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Stalin pronunciando seu discurso ao 19.º Congresso do PCUS.
Introdução (Erick Fishuk)
Durante as décadas de 1940 e 1950, quando Iosif Stalin, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), estava no auge de seu poder, suas obras e concepções teóricas eram assimiladas por todos os outros Partidos Comunistas do mundo e tomadas como orientação infalível pra ação política e a produção intelectual. A Editorial Vitória, pertencente ao Partido Comunista Brasileiro (PCB, que ainda se chamava “do Brasil”), editou vários desses escritos em português, mas infelizmente traduzidos em geral das versões espanholas ou em outras grandes línguas ocidentais.
O 20.º Congresso do Partido soviético, em 1956, mudou completamente esse panorama, quando Nikita Khruschov, por meio de seu famoso “relatório secreto”, demonizou Stalin, seu antecessor falecido três anos antes, por ter cometido terríveis abusos quando governava. As obras do até então “guia genial dos povos” sofreram um grave declínio em sua publicação no mundo inteiro e hoje são geralmente encontradas apenas velhas edições em sebos ou em bibliotecas universitárias. A presente tradução abre uma pequena brecha nesse silêncio, apresentando, provavelmente pela primeira vez em língua portuguesa, o breve discurso que Stalin pronunciou a 14 de outubro de 1952 na sessão de encerramento do 19.º Congresso do Partido, o último que o líder faria em sua vida.
Nesta alocução, Stalin reafirma a mais recente orientação do movimento comunista internacional pró-soviético de liderar os movimentos que lutavam pela paz mundial e de defender as chamadas “liberdades democrático-burguesas”, que estariam sendo esmagadas pela própria burguesia pra manter sua dominação de classe.
Essa linha relativamente moderada é resultado direto da política de distensão mundial (também chamada de détente) protagonizada pelos EUA e pela URSS durante a segunda metade da década de 1950 e durante boa parte dos anos 1960, a qual tinha por objetivo estratégico uma convivência minimamente pacífica entre as duas superpotências da época pra prevenir um confronto militar direto, cujo resultado poderia ser catastrófico pra humanidade, dado o enorme poder de destruição do arsenal bélico dos dois lados.
O momento também era de otimismo pra o comunismo mundial, como se nota bem no documento, pois estava ocorrendo o primeiro congresso do PCUS após a Segunda Guerra Mundial e após a constituição inédita de um bloco mundial de países socialistas, reavivando-se, assim, a esperança de que o socialismo pudesse triunfar na maior parte do planeta, tanto nos países industrializados quanto nas novas nações recém-saídas do domínio colonial europeu.
O discurso, pronunciado a 14 de outubro de 1952 e reproduzido, de forma editada, na edição do jornal Pravda do dia seguinte, também aparece no tomo 16 das Sochinenia (Obras) de Stalin, cuja edição mais nova, até onde eu saiba, é da Pisatel (Moscou), 1997, pp. 227-229, e está reproduzido nesta página. Assista também à versão legendada desse discurso:
Camaradas!
Em nome de nosso congresso, permitam-me agradecer, pelos amistosos cumprimentos, (2) pelos votos de sucesso e pela confiança, a todas as agremiações e partidos irmãos que enviaram moções de saudação ou cujos representantes honraram-no com sua presença.
Para nós, é especialmente valiosa essa confiança, indicativa do empenho em apoiar nosso partido nas lutas por um futuro radiante para os povos, contra a guerra e pela manutenção da paz.
Seria um erro pensar que nosso partido, tendo adquirido enorme força, não mais precisasse de apoio. Isso é falso. Nosso partido e nosso país sempre precisaram e precisarão da confiança, da simpatia e do apoio dos povos irmãos estrangeiros.
A peculiaridade desse apoio consiste em que cada partido irmão, ao apoiar as aspirações pacifistas de nosso partido, demonstra também estar apoiando a luta de seu próprio povo pela manutenção da paz. Em 1918-1919, durante a agressão armada da burguesia inglesa à União Soviética, (3) o operariado inglês, ao organizar a luta contra a guerra sob o slogan “Tirem as mãos da Rússia”, apoiou, antes de tudo, a luta de seu povo pela paz, e só depois a União Soviética. O camarada Thorez ou o camarada Togliatti, (4) ao declararem que seus povos não guerrearão contra os povos da União Soviética, (5) estão apoiando, antes de tudo, os operários e camponeses da França e da Itália que lutam pela paz, e só depois as aspirações pacifistas soviéticas. A peculiaridade desse apoio mútuo explica-se pelo fato de os interesses de nosso partido não contradizerem, mas, pelo contrário, confundirem-se com os dos povos amantes da paz. No que concerne, pois, à União Soviética, seus interesses são totalmente inseparáveis da causa da paz mundial.
