preferindo o ditador participar deles como se fosse solteiro. Assim como o suserano do Leste...

Porém, há muitos anos, Lukashenka aparece acompanhado de um menino loiro e elegante, posando como “filho”, e atualmente ele está muito alto e bastante atlético, embora também seja discreto nas redes sociais e praticamente não dê entrevistas. Trata-se de Mikalái Lukashenka (em russo, seria “Nikolái”, por isso também é chamado de “Kólia”), nascido em 2004 de uma suposta relação extraconjugal com Irýna Abélskaia, pediatra, endocrinóloga e sua ex-médica pessoal (pensou na semelhança com algum Gaddafi?...) que tinha assumido o posto em 1994. Ela também raramente aparece ao lado de qualquer um dos varões, embora leve igualmente uma vida de luxo, tal como a “oficial” do ditador e a ex de Putin.

Segue abaixo a tradução de três fontes, as quais misturei e privei de repetições, sobre a biografia de Abelskaia, o “aparecimento” de Mikalai e sua relação com Lukashenka, a começar pela própria Wikipédia em russo. Também me vali de um artigo assinado por Anna Konakova pro portal 24SMI e de um artigo (versão em russo) assinado por Katsiaryna Hardzeieva pro portal belarusso de oposição Nasha Niva. Quando achei importante, também adicionei precisões por conta própria, e sempre que possível, transliterei os nomes próprios conforme sua versão em belarusso, e não em russo.



Num dos perfis ativos de Mikalai, esta última atualização antiga na comemoração do Dia da Vitória contra os nazistas recebeu um comentário mais ou menos recente: “O filho é digno do pai e da mãe que tem.” Outro, cujo nome de usuário curiosamente significa em belarusso “A ditadura vai ruir”, responde: “As p*tas vão parar na cadeia.”


De nome completo Irýna Stsiapánauna Abélskaia, nasceu em Brest em 6 de setembro de 1965. Com doutorado em Medicina, de 2001 a 2007, e novamente desde 2009, é médica-chefe do Centro Médico Republicano da Administração Presidencial da República de Belarus. Sua nomeação aos 36 anos pro cargo foi considerada fulgurante, pois esse centro, desde os tempos soviéticos, tratava tradicionalmente de altos funcionários, políticos, artistas, atores e cientistas. Sua mãe, Liudmýla Postoiálko, nascida na província ucraniana de Poltava, foi ministra da Saúde de Belarus de 2002 a 2005, e sua fulgurante ascensão é atribuída por muitos justamente à carreira da filha. No final de 2005, Postoialko deixou o ministério por estar gravemente doente com câncer, mas curiosamente manteve a cadeira no Conselho da República, câmara alta do parlamento, até sua morte, em 2007. Não surpreende que Abelskaia seria eleita pro mesmo conselho em 2024: seus membros são escolhidos indiretamente pelos órgãos locais ou, numa cota de oito membros, nomeados diretamente pelo presidente.

De 1994 a 2001, Abelskaia trabalhou como médica no hospital da direção central de um dos complexos médicos da administração presidencial e, ao mesmo tempo, como médica pessoal de Lukashenka. Com o estabelecimento do cargo de preisdente de Belarus, que substituía o de presidente do antigo Soviete Supremo, decidiram também lhe guarnecer de um médico pessoal, e a Administração Presidencial decidiu (sabe-se lá por que critérios) que o perfil ideal pro cargo seria uma mulher divorciada, mas sem companheiro, com cerca de 30 anos, boa aparência (!) e mãe de uma criança, de preferência menino. Após busca em todas as clínicas da capital Minsk, a escolha recaiu sobre Abelskaia. No outono de 1994, ela foi transferida com urgência pra trabalhar na comissão médica e foi designada pra equipe do departamento de endocrinologia como médica de categoria superior. Ela quase nunca aparecia na clínica, mas desde então começou a acompanhar sempre o futuro ditador por todo lado.

Abelskaia era frequentemente vista ao lado de Lukashenka, mesmo durante viagens internacionais, e aos poucos começou a ser considerada uma das mulheres mais próximas dele. Assim, o administrador da Presidência de Belarus, Iván Tsitsiankóu, embora formalmente superior à médica, recordou que “transmitia através de Irýna Stsiapánauna” as demandas feitas ao presidente. Que ela era responsável não só pela saúde do ditador ficou claro durante sua primeira e única visita oficial à França, em 1996. Violando todos os cânones diplomáticos, Lukashenka ordenou que o ministro do Exterior belarusso fosse tirado de seu quarto pra que Abelskaia se deslocasse pra lá: o quarto ficava ao lado do quarto do próprio Lukashenka. Depois disso, ninguém ficou surpreso quando soube que ela tinha se mudado pra residência presidencial em Drazdý, distrito de elite em Minsk onde vivem funcionários do governo e pessoas intimamente ligadas ao ditador.

Enquanto estava na faculdade, Abelskaia conheceu seu futuro marido, Iauhén Abélski. Logo depois, se casaram e tiveram o filho Dzmitry Abelski. No entanto, logo se divorciaram e sozinha ela criou o filho, que se tornaria oftalmologista. Abelskaia é dona de uma villa em Drazdý. Quanto à religião, ela se declara ortodoxa praticante. Quem a conheceu pessoalmente, afirma que ela permaneceu uma pessoa modesta e tranquila, pra alguém que ascendeu à Administração Presidencial de Belarus.

Em 31 de agosto de 2004, ela teve outro filho, Mikalai: segundo a mídia independente, trata-se do segundo filho ilegítimo de Lukashenka (ver abaixo sobre o primeiro). Os boatos surgiram no final dos anos 2000, até que o ditador apareceu pela primeira vez em público com o menino em abril de 2008, quando ele tinha 3 anos e 7 meses. Lukashenka logo confirmaria que sim, Kolia era seu filho, mas não revelou o nome da mãe, dizendo apenas que trabalhava como médica. Isso deu motivos pra pensar que Abelskaia tinha dado à luz o herdeiro mais jovem do ditador, mas nada jamais foi oficialmente confirmado. Mikalai aparece em eventos com o pai, mas não há fotos do jovem junto com a suposta mãe em fontes oficiais.

Agora um pouco de “trivia”, rs. Pra manter a forma, Abelskaia abriu mão de farinha e doces, além de batatas, o que é considerado impensável pra uma representante da nacionalidade belarussa. Todos os dias, acorda às 5h30min e começa o dia com uma caminhada na companhia de seu cachorro. Ela tenta caminhar pelo menos 5 km e, quando tem tempo livre, anda de bicicleta.


  

Infelizmente, como revelou a agência Nexta em abril de 2021, toda essa história também tem um lado triste. Lukashenka e Abelskaia teriam outro filho juntos, mais velho do que Mikalai, mas cujo destino seria totalmente desconhecido do público. Segundo a Nexta, teria sido registrado como Matséi (Matvéi, em russo) Postoiálko, nascido em 30 de novembro de 2002, e sofreria de autismo, retardo mental e microtia (subdesenvolvimento do ouvido externo). Ele foi registrado com o sobrenome de solteira de sua mãe porque o “casal” temia que uma criança deficiente prejudicasse a carreira política de seu pai.

Na época da primeira foto, revelada apenas muitos anos depois, Matsei tinha 10 ou 11 anos, e a segunda foto consegui localizar numa espécie de base de dados russa, não tendo relação, portanto, com a Nexta. Depois, nenhuma outra foto do menino jamais apareceu em qualquer veículo ou plataforma.

Vejam só, aquele que é chamado de “batska” pela propaganda abandonou um filho inválido! Matsei vive atualmente no internato psiconeurológico pra idosos e deficientes n.º 2 na rua Vaupshásava, em Minsk, mas nada faltaria pra seu cuidado, tratamento e alimentação. Porém, quando Lukashenka soube da gravidez de Mikalai, teria chegado a entrar em altercação com Abelskaia, pois tinha medo que o mesmo fenômeno se repetisse. Por isso mesmo, dizem, ele teria demorado anos pra mostrar Kolia ao público, esperando que não demonstrasse problemas em seu desenvolvimento...


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