Naturalmente, nosso partido não pode permanecer em dívida com os partidos irmãos e deve também, por sua vez, apoiar a eles e a seus respectivos povos na luta por sua libertação e pela manutenção da paz. Como se sabe, é assim mesmo que ele procede. Após nosso partido ter conquistado o poder em 1917 e ter tomado medidas efetivas para liquidar o jugo capitalista e latifundiário, os representantes dos partidos irmãos, admirados pela bravura e pelos êxitos de nosso partido, conferiram-lhe o título de “Brigada de Choque” do movimento revolucionário e operário mundial. Com isso, eles manifestaram a expectativa de que os êxitos dessa “Brigada de Choque” aliviassem a situação dos povos afligidos pelo jugo do capitalismo. Penso que nosso partido correspondeu a essas expectativas, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética, destroçando a tirania fascista alemã e japonesa, libertou os povos da Europa e da Ásia do perigo da escravidão fascista.
Obviamente, era muito difícil desempenhar essa honrosa função enquanto havia uma única “Brigada de Choque”, obrigada a exercer seu vanguardismo quase na solidão. Mas isso é passado. Hoje a situação é completamente outra: tendo surgido, da China e da Coreia até a Checoslováquia e a Hungria, novas “brigadas de choque” na forma de países democrático-populares, a luta tornou-se mais fácil para nosso partido, e até mesmo o trabalho seguiu mais alegre.
Merecem atenção especial os partidos comunistas, democráticos ou operário-camponeses que ainda não chegaram ao poder e continuam atuando sob o tacão das leis draconianas burguesas. Obviamente, para eles é mais difícil atuar. Entretanto, para eles não é tão difícil atuar quanto era para nós, comunistas russos, nos tempos do tsarismo, quando os mínimos progressos eram fortemente criminalizados. Todavia, os comunistas russos resistiram, não temeram as dificuldades e alcançaram a vitória. A mesma coisa ocorrerá a esses partidos.
Por que, em todo caso, para esses partidos não será tão difícil atuar, em comparação com os comunistas russos do período tsarista?
Em primeiro lugar, porque eles têm diante dos olhos os exemplos da luta e dos êxitos da União Soviética e dos países democrático-populares. Eles podem, portanto, aprender com os erros e acertos desses países e, assim, facilitar sua atuação.
Em segundo lugar, porque a própria burguesia, principal inimiga do movimento emancipador, mudou drasticamente, tornou-se mais reacionária, perdeu seus vínculos com o povo e, assim, enfraqueceu-se. Naturalmente, essa situação também deve facilitar a atuação dos partidos revolucionários e democráticos.
Antes, a burguesia permitia-se posar de liberal, defendia as liberdades democrático-burguesas e, assim, angariava popularidade junto às massas. Hoje não resta um vestígio sequer desse liberalismo. Não existem mais as assim chamadas “liberdades individuais”: os direitos individuais só são reconhecidos aos donos do capital, e os demais cidadãos são considerados matéria humana bruta, útil apenas para ser explorada. O princípio da igualdade de direitos entre as pessoas e as nações foi pisoteado e substituído pelo princípio da plenitude de direitos a uma minoria de exploradores e de sua ausência à maioria explorada dos cidadãos. A bandeira das liberdades democráticas burguesas foi jogada fora. Penso que cabe a vocês, representantes dos partidos comunistas e democráticos, recolhê-la e conduzi-la adiante, se vocês querem atrair para si a maioria do povo. Não há mais ninguém que possa fazê-lo.
Antes, a burguesia julgava-se líder das nações, cujos direitos e independência defendia e colocava “acima de tudo”. Hoje não resta um vestígio sequer desse “princípio nacional”: a burguesia vende por dólares os direitos e a independência das nações. A bandeira da independência e da soberania nacionais foi jogada fora. Não há dúvida de que cabe a vocês, representantes dos partidos comunistas e democráticos, recolhê-la e conduzi-la adiante, se vocês querem figurar como os patriotas de seus países e tornar-se a força dirigente das nações. Não há mais ninguém que possa fazê-lo.
É assim que a situação apresenta-se atualmente.
Naturalmente, todas essas circunstâncias devem facilitar a atuação dos partidos comunistas e democráticos que ainda não chegaram ao poder.
Há, portanto, todos os motivos para contar-se com o êxito e a vitória dos partidos irmãos nos países dominados pelo capital.
Vivam nossos partidos irmãos!
Saúde e vida longa a seus líderes!
Viva a paz entre os povos!
Abaixo os incendiários de guerra!
(1) “KPSS” é a sigla russa de “Kommunisticheskaia partia Sovetskogo Soiuza”, o Partido Comunista da União Soviética (PCUS), que assim passava a chamar-se justamente neste congresso.
(2) “Pelos amistosos cumprimentos”: no original em russo, “za druzheskie privetstvia”. No discurso, Stalin profere “za bratskie privetstvia” (“pelos fraternais cumprimentos”).
(3) Referência à Guerra Civil Russa que, de modo geral, durou de 1918 a 1921, quando exércitos nacionais e estrangeiros buscaram derrubar o poder bolchevique instalado em 1917.
(4) Maurice Thorez e Palmiro Togliatti, então secretários-gerais, respectivamente, do Partido Comunista Francês (PCF) e do Partido Comunista Italiano (PCI).
(5) “Contra os povos da União Soviética”: no original em russo, “protiv narodov Sovetskogo Soiuza”. No discurso, Stalin profere “protiv sovetskikh narodov” (“contra os povos soviéticos”).
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